TJ SC 00429282320118240038

Apelação Cível n. 0042928-23.2011.8.24.0038, de Joinville Relator: Desembargadora Cláudia Lambert de Faria

APELAÇÃO CÍVEL. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. ALVARÁ JUDICIAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.

APELO DO EX-CÔNJUGE DA FALECIDA. AUTORIZAÇÃO PARA LEVANTAMENTO DE VALORES DEIXADOS A TÍTULO DE PIS-PASEP, PELA DE CUJUS. EX-ESPOSO QUE ERA CASADO PELO REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS QUE NÃO PODE SER CONSIDERADO HERDEIRO. INTELIGÊNCIA DO ART. 1º DA LEI N. 6.858/80.

Diante do contido no art. 1º, caput, da Lei n. 6.858/1980, não havendo dependentes habilitados perante a Previdência social, os valores deixados pela de cujus, a título de PIS-PASEP, devem ser pagos aos herdeiros legítimos, de acordo com a ordem contida no art. 1.829 do Código Civil.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.

0042928-23.2011.8.24.0038, da comarca de Joinville 6ª Vara Cível em que é Apelante Francisco Guimarães de Paiva e Apelado Andrea Bastos de Paiva.

A Quinta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer o recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo

Excelentíssimo Senhor Desembargador Luiz Cézar Medeiros, com voto, e dele

participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Henry Petry Junior.

Florianópolis, 11 de julho de 2017.

Desembargadora Cláudia Lambert de Faria
Relatora

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RELATÓRIO

ANDREA BASTOS DE PAIVA ajuizou pedido de alvará judicial para o levantamento de quantias do FGTS e do PIS/PASEP, referentes a quinhão hereditário decorrente do falecimento de sua genitora, Déa Bastos de Paiva, depositadas na Caixa Econômica Federal.

À fl. 13 foi determinada a emenda da inicial e a expedição de ofício à Caixa Econômica Federal – CEF para que informasse acerca da existência de valores depositados em nome da falecida.

A emenda da inicial foi realizada à fl. 17, com a juntada da carteira de trabalho da requerente e da certidão de inexistência de dependentes junto ao INSS e certidão de casamento da falecida (fls. 18-21).

A Caixa Econômica Federal, ainda que intimada (fl. 23), não se manifestou (fl. 24).

Determinada a juntada de comprovantes de renda familiar da requerente e reiterada a expedição de ofício à Caixa Econômica Federal (fl. 25), a requerente apresentou os documentos de fls. 28-30.

Aportaram aos autos o ofício de fl. 32 e o documento de fl. 33 da Caixa Econômica Federal.

Manifestação da requerente pelo prosseguimento do feito à fl. 36.

A togada singular, na sequência, determinou que a requerente habilitasse o esposo da de cujus ou apresentasse o termo de desistência desde ou, ainda, a certidão de óbito, caso falecido (fl. 37).

Ato contínuo, a requerente informou desconhecer o paradeiro de seu genitor, sendo que foi criada apenas por sua falecida mãe (fls. 39-40).

Determinada a citação por edital de Franscisco Guimarães de Paiva (fl. 41), o prazo para manifestação transcorreu in albis, conforme certidão de fl. 45.

Remetido

o

feito

ao

Ministério

Público

Estadual,

o

seu

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representante, promotor Francisco de Paula Fernandes Neto, manifestou-se pela desnecessidade de intervenção, pugnando, porém, por sua intimação quando da prolação da sentença (fl. 46).

Nomeada a Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina para atuação na qualidade de curador do Sr. Francisco Guimarães de Paiva (fl. 73), foi apresentada contestação na qual foi suscitada a nulidade da citação por edital e, ao final, pugnou-se pela improcedência do pedido inicial por negativa geral (fls. 74-79).

Apresentada réplica nas fls. 83-85.

A juíza singular determinou a utilização do sistema INFOSEG para busca do endereço do Sr. Francisco Guimarães de Paiva (fl. 86), o que foi cumprido à fl. 87.

Expedida carta de citação, retornou com a indicação "não procurado" (fl. 89).

Na sentença (fls. 90-97), a togada de origem deferiu o pedido inicial, determinando a expedição de alvará judicial em nome da autora Andrea Bastos de Paiva, autorizando-a a proceder ao levantamento do saldo não sacado da conta do PIS/PASEP de titularidade de Déa Bastos de Paiva. Determinado o recolhimento das custas pela parte requerente, foi suspensa a sua exigibilidade por ser beneficiária da justiça gratuita, na forma do art. 98, § 3º, do CPC.

O Sr. Francisco Guimarães de Paiva interpôs recurso apelação (fls.

108-111), aduzindo, em síntese, que a sentença deve ser reformada, tendo em vista ser necessária a reserva da quota-parte do apelante, por também ser herdeiro da de cujus.

Contrarrazões foram acostadas às fls. 115-119.

Os autos vieram conclusos para julgamento, ocasião em que esta Relatora determinou a intimação do representante do Ministério Público neste grau de jurisdição (fl. 122).

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A Douta Procuradoria-Geral de Justiça, representada pela Exma.

Sra. Dra. Hercília Regina Lemke, deixou de manifestar-se sobre o mérito do recurso, por não envolver as hipóteses dos incisos I, II e III do novo CPC (fls. 125-126).

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VOTO

Diante da entrada em vigor, a partir de 18-03-2016, do Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105, de 16-03-2015), faz-se necessário definir se a novel legislação será aplicável ao presente recurso.

Com relação aos requisitos de admissibilidade recursal, consoante Enunciado administrativo n. 3 do Superior Tribunal de Justiça (aprovado em sessão do Pleno do dia 16-03-16), aquela Corte decidiu que "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".

No caso em apreço, a sentença foi proferida no dia 07 de julho de 2016 (fl. 97), ou seja, após da entrada em vigor do novo CPC, portanto, devem ser observados os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista.

Na espécie, vê-se que foram preenchidos os requisitos de admissibilidade, pelo que deve ser conhecido o recurso.

Por seu turno, a análise do pleito recursal também deve obedecer aos dispositivos do novo Código.

A controvérsia trazida pelo apelante cinge-se a possibilidade de reserva da sua quota-parte referente aos valores deixados pela falecida Déa Bastos de Paiva, sua esposa, a título de PIS-PASEP.

Com efeito, a Lei n. 6.858/1980 "Dispõe sobre o Pagamento, aos Dependentes ou Sucessores, de Valores Não Recebidos em Vida pelos Respectivos Titulares."
O artigo 1º da referida lei ilustra a ordem de pagamento das verbas deixadas a título de PIS-PASEP pela pessoa falecida:

Art. 1º - Os valores devidos pelos empregadores aos empregados e os montantes das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participação PIS-PASEP, não recebidos em vida pelos respectivos

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titulares, serão pagos, em quotas iguais, aos dependentes habilitados perante a Previdência Social ou na forma da legislação específica dos servidores civis e militares, e, na sua falta, aos sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial, independentemente de inventário ou arrolamento.

Nesse passo, a certidão de fl. 21, expedida pela Previdência Social,

indica a inexistência de dependentes habilitados à pensão por morte, razão pela

qual o pagamento dos valores deixados pela de cujus Déa Bastos de Paiva deve

observar a linha sucessória prevista no art. 1.829 Código Civil, in verbis:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.

In casu, as partes interessadas eram filha e ex-esposo da falecida.

Ocorre que, segundo consta na certidão de casamento de fl. 20, o matrimônio é

regido pelo regime da comunhão de bens, obrigatório na época de sua

celebração (art. 258, redação original, do Código Civil de 1916).

Portanto, o Sr. Francisco Guimarães de Paiva não é considerado

herdeiro necessário da de cujus, sua ex-esposa, razão pela qual não pode

concorrer com sua filha (e da falecida) para o pagamento dos valores deixados

por aquela.

A respeito do assunto, extrai-se da doutrina de Nelson Nery Júnior e

Rosa Maria de Andrade Nery:

Levantamento de saldo do FGTS por falecimento do trabalhador. Levantamento de metade pela cônjuge-meeira, repartindo-se o restante entre os filhos do falecido, seus sucessores. Inadmissibilidade. [...] Pelo sistema sucessório do CC, é preciso verificar-se a situação do cônjuge sobrevivente: ele não fará jus ao levantamento na qualidade de meeiro, mas pode fazê-lo na

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qualidade de herdeiro que concorre com os descendentes do morto (art. 1829 e 1830). (in Código civil comentado. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 1571)

Nesse sentido, decidiu esta Corte de Justiça:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - PROCEDIMENTO ESPECIAL DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA - ALVARÁ JUDICIAL - LEVANTAMENTO DE PIS E FGTS - EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO - INCONFORMISMO DO REQUERENTE - ÚNICO FILHO E HERDEIRO - ACOLHIMENTO - INEXISTÊNCIA DE DEPENDENTE CADASTRADO - SUCESSOR LEGÍTIMO NA FORMA DA LEI CIVIL - PRESSUPOSTOS LEGAIS PREENCHIDOS - ALVARÁ DEFERIDO - RECURSO PROVIDO. Inexistindo dependentes habilitados perante a previdência social, reconhece-se ao filho e único herdeiro da trabalhadora falecida o direito de levantar os valores depositados a título de PIS e FGTS mediante alvará judicial. (TJSC, Apelação Cível n. 2015.056248-9, de Joinville, rel. Des. Monteiro Rocha, j. 24-09-2015).

Inexistindo dependentes habilitados perante a previdência social, possuem legitimidade para requerer o levantamento de valores relativos ao FGTS os sucessores previstos na lei civil (TJSC, 2ª Cam. Dir. Civ., minha relatoria, Ap. Civ. n. 2014.011865-4, de Guaramirim, j. 20-11-2014).

A teor do art. 1º da Lei n.º 6.858/80, comprovada inexistência de dependentes cadastrados junto ao INSS, somente os herdeiros são legitimados para levantar o FGTS depositado em favor do de cujus (TJSC, 3ª Cam. Dir. Civ., Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, Ap. Civ. n. 2009.039740-5, de Jaraguá do Sul, j. 15-9-2009).

Desse modo, diante do contido no art. 1º, caput, da Lei n.

6.858/1980, não havendo dependentes habilitados perante a Previdência social,

os valores deixados pela de cujus, a título de PIS-PASEP, devem ser pagos aos

herdeiros legítimos, de acordo com a ordem contida no art. 1.829 do Código Civil.

E, casado o interessado/apelante com a falecida pelo regime da comunhão

universal de bens, não pode ser ele considerado sucessor, de modo que não há

que se falar em reserva de sua quota-parte.

Em decorrência, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-

lhe provimento.

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