REMEDIO IASERJ
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DA CAPITAL
JUÍZO DE DIREITO DA 10ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA
Processo nº 2012.001.183.157-2
Ação: Ordinária
SENTENÇA
Vistos etc...
I
FELIPE COSTA BERNARDES DA CUNHA, menor impúbere, representado por seu genitor Martinho Bernardes da Cunha Filho, qualificado na inicial, aXXXXXXXXXXXXou a presente demanda em face do IASERJ - INSTITUTO DE ASSISTÊNCIA DOS SERVIDORES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, objetivando compelir o réu a arcar com os custos do exame de tomografia computadorizada do crânio, bem como de outros que se façam necessários.
Como causa de pedir, alega o autor, em síntese, fazer jus ao tratamento de saúde custeado pelo réu, na medida em que seu pai é servidor público estadual (fls. 02/08).
Com a inicial vieram os documentos de fls. 12/13.
Formulou o autor pleito de antecipação de tutela, que foi apreciado e deferido, às fls. 12/13.
Regularmente citado, o réu apresentou contestação às fls. 30/35, aduzindo preliminares de inépcia da inicial e perda do objeto. No mérito, não estar o Estado obrigado a assegurar o atendimento em hospital de livre escolha do autor, nem muito menos em clínica particular.
Réplica às fls. 38/81.
Parecer do Ministério Público às fls. 85/86, no sentido da procedência do pedido.
II
É o relatório. Fundamento e decido.
Inicialmente cabe a análise da preliminar de inépcia da inicial.
A mesma não vinga. O autor formulou pedido com observância do disposto no art. 286, do CPC, conforme bem ressaltado pela ilustre representante do Ministério Público ao destacar que o autor “pediu que o réu fosse compelido a custear a realização do exame de tomografia computadorizada de crâniorquerido pelo médico integrante dos quadros do IASERJ e qualquer outro exame que venha a ser exigido para a formação do diagnóstico. Nada de genérico no pedido”.
Resta, agora, ainda nesta parte, checar se efetivamente deu-se a perda do objeto, por força do cumprimento da tutela antecipada.
A toda evidência, não. Pensar como quer a ré, importaria em se ter a perda do objeto sempre que concedida a tutela antecipada.
Ora, mesmo sendo concedida esta, há objeto a ser decidido. Este se refere ao conteúdo final da pretensão, que apenas tem os seus efeitos ou conseqüências antecipados.
O objeto subsiste. Dando-se a improcedência, a antecipação é cancelada, podendo ocorrer a necessidade de reparação dos danos, caso não se possa repor as partes ao status quo ante.
Logo, há objeto. A tutela deve ser confirmada, dando-se a procedência da pretensão, ou não confirmada, hipótese em que ocorrerá a improcedência do pedido. Aí está, então, evidenciado a subsistência do interesse.
Ultrapassada as preliminares, entra-se no mérito.
O tema posto refere-se ao conceito e alcance do dever imposto pelo art. 196, e seguintes, da C.F., para os Entes da Administração Indireta. Ou seja, saber se a prestação do serviço de saúde, como um direito genérico de todos, e obrigação do Estado, através de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, importa também na realização de exames objetivando diagnosticar doenças ou complicações de saúde, de caráter emergencial.
A controvérsia do sentido e eficácia do art. 196, da C.F., não é nova, e teve, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, como um dos seus primeiros julgados, o proferido pela 5ª Câmara Cível, da lavra do eminente e culto Des. MARCUS FAVER, que bem analisou a questão:
MANDADO DE SEGURANÇA - PORTADOR DE INSUFICIÊNCIA RENAL - FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO.
Portadora de insuficiência renal, em estado terminal, frente a Secretaria Municipal de Saúde. Objetivo de fornecimento compulsório de medicação. Direito à vida e a saúde assegurado a todos pelos arts. 5º, 6º, 196 e seguintes da C.F.. Obrigação em decorrência do Sistema Único de Saúde. Lei nº 8080/90. Pressupostos evidenciados. (Ap. Cível nº 1069/95)
No corpo do referido acórdão, mencionando parecer do Procurador de Justiça PAULO CESAR PINHEIRO CARNEIRO, foram analisadas todas as questões também aqui levantadas em sede de contestação, como se segue:
“No caso em exame, a questão de direito à saúde está relacionada com a garantia constitucional do direito à vida (artigo 5º, caput), eis que a apelada possui doença em estado avançado, necessitando do medicamento postulado para o fim de manter-se com vida.
Nesta linha, e a esta altura, é absolutamente fantástica, até esotérica, a discussão sobre ser ou não programática, ser ou não aplicável a norma do artigo 196 da Constituição Federal até que legislação própria venha a regular os contornos e os limites da obrigação do Estado em garantir a saúde.
Assim, no nosso caso concreto a apelada possivelmente não poderia nunca exercer o seu direito constitucional à vida e à saúde e muito exigir tal dever do Estado. No primeiro momento, porque não regulamentado o princípio e, no segundo momento, porque, possivelmente, já estaria morta, não precisando mais de medicamentos.
É preciso, antes de tudo, e aí reside o verdadeiro acesso à justiça que todo e qualquer direito subjetivo possa ser postulado em juízo. Ora, se o direito à vida e à saúde existem, ao que tudo indica, pelo menos na nossa Constituição, e é um dever do Estado garanti-lo, é evidente, e aí o silogismo ... .
Neste passo, é preciso reiterar mais uma vez, e disto ninguém discorda neste processo, que a apelada precisa de medicação não para curar eventual doença, mas sim para continuar com vida. Não se pode imaginar, por mais fértil que seja uma imaginação, que eventual lei reguladora deste direito e, portanto, desta obrigação do Estado possa prever que no caso específico deste processo, ou melhor, que todas as pessoas que eventualmente venham a se encontrar na mesma situação da apelada devam morrer.
Note-se que, como bem asseverou o XXXXXXXXXXXX de primeiro grau, em sua douta sentença, a própria infraconstitucional (lei nº 8080/90), encarregada de sistematizar amiúde a aplicabilidade dos dispositivos inscritos no Texto Maior, assegura aos indivíduos a prestação de assistência farmacêutica integral (art. 6º, I, d), explicitando, ainda mais, a possibilidade de a impetrante, ora apelada, obter do Estado, especificamente, o medicamento de que necessita para a sua sobrevivência, não deixando dúvidas quanto à extensão do direito constitucionalmente assegurado.” (A Atuação do Ministério Púbico na Área Cível, Lumem Juris, p. 159/160).
Evidente, por conseguinte, o dever tanto da União, como do Estado e do Município, por força da regra constitucional, que é de eficácia plena, garantir o direito e o acesso à saúde a todos os cidadãos.
Aliás, mesmo não fosse de eficácia plena referido dispositivo, hoje a legislação infraconstitucional é clara. Tanto a lei 8080/90 (art. 6º, I, letra d), quanto a lei 9313/96 (arts. 2º e 3º), asseguram o direito à assistência medicamental por parte da Administração àqueles que são necessitados. O SUS, como sistema próprio para a prestação do serviço de saúde impõe também ao Estado a responsabilidade por essas despesas.
Diante de tais considerações, patente se verifica o direito do autor em realizar os exames necessários para fins de diagnóstico do seu problema de saúde.
No caso em tela, a responsabilidade do réu se verifica na medida em que o autor se tornou beneficiário dos serviços de assistência médica prestada pelo Iaserj, diante da condição de servidor público estadual do seu pai. Tal responsabilidade mais se reforça diante do fato de que o próprio Iaserj, faz parte do SUS, de forma que hoje em dia não presta um serviço direcionado somente aos servidores públicos, mas a toda a população, a assegurar ainda mais o direito do autor de obter a prestação médica adequada.
Logo, finalizando o que se tem é a procedência do pedido autoral.
III
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, confirmando os efeitos da tutela antecipada concedida às fls. 12/13.
Imponho ao réu os ônus sucumbenciais, fixando os honorários advocatícios em 10% do valor da causa.
P.R.I..
Rio de Janeiro, 30 de outubro de 2003.
RICARDO COUTO DE CASTRO
XXXXXXXXXXXX DE DIREITO