CONCURSO PROVA DATILOGRAFIA MAQUINA COM DEFEITO

ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PODER JUDICIÁRI

COMARCA DA CAPITAL

JUÍZO DE DIREITO DA 10A VARA DA FAZENDA PÚBLICA

Proc. nº 1993.001.057088-5

SENTENÇA

I

Vistos etc..

ÁLVARO SOARES GONÇALVES E OUTROS, qualificados na inicial, aXXXXXXXXXXXXaram a presente ação em face do ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pleiteando a declaração de habilitação na prova de datilografia do Concurso Público para provimento do cargo de Detetive de 3ª categoria e Escrevente da Polícia Civil, realizado em 1988.

Alegaram e alegam, para tanto, que a decisão de eliminação na prova de datilografia se fez de forma equivocada, pois atentadora ao princípio da isonomia. A violação a este princípio estaria no fato da disponibilização de máquinas de datilografar diferentes e com defeitos, de forma a inviabilizar que os autores pudessem concorrer em igualdade de condições com os demais concursandos, além de impossibilitar a efetivação de pontuação mínima nesta prova (fls. 02/07).

Com a inicial vieram os documentos de fls. 08/19.

Devidamente citado, o Estado do Rio de Janeiro apresentou contestação às fls. 36/80, sustentando preliminar de ilegitimidade passiva, e necessidade de formação de litisconsórcio necessário, com a convocação de todos os demais aprovados. No mérito, menciona a improcedência do pedido, haja vista que os autores foram reprovados na prova de datilografia por incapacidade própria, face ao despreparo nesta área, e não por fato ligado a péssimo estado do material disponibilizado pela Administração.

Foi aXXXXXXXXXXXXada ação cautelar preparatória, que se encontra em apenso, objetivando que os autores fossem nomeados e empossados, desconsiderando-se o resultado na prova de datilografia, pelos fatos e fundamentos mencionados acima.

A ação cautelar teve deferida a liminar, vindo a ser contestada pelo Estado do Rio de Janeiro com os mesmos fundamentos postos na ação principal.

Ambos os feitos tiveram curso conjunto, trazendo o julgamento de procedência em primeiro grau, em 1998, em ambas as demandas (fls 177/188).

Interposto recurso, a sentença de primeiro grau veio a ser mantida pela 6a Câmara Cível deste Tribunal (fls. 216/217).

Inconformado, o Estado do Rio de Janeiro interpôs recurso especial, sustentando a nulidade do feito em razão de os outros candidatos não terem sido citados como litisconsorte passivo necessário.

O Superior Tribunal de Justiça, acolhendo a tese do Estado, anulou todo o processo a partir da contestação, para que fossem citados os demais candidatos, pois a decisão interferia em suas esferas jurídicas. Esta decisão se deu em outubro de 1997, porém apenas veio a ser comunicada em finais do ano de 2000, face a existência de recurso extraordinário perante o STF, que em 2012 entendeu que o mesmo estaria prejudicado por força da decisão do STJ (fls. 267/272 e 276).

Às fls. 389/357, os autores acostam aos autos a relação de candidatos aprovados, requerendo a citação editalícia dos mesmos, que foi efetivada, conforme se infere de fls. 386/388.

A curadoria especial apresentou defesa por negativa geral.

O Ministério Público, chamado a se pronunciar, opinou no sentido da improcedência do pedido, sob a assertiva de ausência de provas (fls.828/827).

Intimados sobre a produção de novas provas, face a decisão declaratória de nulidade do processo, os autores informam o desejo de julgamento imediato, sem a realização de novas provas (fls. 855/857).

II

É o Relatório. Fundamento e Decido.

Conforme se nota, tanto o feito cautelar quanto o feito principal encontram-se aptos para julgamento, e serão decididos conjuntamente, nos termos dos arts. 800 e 809, ambos do CPC.

Observada a perspectiva de julgamento conjunto, passa-se a este.

Inicia-se evidenciando que a matéria preliminar já se encontra superada. Não é o caso de se ter no pólo passivo a pessoa jurídica que realizou o concurso. Esta apenas instrumentalizou a via para a investidura nos quadros da Administração, não tendo atribuição para decidir sobre a invalidade de determinada prova, muito menos proceder a nomeação e posse dos candidatos. Ou seja, a titularidade para efetivar a pretensão é do Estado, que por isso se coloca legitimado no pólo passivo.

Quanto ao litisconsórcio necessário, este já foi decidido. Como se colocou claro, o STJ entendeu cabível a sua formação, determinando esta.

O único ponto que ainda poderia estar pendente seria a forma de citação dos litisconsortes. Esta se fez via editalícia. Este fato, entretanto, não representa nova nulidade. Diante do grande número de pessoas, e do desconhecimento do endereço de várias destas, a única forma adequada para viabilizar o acesso à justiça seria e é a citação editalícia. Veja-se que em situações como esta vem se pacificando na jurisprudência a possibilidade de assim se fazer o ato de convocação dos demais interessados.

Logo, cabe aqui o exame apenas do mérito da demanda.

Este, para se fazer adequado, merece importante observação sobre as provas colhidas e a perspectiva de valoração atual, haja vista que a ação foi aXXXXXXXXXXXXada em 1989, e a colheita de prova oral se deu em 1993, traduzindo uma impossibilidade temporal de renovação da mesma.

Assim sendo, surge a dúvida sobre a validade da prova realizada há onze anos atrás, quando ainda não estabelecida a relação processual, com a presença de todos os litisconsortes.

Em primeiro momento surge como correto se ter a ausência do contraditório, pois este pressuporia a oportunização, para pronunciamento, quanto à prova, a todas as partes, o que não estaria se dando em relação aos citados recentemente.

Esta resposta se colocaria mais evidente se observado que a prova mais relevante é a oral, e esta se coloca como prova flexível, pois o seu conteúdo é alterável de acordo com a participação dos interessados na inquirição das testemunhas, inclusive para efeitos de contradita.

Assim, se poderia ter agora a ausência de provas quanto ao fato constitutivo do direito dos autores, a impor a improcedência do pedido.

Esta primeira conclusão, entretanto, se coloca simplista e não correta se a matéria for observada com maior profundidade.

Na hipótese posta a julgamento, diante do tempo transcorrido, sem que se possa imputar a culpa aos autores, faz-se necessário a realização de uma ponderação de valores. Impõe-se colocar de um lado o direito de ação visto dentro da idéia de acesso à justiça, e de outro lado o princípio do contraditório.

Fazendo esta ponderação, e sopesando os valores, deve prevalecer a idéia de acesso a justiça, de forma a se ter possível a valoração das provas colhidas em 1993, mesmo que não presentes vários réus, haja vista que hoje não mais é possível a colheita adequada desta prova.

Quanto ao que é afirmado, é de ser lembrado que o princípio do contraditório se coloca como um sub-princípio do devido processo legal, e este, no plano jurisdicional, se põe para assegurar a idéia de acesso a justiça com preservação dos valores de liberdade.

Por conseguinte, não pode o princípio do contraditório se colocar como impeditivo da idéia de acesso a justiça, inviabilizando a valoração de certas provas, realizadas em certo tempo, que não mais podem ser renovadas, mas que pela peculiaridade do momento em que se fizeram, e do meio de sua colheita, não se colocam totalmente imprestáveis.

Quanto ao que é dito, não seria muito trazer a baila lição de LUIS ROBERTO BARROSO sobre a utilização da técnica da ponderação para se ter a perspectiva de utilização das provas realizadas há mais de dez anos:

“A ponderação consiste, portanto, em uma técnica de decisão jurídica aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente, especialmente quando uma situação concreta dá ensejo à aplicação de norma de mesma hierarquia que indicam soluções diferenciadas. A estrutura interna do raciocínio ponderativo ainda não é bem conhecida, embora esteja sempre associada às noções difusas de balanceamento e sopesamento de interesses, bens, valores ou normas. A importância que o tema ganhou no dia-a-dia da atividade jurisdicional, entretanto, tem levado a doutrina a estudá-lo mais cuidadosamente. De forma simplificada, é possível descrever a ponderação como um processo em três etapas, relatadas a seguir.

Na primeira etapa cabe ao intérprete detectar no sistema as normas relevantes para a solução do caso, identificando eventuais conflitos entre elas. Como se viu, a existência dessa espécie de conflito - insuperável pela subsunção – é o ambiente próprio de trabalho da ponderação.

...

Na segunda etapa cabe examinar os fatos, as circunstâncias concretas do caso e sua interação com os elementos normativos. Relembre-se – na linha do que já foi exposto anteriormente – a importância assumida pelos fatos e pelas conseqüências práticas da incidência da norma na moderna interpretação constitucional.

...

E na terceira etapa que a ponderação irá singularizar-se, em oposição à subsunção. Relembre-se, como já assentado, que os princípios, por sua estrutura e natureza, e observados determinados limites, podem ser aplicados com maior ou menor intensidade, à vista de circunstâncias jurídicas ou fáticas, sem que isso afete sua validade. Pois bem: nessa fase dedicada à decisão, os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos do caso concreto estarão sendo examinados de forma conjunta, de modo a apurar os pesos que devem ser atribuídos aos diversos elementos em disputa e, portanto, o grupo de normas que deve preponderar no caso. Em seguida, é preciso ainda decidir quão intensamente esse grupo de normas – e a solução por ele indicada – deve prevalecer em detrimento dos demais, isto é: sendo possível graduar a intensidade da solução escolhida, cabe ainda decidir qual deve ser o grau apropriado em que a solução deve ser aplicada. Todo esse processo intelectual tem como fio condutor o princípio instrumental da proporcionalidade ou razoabilidade” (Dos Princípios Constitucionais, Malheiros, p. 116/118).

Conclui-se pela perspectiva de valoração das provas colhidas em 1993, até mesmo porque a parte mais interessada - o Estado do Rio de Janeiro - esteve presente e pode inquiri-las.

Definidos os elementos probatórios que se encontram aptos à convicção deste Juízo, tem-se a procedência da pretensão deduzida.

Com efeito. A tanto basta ver o depoimento do então Delegado Hermann da Fonseca Vianna - que se colocava como um dos supervisores do concurso - onde evidencia a imprestabilidade de várias máquinas para a prova de datilografia, de forma a estabelecer padrões diferenciados de exames entre os candidatos, com afronta a isonomia (fls. 138).

Quanto ao dito, vale transcrever o seguinte trecho:

“Que, à época ... era supervisor do concurso; que no dia do concurso exercia sua função na Escola Roma, e que lá constatou que eram procedentes as reclamações de muitos candidatos no sentido de que fizeram provas em máquinas quebradas, antigas, com fita velha e, em razão disto, disse a eles que se prontificava a depor a respeito de tais fatos ...; que esses problemas ocorreram não só na Escola Roma, como na Cícero Pena e em outros locais em que as provas se realizaram e que visitou no exercício de sua função de supervisão; ...” .

Este depoimento deixa claro a procedência dos argumentos dos autores, e valeu, na época, pela culta Magistrada, hoje Desembargadora VALERIA MARON, que o colheu, e proferiu a sentença, a seguinte análise: “Diante de tal depoimento, prestado, por pessoa isenta e autorizada para prestá-la, fica evidenciado que não é possível ser aceita a reprovação dos autores na prova de datilografia realizada com máquinas que não tinham sido adequadamente vistoriadas” (fl. 179).

Assim também se colocou este Tribunal de Justiça, em acórdão da lavra do Des. PEDRO LIGIERO, que exortou o exame justo e pragmático da decisão de primeiro grau.

Logo, não cabe agora fazer uma mudança de orientação, quando as condições probatórias se colocam as mesmas.

Mas não é só. Cabe evidenciar que por força da decisão no âmbito da ação cautelar, os autores acabaram por realizar o curso na Academia de Polícia recebendo pontuações excelentes (fls. 59/63 e 66/70), valendo aqui o seguinte trecho da observação da Administração: “O grupo de estagiários desenvolveu excelente aprendizado e interesse no cumprimento das missões a que lhes foram incumbidas, demonstrando possuírem aptidão e conhecimentos necessários para o exercício do cargo ...” (fl. 68).

Não bastassem estes dados, não seria muito lembrar que a partir de 1995 teve curso a execução provisória, por carta de sentença, onde os autores foram investidos nas funções, ficando assim até o início do ano 2000, quando se fez baixar, com o trânsito em julgado, o acórdão do STJ que anulara todo o feito.

Este fato representou a consolidação de uma situação, acabando por trazer mais subsídios para a procedência do pleito, na medida em que a Administração não informou nenhuma conduta desabonadora, durante todo este período, dos autores no âmbito do exercício de suas atividades.

Por conseguinte, o que se tem é a procedência da pretensão deduzida na ação principal, bem como na demanda cautelar, sendo de se aplicar a esta última todos os fundamentos postos para a primeira.

III

Ante o exposto:

I - JULGO PROCEDENTE o pedido para declarar os autores habilitados na prova de datilografia, produzindo-se os efeitos subseqüentes próprios.

II - JULGO PROCEDENTE a pretensão deduzida no âmbito da demanda cautelar.

Imponho ao réu os ônus sucumbenciais, fixando os honorários advocatícios em 10% do valor da causa.

Submeto a presente sentença ao duplo grau obrigatório de jurisdição.

P.R.I.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2012.

RICARDO COUTO DE CASTRO

XXXXXXXXXXXX DE DIREITO