FUNLAR
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DA CAPITAL
JUÍZO DE DIREITO DA 10ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA
Processo nº 2012.001.012787-0
SENTENÇA
I
Vistos etc..
ALCIR BORGES DA COSTA, qualificado na inicial, propôs a presente ação em face do MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO e da FUNDAÇÃO LAR SÃO FRANSCISCO DE PAULA - FUNLAR, objetivando assegurar o direito a utilização gratuita do transporte coletivo municipal, para fins de realizar tratamento médico-hospitalar
Como causa de pedir, alega o autor, em síntese, ter, com base na Lei Municipal nº 3167/00, regulamentada pelo Decreto nº 19936/01 c/c art. 30, V, da CRFB, direito a utilização de transporte coletivo gratuito, diante da necessidade de realizar tratamento médico-hospitalar constante e não possuir rendimentos suficientes para arcar com despesas de locomoção. Assim, diante da negativa da Funlar em conceder o denominado “passe livre”, propõe a presente demanda (fls. 02/11).
Com a inicial vieram os documentos de fls. 12/30.
Devidamente citado, o Município do Rio de Janeiro apresentou contestação (fls. 81/85), mencionando, em síntese, não se enquadrar o autor nas hipóteses previstas na Lei Municipal nº 3167/00, para efeitos de obtenção do “passe livre”.
Com a contestação vieram os documentos de fls. 86/56.
Réplica às fls. 59/61.
Parecer do Ministério Público às fls. 68/70, no sentido da procedência do pedido.
II
É o relatório. Fundamento e decido.
Inicialmente cabe o exame da preliminar de ilegitimidade passiva do Município do Rio de Janeiro e da Funlar.
A mesma não vinga. A Lei Municipal nº 3167/00, estabelece a competência destas partes para proceder a aprovação do pretendido “passe-livre” aos usuários do transporte público municipal.
Logo, titularizam a relação litigiosa e por isso devem figurar no pólo passivo.
Superada a preliminar, entra-se no mérito.
Este diz respeito a conhecer aqueles que, portadores de doenças crônicas, têm direito ao denominado “passe-livre”, para obtenção do transporte público municipal de forma gratuita.
A dúvida se coloca presente na medida em que a Lei nº 3167/00, em seu art. 12, confere o direito a gratuidade do transporte público municipal aos portadores de doenças crônicas que necessitem de tratamento continuado, dentre outras pessoas.
Ou seja, a mencionada regra se coloca como um comando aberto a toda doença crônica que, por sua peculiaridade, chame a necessidade de um deslocamento constante, para a realização do devido tratamento médico.
Não discriminou, assim, a lei, quais as doenças crônicas que trariam direito ao passe-livre, o que acabou sendo feito pelo Decreto nº 19936/01, que a regulamentou.
De acordo com este último ato normativo, apenas se qualificariam como portadores de doenças crônicas, para efeitos da Lei Municipal, as pessoas ostomizadas, os renais crônicos, os transplantados e os hansenianos.
Logo, ao trazer a restrição do direito conferido pela Lei Municipal, o referido Decreto estabeleceu dúvida sobre a sua legitimidade.
Esta dúvida está em saber se a Administração Pública, ao utilizar o seu poder regulamentar, pode restringir o conteúdo dos direitos conferidos pela lei.
A toda evidência não pode o ato normativo secundário, como é o regulamento ou o decreto, reduzir os direitos conferidos por uma lei.
Quanto ao que é afirmado, basta conferir a seguinte passagem de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO:
“É, pois, à lei, e não ao regulamento, que compete indicar as condições de aquisição ou restrição de direito. Ao regulamento só pode assistir, à vista das condições preestabelecidas, a especificação ... . E esta especificação tem que se conter no interior do conteúdo significativo das palavras legais enunciadoras do teor do direito ... e do teor das condições a serem preenchidas ...” (Curso de Direito Administrativo, 18a ed., p. 327).
Em igual sentido é a lição de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, quando menciona que “o ato normativo não pode contrariar a lei, nem criar direitos, ou reduzi-los, impor obrigações, proibições, penalidades ... sob pena de ofensa ao princípio da legalidade” (Direito Administrativo, 15a ed., p. 90).
Ou seja, a redução do número de doenças crônicas feita pelo decreto do Executivo importou e importa em afronta ao comando legal, não possuindo, por tal razão, eficácia.
Continua a prevalecer o comando aberto da lei: toda e qualquer doença crônica poderá viabilizar o “passe livre”, desde que por força desta situação o doente crônico tenha necessidade de deslocamento constante para realização de tratamento médico.
Por conseguinte, para que seja conferido o direito aqui postulado, deverá ser demonstrado três elementos: doença crônica; tratamento continuado e necessidade de deslocamento constante para efetivação deste tratamento.
Demonstrada a presença destes três elementos, passa o portador de doença crônica a ter direito ao “passe livre”.
É o que se dá no presente caso. A parte autora comprovou os três requisitos mencionados, bastando a tanto a checagem dos documentos juntos às fls. .............
III
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, para determinar que os réus habilitem a parte autora a utilização gratuita do transporte público no âmbito do Município do Rio de Janeiro.
Imponho aos réus os ônus sucumbenciais, fixando os honorários advocatícios em R$ 800,00 (quatrocentos reais).
P.R.I..
Rio de Janeiro, em 18 de abril de 2012.
RICARDO COUTO DE CASTRO
XXXXXXXXXXXX DE DIREITO