CONT ESTADO RESPONSABILIDADE MORTE

EXMO. SR. DR. XXXXXXXXXXXX DE DIREITO DA 5ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA.

Processo n.º 2002.001.068656-8

Referência: P.A n.º E-18/007123/2002

ESTADO DO RIO DE JANEIRO, nos autos supra referidos, vem, pela Procuradora do Estado infra-assinado, apresentar:

C O N T E S T A Ç Ã O

à AÇÃO ORDINÁRIA que perante esse R. Juízo lhe move CARLOS ALBERTO DE ABREU, com base nos fatos e fundamentos jurídicos que passa a expor:

I - DA PRETENSÃO AUTORAL:

01 - Pretende o autor com a presente demanda receber do Estado do Rio de Janeiro vultuosa quantia à título de indenização por alegado dano moral, dano material e pensão- indenização mensal.

02 - Aduz, como causa de pedir, que o seu filho ANDRÉ LUIZ CASTRO DE ABREU, menor infrator, faleceu em virtude de incêndio ocorrido na Escola João Luiz Alves, onde se encontrava em cumprimento a medidas sócio-educativas impostas pela prática de infrações penais.

03 - Como se passa a demonstrar o pleito autoral desmerece prosperar.

II - DA AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO:

08 - Discute-se na hipótese a responsabilização do Estado por ato de seus agentes. É sabido, no entanto, que a regra nesta matéria é a responsabilização do Estado por danos que seus agentes causem a outrem, só podendo ser atribuída responsabilidade quando caracterizado o liame causal entre o ato da Administração e o dano sofrido por terceiro. Eis o magistério de Caio Mário, verbis:

“...A pessoa jurídica de direito público responde sempre, uma vez que se estabeleça o nexo de causalidade entre o ato da administração e o prejuízo” (Da Responsabilidade Civil, 9ª ed., pg. 133). – grifamos.

05 - Pois bem. Para situação apresentada pelo autor não há que cogitar responsabilidade do Estado, uma vez que houve culpa da vítima e de terceiros, os quais, juntos, promoveram o incêndio. Os agentes públicos, por sua vez, agiram no estrito cumprimento de dever legal, ante um caso de força maior, tentando salvar as vítimas.

06 - A melhor doutrina, em que pese posicionamentos em contrário, sustenta a não responsabilização do Estado em decorrência de culpa exclusiva da vítima para o evento causador do dano. Observa-se o posicionamento de Caio Mário nesta questão:

“A conduta da vítima como fato gerador do dano elimina a causalidade. Com efeito, se a vítima contribui com ato seu na construção dos elementos do dano, o direito não se pode conservar estranho a essa circunstância”.(grifamos)

07 - O primeiro argumento assim se resume: O Estado não é

responsável pelos atos causados por seus agentes quando somente a vítima

tenha participado do evento danoso. É uma excludente de responsabilidade

que exime o Estado da obrigação de reparação. Vale, nesse passo, trazer a

lição de AMARO CAVALCANTI sobre o tema:

“A responsabilidade do funcionário público é o substractum da responsabilidade do Estado; onde, de fato, não houve responsabilidade não pode haver responsabilidade indireta do Estado”.(RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO, Ed. Borsoi, Rio de Janeiro, 1956, vol. 1, p. 105).

08- Vale, nesse passo, destacar alguns depoimentos extraídos da Sindicância aberta pelo DEGASE a fim de apurar ilícito administrativo advindo da possível negligência ou imprudência de agentes de segurança no incêndio(docs. em anexo):

O menor ALAN DE SOUZA ALBUQUERQUE assim declarou:

“(...) que o adolescente JÚLIO CÉSAR tocou fogo nos colchonetes, e quando os demais menores que estavam no alojamento 01 viram o fogo, correram para próximo da janela , que os dois menores que faleceram se queimaram mais porque estavam junto a parte aberta da janela... Que o socorro foi imediato: que se os agentes não tivessem aberto a porta com rapidez, todos os menores teriam morrido dentro do alojamento”.

Já o menor DANILO GARCIANO DE OLIVEIRA afirmou em seu depoimento:

Que os menores colocaram fogo para tentar fugir da Unidade; que os menores colocaram fogo e correram para próximo da janela, que não imaginavam que o incêndio fosse atingir tal proporção;(...) gritaram por socorro: que os agentes vieram socorrer imediatamente os menores;(...)que se os agentes não tivessem aberto a porta com rapidez, todos os menores teriam morrido lá dentro do alojamento, pois tinha muita fumaça”.

Segundo o agente ANTÔNIO FERNANDO LIMA DE SOUZA, de plantão no dia do incidente:

“(...)o declarante acredita que os menores tenham colocado fogo utilizando a fiação que fora puxada para acessar ao bocal da lâmpada do alojamento 1; que no citado alojamento não há interruptor e do bocal, onde no dia do incêndio não havia lâmpada encaixada, é possível puxar os fios: que os menores tem muita habilidade para lidar com eletricidade, e possivelmente utilizam os citados fios para acender cigarros, juntando um ao outro, o que provoca faiscas”.

Já consoante o depoimento do agente RENATO BAZILA DA SILVA

“ Que os adolescentes declararam para o declarante que pretendiam evadir-se, sendo que alguns desconheciam o intento, pois estavam dormindo; que os menores deflagraram fogo com fagulha de fios elétricos”

DAS VERBAS INDENIZATÓRIAS PLEITEADAS:

09 - Quanto ao argumento deduzido da pretensão autoral, entende ser cabível pensão referente à produtividade em vida que a vítima poderia produzir em média, entende-se ser totalmente descabido. Ressalta-se que a vítima aos dezesseis anos era um menor infrator, constrangido de sua liberdade a fim de se submeter às medidas socio-educativas impostas pelo Estado.

Não se vislumbra a propalada produtividade em vida de quem aos dezesseis anos já era um infrator da Lei e, portanto, não exercia nenhuma atividade laborativa lícita que justificasse o sustento de seu genitor. Por este motivo, não é o autor credor de qualquer importância a título de pensão alimentícia mensal, de vez que:

I) não provou ser dependente econômica do morto, mas muito ao contrário, os documentos que ora se anexa estão a indicar que muito provavelmente era seu filho que vivia às suas custas;

II) não provou que o morto tivesse, ao tempo em que foi preso, qualquer trabalho remunerado, muito menos que importasse em um rendimento para ele, autor, em valor correspondente a 8 (quatro) salários mínimos a título de pensão mensal. Aliás, os documentos anexos estão a demonstrar justo o contrário.

Sem a prova inconteste de que o autor dependia economicamente da vítima, nenhuma pensão é devida, conforme já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, verbis:

“Civil. Acidente de Trabalho. Vítima fatal, solteira e maior. Indenização. Prova de dependência econômica.

I – Na indenização pleiteada pelos pais, em razão da morte por acidente de filho maior e solteiro, necessária se faz a comprovação de que os genitores dependiam economicamente da vítima.

II – Recurso conhecido mas improvido.”

(Resp. 19.186-0 – 3ª Turma – 26.10.92 – DJ de 18.12.92, p. 23919).

Como se vê, sem sombra de dúvidas, nos autos, não há não só uma única prova de dependência econômica do autor relativamente à vítima, como também não há prova de que este exercesse qualquer atividade remunerada, ainda mais que acarretasse para o autor uma renda correspondente a quatro salários mínimos. Os elementos ora trazidos pelo réu desconstituem por completo qualquer pretensão neste sentido.

Acresça-se a isto o fato de que o autor, de qualquer sorte, jamais faria jus a uma importância fixa em dinheiro com base em uma projeção sobre o que seu filho perceberia se permanecesse vivo até completar 65 anos, porquanto isto seria antecipar aquilo que ele ganharia diferido no tempo, o que implicaria em enriquecimento sem causa do autor, que, no máximo, faria jus à percepção de uma pensão mensal, com base na remuneração recebida pela vítima enquanto viva, se comprovasse que vivia sob sua dependência econômica, o que, todavia, não ocorreu na hipótese presente.

10- Da mesma forma, o valor relativo à indenização por dano moral requerido é, data venia, inteiramente estapafúrdio. A indenização por dano moral, no direito brasileiro, tem parâmetros bem estreitos e deve ser proporcional à pessoa da vítima, de seus beneficiários e às circunstâncias de cada caso. A jurisprudência de nossos tribunais tem condenado, em casos semelhantes ao pagamento de uma indenização por dano moral não superior a R$ 2.220,00(dois mil e duzentos e vinte reais). A condenação do Estado no valor pedido pelo autor a este título, R$ 220.000,00(duzentos e vinte reais), importaria em verdadeiro enriquecimento sem causa.

Neste sentido, está pacífico na doutrina e jurisprudência que a indenização por dano moral não pode ser fonte de lucro. Veja-se as lições do Professor Sérgio Cavalieri Filho:

“Creio que na fixação do quantum debeatur da indenização, mormente tratando-se de lucro cessante e dano moral, deve o XXXXXXXXXXXX ter em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. A indenização, não há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano”.

– grifamos. (ob. cit. p. 81)

11 - Por fim, é também indevido o ressarcimento pelo Estado com as despesas relativas ao tratamento da vítima, funeral e luto. O autor não logrou apresentar um único documento capaz de demonstrar as despesas alegadas.

Por outro lado, é fato que a vítima ficou internada em Hospital da Rede Pública(Unidade de Queimados do Hospital do Andaraí), vindo a falecer 03 dias após o incidente. Não há, portanto gastos de internação.

Além disso, indevidas as despesas com funeral, não comprovadas pelo autor.

A indenização pelo luto da família, por seu turno, já está abarcada no pedido de dano moral, sendo infundada a pretensão de vê-la também abrangida pelo dano material. Tal procedimento é uma flagrante caracterização do bis in idem

C O N C L U S Ã O

12 - Por todo o exposto, requer o Réu que o pedido autoral seja julgado improcedente in totum, condenando o Autor nos ônus sucumbenciais, por ser a medida mais adequada ao direito e à justiça.

13 - Protesta pela produção de prova testemunhal, documental complementar e depoimento pessoal do autor, sob pena de confissão.

18 - Indica, para os fins do art. 39, I do CPC, o endereço da Procuradoria Geral do Estado, Rua Dom Manuel, n.º 25 - Núcleo do IPERJ.

Nestes Termos,

Pede deferimento

Rio de Janeiro, 11 de outubro de 2002.

FABIANA ANDRADA DO AMARAL RUDGE BRAGA

PROCURADORA DO ESTADO