ACUMULAÇÃO CARGOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE

ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PODER JUDICIÁRIO

COMARCA DA CAPITAL

JUÍZO DE DIREITO DA 10ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA

Processo nº 2003.001.116383-9

SENTENÇA

I

Vistos etc..

ROSÂNGELA DA SILVA COSTA, qualificada na inicial, propõe a presente ação em face do ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pedindo a declaração de nulidade de ato administrativo suspensivo de seus proventos de sua aposentadoria, referentes ao período de junho de 2012 a junho de 2012, com a conseqüente condenação ao pagamento dos mesmos.

Como causa de pedir, alega a autora, em síntese, ter ingressado no serviço público federal no dia 07.11.1983, no cargo de auxiliar de enfermagem e, posteriormente, no serviço público estadual - 11.11.1992 - , por meio de novo concurso público, para o cargo de técnico de enfermagem, vindo a ser aposentada por invalidez permanente em 06.08.1998. Assim, para sua surpresa, no dia 15.08.1998, foi instaurado procedimento administrativo (número E-01/600.513/98) para apurar a licitude da acumulação em foco, importando, em junho de 2012, na vinda de decisão administrativa suspensiva do pagamento dos seus proventos, no período compreendido acima, que apenas não se manteve por força do advento da Emenda Constitucional 38/01. Por força desta Emenda, a Administração restabeleceu seus proventos, sem trazer o pagamento destes no período da suspensão, o que importa em ilegalidade (fls. 02/06).

Com a inicial de fls. 02/06 vieram os documentos de fls. 07/67.

Devidamente citado, o réu apresentou contestação às fls. 75/83, pleiteando, a não-concessão da tutela antecipada, já que não estariam preenchidos os requisitos contidos no artigo 273 do C.P.C. No mérito, sustenta que a acumulação pretendida não era admitida constitucionalmente, e que a mutação constitucional não possui efeitos retroativos. Assim, apenas com o advento da Emenda Constitucional 38/2012, conferindo nova redação ao inciso XVI do artigo 37 da Constituição, passou a autora a fazer jus a pretendida acumulação, sendo certo que a decisão suspensiva se colocou em consonância com a legislação em vigor de sua época.

Com a contestação vieram os documentos de fls. 88/105.

Réplica às fls. 110/115.

Pronunciamento do Ministério Público às fls. 120/122, no sentido da procedência do pedido veiculado na inicial.

II

É o relatório. Fundamento e decido.

Conforme se nota, a questão posta a julgamento versa sobre os efeitos decorrentes da Emenda Constitucional nº 38/2012, que deu nova redação ao art. 37, XVI, ‘c’ da Carta Política.

Constatado o tema objeto do julgamento, passa-se à análise jurídica.

Aqui, coloca-se importante checar se a Emenda Constitucional produz efeitos ex tunc ou ex nunc. Para alguns, como PONTES DE MIRANDA, a Emenda Constitucional modifica - como toda norma constitucional, proveniente ou não do poder constituinte originário - a estrutura jurídica vigente, trazendo efeitos imediatos, com conseqüências pretéritas e futuras.

Para outros, deve se fazer a distinção entre normas constitucionais advindas do poder constituinte originário, e normas constitucionais advindas do poder constituinte derivado. As primeiras alteram toda a estrutura jurídica em vigor, produzindo efeitos futuros e pretéritos, sem que se possa contrapô-las a idéia de direito adquirido. Já as normas derivadas respeitam as limitações materiais estabelecidas pelo próprio texto constitucional e, em regra, produzem efeitos imediatos e futuros, respeitando os direitos adquiridos, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Esta última orientação é a que recebe maior número de adeptos na doutrina, e vem sendo seguida pelos julgados do STF, e dos demais Tribunais.

Assim sendo, poderia se colocar correta a argumentação do Estado, e por isso certa a sua conduta de não pagar os proventos até o advento da Emenda Constitucional nº 38/01. Ou seja, não havendo a possibilidade de acumulação de dois cargos de enfermeiro, no período compreendido entre 1988 a 2012, se tornaria ilícita essa cumulação, e por isso correta a decisão administrativa.

Esta primeira visão, entretanto, não corresponde a realidade em nosso ordenamento. Coloca-se por demais simplista, e exige considerações sobre se estar afrontando direitos adquiridos, eventual ato jurídico perfeito ou a coisa julgada.

Em exame minucioso, não se pode ter que a aplicação retroativa da Emenda Constitucional nº 38/2012, venha a afrontar eventual direito adquirido.

Ter por válida a acumulação de dois cargos de enfermeiro não vulnera nem atinge direito incorporado ao patrimônio da Administração. Não há nenhuma projeção de efeitos contra esta idéia.

Também não se pode dizer que representaria atingimento da coisa julgada. Esta pressuporia decisão judicial não mais passível de recurso no sentido da impossibilidade da acumulação em comento. Tal não se deu, nem se dá. Quando muito o que se tem é uma decisão administrativa, que não acarreta o fenômeno que ora se analisa.

Resta saber se existiria o desrespeito ao ato jurídico perfeito. Não. Não se pode ter esta afronta. O caso concreto não cuida desta situação.

Logo, a aplicação da Emenda Constitucional nº 38/2012, com efeitos retroativos no âmbito da possibilidade de acumulação de dois cargos na área de saúde, e não apenas no âmbito das atribuições de médico, não se põe vedada pelo art. 5o, XXXVI, da CRFB.

Aliás, ocorre exatamente o contrário. O novo texto constitucional, contendo o permissivo para a acumulação, deve ser entendido com a natureza declaratória e corretiva. Ou seja, vindo com o objetivo de mostrar que a anterior redação do dispositivo constitucional que autorizava apenas a acumulação de dois cargos de médico queria conferir, em verdade, a possibilidade de acumulação de atribuições na área de saúde.

Veja-se, quanto ao que é dito, a já existência de decisão do Tribunal de Justiça deste Estado:

“MANDADO DE SEGURANÇA - ADMINISTRATIVO – CONSTITUCIONAL – ACUMULAÇÃO DE CARGOS.

Sargento Bombeiro Militar no exercício cumulativo da especialidade de Enfermeiro da Corporação (Defesa Civil) e do cargo de Técnico de Enfermagem do Hospital da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com absoluta compatibilidade de horários.

...

A permissão constitucional para acumulação de cargos ou empregos na área da saúde não é mais restrita aos médicos, mas a todos os profissionais de saúde com profissões regulamentadas, qual a de Técnico de Enfermagem. Aplicação imediata, a toda as situações pre-existentes, do disposto na Emenda Constitucional nº 38/200’1, que alterou a redação da alínea c do inciso XVI do art. 37 da Carta de 88.

A lei nova, em regra, não pode retroagir para prejudicar o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito. O princípio atuante é o de que, sendo ela benéfica, aplica-se com efeito retrospectivo. Situação de acumulação de cargos a ser considerada como se legítima fosse ab initio. Concessão da ordem” (Mandado de Segurança n º 308/2012, Rel. Des. LAERSON MAURO, J. 11.02.2003, R. 25.06.2003).

Do corpo do referido acórdão retira-se adequada passagem quanto à aplicação retroativa do comando constitucional:

“Daí resultaram situações ensejadoras de verdadeira perplexidade. Aqueles que tinham acumulações anteriores a outubro de 1988, ficaram garantidos. Outros, que passaram a ter a mesmíssima acumulação, mas após a Carta Constitucional em vigor, estariam em condições irregulares. Essa diversidade era absolutamente insustentável diante do sentimento de equidade e, mais que isso, do princípio constitucional da isonomia (art. 5o).

A questão dos profissionais de saúde veio a resolver-se definitivamente, e com toda justiça, com a nova redação da alínea c do sobretranscrito inciso XVI do art. 37, proveniente da Emenda Constitucional nº 38/2012, que, ao invés de “dois cargos privativos de médico”, passou a considerar legítima a cumulação de “dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas”.

Como se vê, ao considerar legítima a acumulação de dois cargos de profissionais de saúde, aí estando compreendidos os Técnicos de Enfermagem, a Constituição revelou e acabou conferindo respaldo a uma situação que jamais deveria ter sido considerada irregular.

Não é correto dizer que a lei nova não pode retroagir, mormente quando se sabe que existe um complexo de relações jurídicas permanentes e continuativas que ela encontra no caminho ao entrar em vigor.

Agora, o que ela não pode é retroagir para afetar e prejudicar o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito, num contexto de garantia estabelecida em cláusula constitucional pétrea.

Quando a lei nova, notadamente a de natureza constitucional, vem a produzir efeito benéfico às pessoas, aos cidadãos, ela retroage sim. É imperioso reconhecer-se aí um efeito retrospectivo necessário”.

Por conseguinte, não se faz adequada a colocação da Administração. A Emenda Constitucional nº 38/2012, teve o efeito de convalidar todas as acumulações na área de saúde, desde que existente a compatibilidade de horários, a importar na presença do direito aqui postulado.

III

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, para declarar nulo o ato de suspensão do pagamento dos proventos da autora e, consequentemente, impor ao réu o pagamento dos atrasados, referente ao período de junho de 2012 até junho de 2012

Imponho ao réu os ônus sucumbenciais, fixando os honorários advocatícios em 10% do valor da condenação.

Submeto a presente sentença ao duplo grau obrigatório de jurisdição.

Rio de Janeiro, 28 de julho de 2012.

RICARDO COUTO DE CASTRO

XXXXXXXXXXXX DE DIREITO