ACIDENTE DE TRANSITO SUSPENSÃO DA CARTEIRA INCIDÊNCIA DO

ESTADO DO RIO DE JANEIRO.

PODER JUDICIÁRIO

COMARCA DA CAPITAL

JUÍZO DE DIREITO DA 10ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA

Processo nº 2002.001.055218-8

SENTENÇA

Vistos etc...

I

JOÃO BATISTA DE SANT’ANA FILHO, qualificado na inicial, aXXXXXXXXXXXXou a presente demanda em face do DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRANSPORTES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – DETRAN, pedindo a declaração de nulidade do procedimento administrativo nº 09/68662/80000/00, para fins de que seja restaurado o seu direito de ter sua CNH regularizada.

Como causa de pedir alega o autor, em síntese, ter se envolvido em acidente de trânsito ocorrido em 12.10.97, porém, quando da sua renovação da CNH, no ano de 2012, tomou conhecimento da existência de um procedimento administrativo no qual lhe fora aplicada a pena de suspensão temporária do direito de dirigir veículos automotores, com base na Lei n° 9503/97. Diante deste fato, postulou, via administrativa, a reconsideração do ato decisório, sob o argumento de que o acidente se dera em data anterior à vigência do atual Código de Trânsito Brasileiro, sem êxito. Irresignado, ajuíza a presente demanda, salientando que o atual Código de Trânsito Brasileiro por representar lei mais gravosa não pode retroagir, além do que não lhe foi conferido o direito de ampla defesa e contraditório (fls. 02/06).

Com a inicial vieram os documentos de fls. 09/87.

Devidamente citado, o réu apresentou contestação às fls. 58/61, alegando, preliminarmente, a falta de interesse de agir, pois a suspensão do direito de dirigir foi determinada pelo prazo de quatro meses, a contar da data do recolhimento da carteira de habilitação, o que não ocorreu, em virtude do autor ter se eximido de entregá-la. Assim, para que comece a vigorar a penalidade aplicada, faz-se imprescindível o recolhimento da carteira. No mérito, ressalta que o acidente que resulte em vítima grave importa no recolhimento da carteira de habilitação, conforme previsto na legislação anterior, não estando, portanto, maculado de ilegitimidade o ato administrativo praticado.

Réplica às fls. 66/68.

O pleito de antecipação dos efeitos da tutela foi indeferido, conforme decisão constante à fl. 69, acarretando a interposição de recurso de Agravo de Instrumento (fls. 71/77), distribuído à 3a Câmara Cível, que deferiu o efeito suspensivo ativo.

Parecer do Ministério Público às fls. 89/91, no sentido da improcedência do pedido.

II

É o relatório. Fundamento e decido.

Inicialmente, cabe a análise da preliminar levantada.

A mesma não vinga. O interesse de agir encontra-se presente na medida em que há alegação no sentido da ocorrência de ato violador de direito subjetivo do autor. Assim, objetivando sanar uma eventual ilegalidade perpetrada, resta-lhe assegurado o direito de acesso ao Judiciário (art. 5o, XXXV, da CRFB).

Ultrapassado este ponto, entra-se no mérito.

A questão trazida a debate versa sobre a legalidade do ato administrativo que determinou a suspensão temporária do direito de dirigir do autor, pelo prazo de 8 (quatro) meses, com base no art. 176, I, do Código de Trânsito Brasileiro (fl. 20), prazo este que teria início a contar da data do recolhimento do documento de habilitação.

Para saber se correta a penalidade administrativa aplicada, torna-se relevante checar a legislação de trânsito incidente na hipótese.

O acidente automobilístico envolvendo o autor ocorreu no dia 12.10.97 (fl. 11), momento em que ainda encontrava-se em vigor o Decreto nº 62127/68, que regulamentava o Código Nacional de Trânsito (Lei nº 5108/66). O atual Código de Trânsito Brasileiro, publicado em 23.09.97, somente entraria em vigor 120 (cento e vinte) dias após esta data, consoante os termos do art. 380.

Assim, durante o período de vacatio legis a norma aplicável continuava sendo aquela até então vingente que, no caso em tela, era o Decreto nº 62126/68. No entanto, a Administração, inobservando esta regra, aplicou a legislação nova, suspendendo o direito de dirigir do autor com base no art. 176, I, do Código de Trânsito Brasileiro, o que é incorreto. A lei aplicável é aquela da data da época dos fatos, independentemente de quando se venha a estabelecer a punição.

Desta forma, para a hipótese deveria ter sido observado o que dispõe o Decreto nº 62127/68, para efeitos de enquadramento da conduta do autor.

No caso em tela, considerando-se que a parte autora eximiu-se do dever de prestar socorro - e esta foi a razão pela qual foi suspenso o direito de dirigir, e não o fato de ter advindo do acidente vítima grave, conforme se verifica da decisão administrativa constante à fl. 20 – a disposição normativa incidente é aquela constante do art. 175, XVI, do Decreto acima mencionado, cuja redação é a seguinte:

“Art. 175 – É dever de todo condutor de veículo:

...

XVI - Prestar socorro a vítimas de acidente.

Penalidade – Grupo 3”.

E a única penalidade incidente para a omissão de socorro, nesta época, era aquela descrita no art. 189, do Decreto 62127/68, conforme se segue:

“Art. 189 – O valor das multas por infrações de trânsito será calculado em função do Bônus do Tesouro Nacional e, segundo a gravidade, tais infrações classificam-se nos seguintes grupos:

...

Grupo 3 – as que serão punidas com multa de valor entre 88 (quarenta e oito) e 60 (sessenta) BTNs.

Com isto, constata-se que a pena aplicada pela Administração é inapropriada, devendo, portanto, ser declarada nula.

Não cabe sequer invocar, para efeitos de convalidação do ato, o fato de ter resultado do acidente vítimas graves. Esta questão, além de não ter sido considerada para efeitos de aplicação da penalidade, não restou demonstrada de forma cabal. A tanto basta ver que o parecer constante à fl. 18, faz menção a presença de “vítima grave”, porém o inquérito instaurado inseriu o autor como incurso nas penas do art. 129, § 6o e 7o, do CP. Desta forma, não se tendo notícia de que o evento tenha ocasionado lesão corporal grave às vítimas, impossível enquadrá-lo, para efeitos de convalidação do ato, no art. 199, do Decreto nº 62127/68, que trata das hipóteses de apreensão do documento de habilitação.

Veja-se, ainda, a evidenciar o não cabimento da pena, que o autor não foi notificado previamente para se defender. A decisão se fez primeiro. Após é que tomou conhecimento, interpondo recurso, o que traz afronta ao devido processo legal (art. 5o, LIV, da CRFB).

Finalizando, pois, o que se tem é a procedência parcial do pedido. O ato praticado é nulo, cabendo a Administração observar a norma própria para efeitos de aplicação de uma eventual penalidade administrativa.

III

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE em parte o pedido, para declarar nulo o ato de apreensão da carteira de habilitação do autor na forma como estabelecido.

Imponho ao réu os ônus sucumbenciais, fixando os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa.

Submeto a presente sentença ao duplo grau obrigatório de jurisdição.

P.R.I.

Rio de Janeiro, 03 de maio de 2012.

RICARDO COUTO DE CASTRO

XXXXXXXXXXXX DE DIREITO