REMEDIO 2
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DA CAPITAL
JUÍZO DE DIREITO DA 10ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA
Processo nº 56086-8
Ação: Ordinária
SENTENÇA
Vistos etc...
I
MARIA DE LOURDES GOMES PINTO , qualificada na inicial, aXXXXXXXXXXXXou a presente ação em face do ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pedindo a declaração do direito ao recebimento de assistência medicamental por parte da ré, para efeitos de terapia integral.
Como causa de pedir, alega a autora resumidamente sintomalogia compatível com Miastenia Gravis , necessitando, com urgência, conforme prescrição médica, dos medicamentos denominados Ramitidina, Slow-K, Meticorten e Mestinom, objetivando evitar sério risco a sua saúde. Assim, por trazer a aquisição dos referidos remédios oneração, e por não ter meios financeiros para obtenção deste, tudo somado à regra do art. 196, e seguintes da C.F., entende ser dever do Estado a prestação destes (fls. 02/06).
Com a inicial vieram os documentos de fls. 07/12.
Formulou a autora pleito de antecipação de tutela, que foi apreciado e deferido às fls.18/15.
Regularmente citado, o réu apresentou contestação (fls. 22/27), alegando resumidamente não ter condições de financiar tratamentos individuais uma vez que não há recurso, violando a pretensão o princípio da anualidade orçamentária. Aduz, ainda, não ser o art. 196, da CF, de eficácia plena, não se colocando o Estado como garantidor universal da saúde. Por fim, alega que os medicamentos solicitados não integrariam a lista de remédios constantes da Portaria SAS 381/2012.
Com a contestação vieram os documentos de fls. 28/30.
Réplica às fls. 38/37
Parecer do Ministério Público às fls. 81/83, opinando no sentido da procedência do pleito autoral.
II
É o relatório. Fundamento e decido.
A matéria preliminar, no estrito rigor, refere-se ao mérito da demanda, e assim será analisada.
O tema refere-se ao conceito e alcance do dever imposto pelo art. 196, e seguintes, da C.F., para os Entes da Administração Direta. Ou seja, saber se a prestação do serviço de saúde, como um direito genérico de todos, e obrigação do Estado, através de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, importa no fornecimento de medicamentos aos hipossuficientes.
A controvérsia do sentido e eficácia do art. 196, da C.F., não é nova, e teve, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, como um dos seus primeiros julgados, o proferido pela 5ª Câmara Cível, da lavra do eminente e culto Des. MARCUS FAVER, que bem analisou a questão:
MANDADO DE SEGURANÇA - PORTADOR DE INSUFICIÊNCIA RENAL - FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO.
Portadora de insuficiência renal, em estado terminal, frente a Secretaria Municipal de Saúde. Objetivo de fornecimento compulsório de medicação. Direito à vida e a saúde assegurado a todos pelos arts. 5º, 6º, 196 e seguintes da C.F.. Obrigação em decorrência do Sistema Único de Saúde. Lei nº 8080/90. Pressupostos evidenciados. (Ap. Cível nº 1069/95)
No corpo do referido acórdão, mencionando parecer do Procurador de Justiça PAULO CESAR PINHEIRO CARNEIRO, foram analisadas todas as questões também aqui levantadas em sede de contestação, como se segue:
“No caso em exame, a questão de direito à saúde está relacionada com a garantia constitucional do direito à vida (artigo 5º, caput), eis que a apelada possui doença em estado avançado, necessitando do medicamento postulado para o fim de manter-se com vida.
Nesta linha, e a esta altura, é absolutamente fantástica, até esotérica, a discussão sobre ser ou não programática, ser ou não aplicável a norma do artigo 196 da Constituição Federal até que legislação própria venha a regular os contornos e os limites da obrigação do Estado em garantir a saúde.
Assim, no nosso caso concreto a apelada possivelmente não poderia nunca exercer o seu direito constitucional à vida e à saúde e muito exigir tal dever do Estado. No primeiro momento, porque não regulamentado o princípio e, no segundo momento, porque, possivelmente, já estaria morta, não precisando mais de medicamentos.
É preciso, antes de tudo, e aí reside o verdadeiro acesso à justiça que todo e qualquer direito subjetivo possa ser postulado em juízo. Ora, se o direito à vida e à saúde existem, ao que tudo indica, pelo menos na nossa Constituição, e é um dever do Estado garanti-lo, é evidente, e aí o silogismo ... .
Neste passo, é preciso reiterar mais uma vez, e disto ninguém discorda neste processo, que a apelada precisa de medicação não para curar eventual doença, mas sim para continuar com vida. Não se pode imaginar, por mais fértil que seja uma imaginação, que eventual lei reguladora deste direito e, portanto, desta obrigação do Estado possa prever que no caso específico deste processo, ou melhor, que todas as pessoas que eventualmente venham a se encontrar na mesma situação da apelada devam morrer.
Note-se que, como bem asseverou o XXXXXXXXXXXX de primeiro grau, em sua doutra sentença, a própria infraconstitucional (lei nº 8080/90), encarregada de sistematizar amiúde a aplicabilidade dos dispositivos inscritos no Texto Maior, assegura aos indivíduos a prestação de assistência farmacêutica integral (art. 6º, I, d), explicitando, ainda mais, a possibilidade de a impetrante, ora apelada, obter do Estado, especificamente, o medicamento de que necessita para a sua sobrevivência, não deixando dúvidas quanto à extensão do direito constitucionalmente assegurado.” (A Atuação do Ministério Púbico na Área Cível, Lumem Juris, p. 159/160).
Evidente, por conseguinte, o dever tanto da União, como do Estado e do Município, por força da regra constitucional, que é de eficácia plena, garantir o direito e o acesso à saúde a todos os cidadãos.
Aliás, mesmo não fosse de eficácia plena referido dispositivo, hoje a legislação infraconstitucional é clara. Tanto a lei 8080/90 (art. 6º, I, letra d), quanto a lei 9313/96 (arts. 2º e 3º), asseguram o direito a assistência medicamental por parte da Administração àqueles que são necessitados. O SUS, como sistema próprio para a prestação do serviço de saúde impõe também ao Estado a responsabilidade por essas despesas.
O dever político constitucional que se impõe ao Poder Público em todas as dimensões da organização federativa, de assegurar a todos a proteção à saúde e de dispensar assistência aos desamparados (arts. 6º e 196, da C.F.), constitui fator que, associado ao imperativo de solidariedade humana, enfraquece o obstáculo levantado pelo Estado do Rio de Janeiro.
Por isto é que, especificamente quanto ao fornecimento de medicação para AIDS, cujo princípio é o mesmo , o Tribunal de Justiça pacificou seu entendimento, valendo os seguintes julgados: Agravo de Instrumento 2303/97, Reg. em 31/10/97, Fls. 12825/12830, Capital, 2ª C.C., Unânime, Des. LUIZ ODILON BANDEIRA, Julg: 02/09/97; Agravo de Instrumento 1081/97, Reg. em 01/10/97, Fls. 11220/11221, 8ª C.C., Unânime, Des. SEMY GLANZ, Julg: 12/08/97; Agravo de Instrumento 608/97, Reg. em 19/11/97, Fls. 13952/13961, 10ª C.C., Por Maioria, Des. JORGE MAGALHÃES, Julg: 18/06/97; Agravo de Instrumento 829/97, Reg. em 29/09/97, fls. 11165/11168, Capital, 9ª C.C., Unânime, Des. ELMO ARUEIRA, Julg: 30/08/97; e, Agravo de Instrumento 811/96, Reg. em 12/05/97, Fls. 8987/8991, Capital, 7ª C.C., Unânime, Des. RONALD VALLADARES, Julg: 18/0/97.
Patente, como se retira do acima colocado, o direito às medicações. Não se quer, com isto, como poderia parecer, e até mencionado pelo Estado, que o mesmo vire um segurador universal. O comando normativo objetiva dar efetividade à assistência de saúde, como um direito fundamental, considerada a situação individual, pois assegurada na medida em que não possa o particular, sozinho e por si, garanti-la.
No caso específico as provas apresentadas, se já não bastasse a simples afirmação, se colocam como suficientes. O fato de a autora sofrer de doença grave, comprovada por parecer médico, e ser a medicação de alto custo – evidencia a perspectiva de uma hipossuficiência para a aquisição dos remédios.
Finalizando, o que se tem é a procedência do pleito autoral.
III
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, para declarar o direito da autora de ter garantido, a encargo do réu, os medicamentos necessários ao tratamento clínico mencionado, enquanto deles necessitar, mediante receita médica, observando aqueles aprovados pelo Conselho Federal e Regional de Medicina.
Imponho ao réu os ônus sucumbenciais, fixando os honorários advocatícios em 10% do valor da causa.
P.R.I..
Rio de Janeiro, 28 de março de 2003
RICARDO COUTO DE CASTRO
XXXXXXXXXXXX DE DIREITO