RÉPLICA AO ESTADO MEDICAMENTO GRATUITO ILEGAL E CHAM
EXMO. SR. DR. XXXXXXXXXXXX DE DIREITO DA 10ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL - RJ
Autos do Processo nº 2002.001.092598-6
, já qualificada nos autos do processo suso referido, vem, por intermédio da Defensoria Pública, em atenção ao constante à fl. 37, aduzir, em RÉPLICA que se reporta integralmente aos termos da peça proemial (fls. 2 usque 6), pois a peça de bloqueio apresentada pelo Estado do Rio de Janeiro em nada fragiliza a pretensão autoral, sendo certo que a pretensão da Autora encontra guarida na legislação em vigor.
DA PRELIMINAR ARGÜIDA PELO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
A preliminar de inclusão da União e do Município do Rio de Janeiro, argüida pelo Estado, não merece prosperar, pois, como se sabe, a responsabilidade para o fornecimento de medicamentos gratuitos para os doentes hipossuficientes é solidária entre os entes Públicos, aliás, tal fato foi afirmado pelo i. Procurador do Estado, em sua peça contestatória.
O Contestante (Estado do Rio de Janeiro) aduz em síntese, que é mister a inclusão da União como litisconsorte necessário, pois em havendo solidariedade, haveria necessidade da vinda da União aos autos sub examen. Porém, a responsabilidade para o fornecimento de medicamentos segue o disposto no art. 908 do Código Civil, isto é, em havendo solidariedade, caberia ao credor a opção de contra quem litigar, não podendo o réu modificar o pólo passivo ao seu alvedrio, aplicando-se ao caso em testilha o disposto no art. 86, II do CPC, uma vez que existiria litisconsórcio passivo facultativo, e não necessário.
Sobreleva consignar ainda que, em havendo solidariedade dos entes públicos na prestação dos remédios necessários à sobrevida da Apelada, inexiste real mister no chamamento ao feito do Representante Legal da União e do Município do Rio de Janeiro, pois, tal postergação processual desmantelaria, por via oblíqua, a solidariedade dos entes Públicos, ferindo os princípios da economia e celeridade do processo, pois a possível vinda da União e do Município não trariam efetiva modificação para o Estado do Rio de Janeiro, que continuaria sendo responsável pela prestação dos remédios à Apelada.
Acerca do tema, pede-se vênia para transcrever os ensinamentos de Nelson Néri Júnior:
“O autor aXXXXXXXXXXXXou ação apenas contra o réu, de sorte que os demais co-devedores solidários não fazem parte da relação jurídica processual originária. Seu chamamento ao processo feito pelo réu constitui ingresso de terceiro em processo alheio. Poderiam ter sido litisconsortes facultativos simples, caso tivessem sido acionados pelo autor. Esta, ao seu alvitre, escolheu o devedor solidário de quem pretende haver a totalidade da dívida. O autor, credor de obrigação solidária, não pode ser obrigado a demandar contra quem não queira. Admitir-se que o réu pode, pelo chamamento, obrigar o autor a litigar contra sua vontade, é reconhecer que o réu pode impor ao autor necessariedade litisconsorcial nos casos de solidariedade. Do contrário, a solidariedade, criada em benefício do credor, restaria inoperante e eficaz”.
Nesse sentido caminha a jurisprudência do nosso Tribunal:
Saúde Pública. Fornecimento de medicamentos aos hipossuficientes. Legitimidade do Estado para integrar o polo passivo da relação processual. Responsabilidade solidária de todos os entes federativos, considerando a competência comum a eles atribuída pelo art. 23, inciso II, da Constituição da República, bem assim, ao dever de concorrentemente, suprirem as ações e serviços voltados à garantia da saúde e assistência pública. Sendo solidária a obrigação, o autor pode exigi-Ia de todos ou de um deles isoladamente, sendo desnecessário o chamamento da União Federal. Sendo dever do Estado contribuir para a preservação da saúde dos cidadãos, não pode se recusar a fornecer os remédios necessários à sobrevivência digna daqueles que, hipossuficientes, não têm condições de adquirilos. (Ap. Cível. Processo nº 2002.001.08288 – Quinta Câmara Cível, Des. Fernando Cabral, julgado em 21.05.02)
ACAO PROPOSTA PELO RITO COMUM ORDINARIO PORTADOR DO VIRUS DA AIDS - PRETENSAO AO RECEBIMENTO DOS MEDICAMENTOS NECESSARIOS AO CONTROLE DA TAXA VIRAL, ALEM DE DANOS MORAIS TUTELA ANTECIPADA PARCIALMENTE CONCEDIDA PROCEDENCIA APENAS DO PEDIDO DE FORNECIMENTO DE REMEDIOS. APELACAO - PRELIMINAR DE CHAMAMENTO AO PROCESSO DA UNIAO - REJEICAO - ONUS DO SISTEMA UNICO DE SAUDE, DO QUAL O ESTADO E INTEGRANTE, NAO CABENDO AO ENTE FEDERAL, POREM, A DISTRIBUICAO DOS REMEDIOS. DIREITO SUBJETIVO A MEDICACAO GRATUITA, ASSEGURADO PELA LEI Nº 9.313/96 - NECESSIDADE ATESTADA PELO HOSPITAL EM QUE E REALIZADO O TRATAMENTO. VERBA SUCUMBENCIAL A SER MANTIDA, MESMO SENDO O VENCEDOR PATROCINADO PELA DEFENSORIA PUBLICA. IMPROVIMENTO DA APELACAO E CONFIRMACAO DA SENTENCA EM REEXAME OBRIGATORIO. (Ap. Cível. Processo nº 1998.001.13503 – Quinta Câmara Cível, Des. Carlos Ferrari, julgado em 01.12.98)
NO MÉRITO
No que tange a ilegitimidade passiva trazida no bojo da peça de resistência apresentada pelo ente público-réu, cumpre dizer que a mesma é de todo descabida, eis que é sabido que o ente público em questão faz parte integrante da estrutura do SUS.
Frise-se ainda que a Carta Magna, em seu art. 23, II, estabelece de forma clara e expressa a competência comum aos referidos entes públicos, no que concerne à garantia do direito à saúde.
Os arts. 196 e 198 da Constituição da República instituem ser dever comum aos entes federativos a prestação de saúde e assistência pública, impondo responsabilidade solidária na prática das políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Inúmeras são as decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro reconhecendo a obrigação do Estado do Rio de Janeiro em prestar medicamentos à população hipossuficiente. Trazemos à colação as seguintes decisões:
“FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO – TRANSPLANTE – PRESERVAÇÃO DA VIDA – GARANTIA CONSTITUCIONAL – SOLIDARIEDADE PASSIVA – LEGITIMAÇÃO PASSIVA AD CAUSAM – PRELIMINAR REJEITADA - fornecimento de medicamentos necessários a paciente submetido a transplante de rim a fim de evitar a possível rejeição do órgão transplantado. É dever do Estado, imposto constitucionalmente, garantir o direito à saúde a todos os cidadãos. Norma programática, definidora de direito fundamental e dotada de aplicação imediata. Preliminares de ilegitimidade passiva ad causam rejeitadas. São responsáveis solidariamente o Estado e o Município pelo fornecimento de medicamentos. Desprovimento dos recursos, rejeitadas as preliminares. (AC 2000.001.12398 – TJRJ - DECIMA QUARTA CAMARA CIVEL – Rel. DES. MARIA HENRIQUETA LOBO - Julgado em 05/12/2000)
“FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO – FORNECIMENTO GRATUITO – AÇÃO PROPOSTA CONTRA O ESTADO - DOENÇA NEUROLÓGICA – MISERABILIDADE - Apelação Cível. Direito Constitucional. Ação de rito ordinário visando ao fornecimento de medicamentos pelo Estado do Rio de Janeiro. Doença neuropsiquiátrica de natureza crônica. Decompondo-se o direito em seus elementos constitutivos, fato, valor e norma, irrecusável a procedência do pedido de fornecimento de medicamentos formulado em face do Estado do Rio de Janeiro. Fatos incontroversos - necessidade vital de medicamentos conjugados com a norma de direito objetivo (no caso, artigos 196 da Constituição Federal e 287, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro), fazem que reste evidente a prevalência do valor "vida" sobre os valores de orçamento das finanças publicas e de possível isonomia. Dada a excepcionalidade da necessidade de medicamentos e, patente, por outro lado, a responsabilidade do Estado em supri-la, incensurável a sentença de primeiro grau que decreta a procedência do pedido inaugural, antecipando, inclusive, os efeitos da tutela jurisdicional. Sentença confirmada em reexame necessário, desprovendo-se o recurso voluntário. (AC 2000.001.06828 – TJRJ - DECIMA QUINTA CAMARA CIVEL)
Vale, por fim, destacar o Enunciado no. 31 do Aviso 88 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro publicado no D. O . de 3/09/2012:
“Deriva-se dos mandamentos dos artigos 6º e 196 da Constituição Federal de 1988 e da Lei nº 8.080/90, a responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios, garantindo o fundamental direito à saúde e conseqüente antecipação da respectiva tutela.” (maioria)
Logo, sendo solidária a responsabilidade dos entes federativos, fica caracterizada a legitimidade passiva ad causam do Estado do Rio de Janeiro, não devendo prevalecer a tese sustentada da responsabilidade exclusiva do Município para a prestação da assistência farmacêutica, nem, tampouco ser unicamente da União Federal a referida responsabilidade.
A QUESTÃO ORÇAMENTÁRIA
A alegada violação ao princípio do orçamento, sustentada na peça de bloqueio do ente público, não merece prosperar.
Em sua previsão orçamentária, o Estado necessariamente deve atentar ao fato de surgirem fatos imprevisíveis, que necessitam de uma rápida intervenção estatal, e que em uma eventualidade devem ser utilizados.
É indispensável para a vida da autora o uso dos medicamentos elencados na exordial. Embora este fato pareça imprevisível, ele não o é. Isto porque deve constar na previsão orçamentária os gastos emergenciais, que devem ser suportados pelo Estado, principalmente no tocante à saúde. E é exatamente esta a hipótese dos autos.
Não há dúvidas que seja dada prioridade às medidas preventivas, visto que beneficiam um maior número de administrados. Todavia, quando um administrado padece com alguma grave doença, deve ele ter o direito de ser assistido pelo Poder Público, já que necessariamente deve constar das previsões orçamentárias situações em que a atuação do Estado deva rápida e imediata.
Com relação à alegação relativa ao impacto no orçamento público estadual e à violação ao princípio do orçamento, é de se informar ainda que essas pseudo-justificativas não socorrem o referido ente federativo, pois cabe ao mesmo prever no orçamento os recursos razoavelmente empregados na saúde.
Outrossim, a impostergabilidade do cumprimento do dever político-constitucional que se impõe ao Poder Público, em todas as dimensões de sua organização federativa, de assegurar a todos a proteção à saúde e de dispensar assistência aos desamparados constitui fatores associados a um imperativo de solidariedade humana. Nesse sentido posiciona-se a Suprema Corte do país:
“Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida.” (Medida Cautelar PETMC-1286/SC – Min. Celso de Mello)
Quanto à alegação do Estado no que concerne a impropriedade de sua condenação nos ônus sucumbenciais, pelo fato de encontrar o autor assistido pela Defensoria Pública, tal entendimento não merece prosperar, uma vez que essa condenação possui destinação a um fundo orçamentário próprio, sendo revertida ao CEJUR-DPGE (Centro de Estudos Jurídicos da XXXXXXXXXXXXXXGeral do Estado).
À conta de tais argumentos, espera a Autora que seja afastada a preliminar argüida e, no mérito, julgado procedente o pedido inicial, condenando-se o réu a prestar os medicamentos informados pela Autora em sua peça vestibular.
Termos em que,
Pede Deferimento.
Rio de Janeiro, 09 de outubro de 2002