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Contestação - alega a impossibilidade de declarar-se a inexistência da obrigação fundada em título extrajudicial em razão do título haver circulado.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ....ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE .....
...................................................., pessoa jurídica de direito privado, com sede na Cidade de ...., inscrito no CGC/MF sob o nº ...., nos autos sob o nº .... de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO CAMBIÁRIA E NULIDADE DE TÍTULOS C/C PERDAS E DANOS, movida por ...., por seu advogado que esta subscreve, "ut" instrumento de mandato incluso, com escritório profissional na Rua .... nº ..., na Cidade de ...., vem, respeitosamente, à presença de V. Exa. apresentar a sua CONTESTAÇÃO, aduzindo em sua defesa as seguintes razões de fato e de direito:
I - DA AÇÃO
Pretende a Autora a declaração de inexistência de obrigação cambiária e nulidade de títulos, cumulando pedido de perdas e danos aduzindo, sinteticamente, a falta de origem dos títulos.
A presença do Réu contestante, a lide decorre da sua condição de portador do título no valor de R$ ...., emitido em .... de .... de ...., de nº ....
Conquanto se reconhece e empenho dedicado pelo ilustre patrono da Autora, no fundamento do seu petitório, é ele manifestamente improcedente, como é fácil demonstrar.
II - NO MÉRITO
O título mencionado que motiva a presença do contestante na lide, foi endossado pela empresa-emitente ao contestante por ocasião de financiamento firmado, garantindo o seu cumprimento.
O negócio efetuado entre o contestante e a sacadora do título foi lícito e regular, tendo o título questionado sido oferecido como garantia.
Daí já se retira que o endosso efetuado no título foi o endosso-caução, tratado pela doutrina como endosso pignoratício.
É, pois, o contestante terceiro e credor de boa-fé, já que recebeu o título por endosso (endosso caução), não sendo responsável por qualquer vício do negócio jurídico subjacente.
Se a alegada falta de origem da duplicata efetivamente se verifica, ao contestante não cabe qualquer responsabilidade, eis que também vítima da fraude - fraude esta afirmada pela Autora - e, portanto, lesada no seu direito.
Com efeito, o tratamento legal dado ao endosso-caução encontra-se nos artigos 789 e seguintes, do Código Civil.
Comentando a possibilidade e os efeitos do endosso-caução, Rubens Requião ensina:
"Discutiu-se muito e os juristas se contravieram, sobre a viabilidade do endosso-caução em nosso direito cambiário. Pode ocorrer, com efeito que o endossante deseje transferir ao endossatário a letra de câmbio apenas como uma garantia de outra obrigação assumida.
Hoje a dúvida está resolvida com a introdução do art. 19 da Lei Uniforme, que permite o endosso com a cláusula "valor em garantia", "valor em penhor", ou qualquer outra menção" que implique uma caução, nesse caso o portador pode exercer todos os direitos emergentes da letra, mas o endosso feito por ele vale apenas como endosso-procuração." (in, Curso de Direito Comercial - 2º volume, Ed. Saraiva, 14º Edição, 1985, pág. 343).
A respeito trazemos também o escólio Festejado Mestre Fran Martins, in, Títulos de Crédito, Vol. I, Ed. Forense, 4º Edição, pág. 171:
"A controvérsia, em face da Lei Uniforme, não tem mais razão de ser, pois essa expressamente dispõe, no art. 19, que "quando o endosso contém a menção "valor em garantia", "valor em penhor", ou qualquer outra menção que implique uma caução, o portador pode exercer todos os direitos emergentes da letra, mas um endosso feito por ele só vale como endosso a título de procuração.
Os coobrigados não podem invocar contra o portador as exceções fundadas sobre as relações pessoais deles com o endossante, a menos que o portador, ao receber a letra, tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.
Verifica-se, desse modo, que a constituição do penhor da letra mediante simples endosso é expressamente admitida no direito uniforme. O endossatário pignoratício ao receber o título, pode prática todos os atos necessários para a defesa e conservação dos direitos emergentes da letra de que está de posse. Não sendo, contudo, o proprietário do título, não pode o endossatário pignoratício transferi-lo a outro, na qualidade de proprietário. Daí dizer a lei que qualquer endosso por ele feito valerá apenas como endosso-mandato, não como endosso próprio ou translativo".
Portanto, a única ressalva que faz a Lei é quanto aos efeitos do endosso feito pelo endossatário pignaratício. No mais, os efeitos desse endosso são os mesmos do endosso comum, como explica Fran Martins, obra citada, pág. 172:
"Por se ter tornado o endossatário pignoratício detentor dos direitos emergentes da letra apesar de não ser proprietário desta, não podem os coobrigados invocar contra ele exceções fundadas sobre relações pessoais deles com o endossante, pois, esse, apesar de ser ainda o proprietário emergentes do mesmo ao endossatário, como acontece no endosso comum." (grifamos).
Considerados os ensinamentos da elite doutrinária nacional, não se pode negar que o contestante exerceu tão somente um direito conferido pela Lei, ou seja, o de enviar o título a protesto, objetivando receber o seu crédito seja do sacado ou do endossante.
Ora, se o endosso transfere todos os direitos decorrentes da Cártula, principalmente o de receber o seu crédito.
A doutrina esclarece:
"O principal papel do endosso, segundo a Lei Uniforme, é transferir os direitos emergentes da letra. O endossatário torna-se, assim, titular dos direitos do crédito, como se deles o tivesse sido originariamente." (Fran Martins, Títulos de Crédito - Vol. I - Forense - 1985 - pág. 162)
Opor ao contestante a exceção pretendida não trará, por certo, benefícios à Autora, já que o contestante é terceiro de boa-fé.
Com efeito, a declaração de nulidade do título só pode atingir a relação entre o sacador e o sacado.
A jurisprudência já se pacificou nesse sentido:
"O Estabelecimento bancário, terceiro de boa-fé, que desconta duplicatas, formalmente revestidas dos requisitos legais, nada tem que ver com a defesa que o devedor possa ter com referência à transação a que a elas se referem" (Ap. nº 55.807 do TJ de São Paulo - in, Comentários à Lei de Duplicatas - Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto - Forense - 2º Edição - 1971 - pág. 232).
"DUPLICATA - Título sem aceite - Endosso a Banco - Nulidade da Cártula Ressalva do direito do endossatário Relação Jurídico - Cambial autônoma. A autonomia das relações cambiárias permite que seja declarada a nulidade de uma delas (sacador-sacado) sem que o seja a da outra, entre sacador e endossatário. Não se trata de uma só relação jurídica, mas de duas autônomas, com vida e pressupostos independentes". (Ap. Civ. nº 293.830 - São Paulo - 2º Câmara do 1º TACSP - in, RT 563/134).
Destaca-se do Bojo do Acórdão:
"Tem toda razão ao dizer da pluralidade de relações jurídicas, todas autônomas entre si, que podem repousar sobre um só e mesmo título de crédito. É como no caso presente, em que a relação jurídica-cambial entre a endossante e o Banco endossatário não está na dependência da outra, entre aquela e a sacada. Ainda que indevido o saque da duplicata, não se pode dizer, sem ressalvas, que esta seja indiferente perante o Direito. Endossando a cambial, fica o credor com "a obrigação de pagá-la se o sacado ou o aceitante, ou lhe ser apresentado o título, recursar-se a fazê-lo. (Fran Martins, Letra de Câmbio e Nota Promissória, Rio, Forense, 1972, nº 35, "b", especialmente p. 101).
Essa obrigação é autônoma como entre si todas as obrigações cambiárias, "dai por que não são oponíveis aos obrigados anteriores exceções relativas à vícios existentes no título". (Ob. e loc. cits. nº 19, "f", p. 63).
A autonomia das relações cambiárias permite, então, que seja declarada a nulidade de uma delas (sacador-sacado) sem que o seja a da outra, entre ao sacador e seu endossatário. Não se trata de uma só relação jurídica, mas de duas autônomas, com vida e pressupostos independentes. Ora, postas assim as coisas, transparece a ilegitimidade da autora, "ad causam", quanto à pretensão de ver declarada também a inexistência de relação jurídica entre a ré e o Banco do Brasil S/A (endossante e endossatário)."
"DUPLICATA - Endosso antes do aceite - Título levado protesto - Ação declaração contra o vendedor e endossatário - Improcedência contra este - Recurso provido.
A duplicata não aceita, pode ser endossada e o endosso lhe dá feição cambial não sendo lícito opor ao endossatário de boa fé defesa fundada no negócio jurídico subjacente". (Ap. Civ. nº 241.894 - São Paulo - 1º Câmara do 1º TACSP - in, RT 514/139).
E no corpo do Acórdão:
"Não vingava a demanda contra o Banco, todavia, sem embargo das excelentes razões do ilustre magistrado.
O sistema da lei sobre duplicatas facilita o endosso do título antes mesmo do aceite e o portador é obrigado a levá-lo a protesto, sob pena de perder o direito de regresso contra os endossantes e respectivos avalistas."
Cunha Peixoto assinala então que:
"O endosso exceto o endosso-mandato - é ato transmissível de direito, continuando, porém, o transmissor como responsável pelo documento. Mas o endossatário sucede ao endossante apenas sua propriedade do título, e não em suas relações jurídicas. Seu direito é autônomo e deriva da própria assinatura do alienante (endossante). A responsabilidade do endossante é autônoma e independente. Daí poder aquele exigir o pagamento, mesmo que falte causa à relação jurídica do alienante e não seja possível opor ao endossatário as exceções pessoais de seus antecessores. Donde a conclusão: não é possível opor ao terceiro portador de boa-fé a exceção de ilicitude do ato que deu origem ao título". ("Comentários à Lei das Duplicatas", pág. 73).
Pontes de Miranda, em profunda análise das características cambiais da duplicata, observa que:
"A duplicata mercantil, criada e ainda não aceita, é endossável: já existe a vale; ainda não irradiou eficácia cambiariforme. Essa irradiação somente se inicia com o endosso, ou com o aceite. A duplicata mercantil nasce com a subscrição pela pessoa legitimada, segundo o art. 1º da Lei nº 187; a eficácia cambiariforme só exurge com o aceite, ou com o endosso. Daí em diante, o negócio jurídico da compra e venda somente esponta se entre os contraentes, ou se possuidor é de má-fé."
Dessume-se, então, a impossibilidade da Autora opor a exceção ao contestante, endossatário de boa-fé.
No entanto, caso assim não seja entendido, o decreto de nulidade deve obrigatoriamente ressalvar a relação jurídica entre o contestante e a sacadora.
2. No que tange as perdas e danos pleiteadas pela Autora para que sejam pagas solidariamente pelas Rés é aventura que por certo não trará benefícios à Autora.
Não se pode responsabilizar o contestante que negociou o título de boa-fé, em transação lícita e regular. Efetivamente se o título não tem origem com afirma a Autora, a responsabilidade cabe a quem praticou o ato ilícito e não ao terceiro de boa-fé.
Com efeito, a responsabilidade pelo pagamento das perdas e danos só pode ser imputada a quem praticou o ato ilícito e não a terceiro.
O contestante, no caso, não praticou qualquer ato ilícito prejudicial à Autora, exerceu apenas um direito: o de enviar o título a protesto.
E esse direito lhe é conferido pela Lei e sendo assim, não representa ato ilícito, mas sim ato acobertado e protegido pela lei.
A jurisprudência assim tem entendido cabendo aqui destacar alguns julgados mais importantes:
"DUPLICATA - Título resgatado - Protesto, não obstante - Ação de indenização contra banco - Improcedência Apelação não provida.
O simples protesto de título já resgatado, por si só não é bastante para autorizar o acolhimento da ação indenizatória por abalo de crédito, já que o dano consistente em tal evento deve ser efetivamente provado." (Ap. Civ. nº 278/246 - São Paulo - 3º Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, in, RT 541/33).
E, mais adiante:
"Ainda que assim não fosse, para argumentar, não se pode falar em indenização sem prova de prejuízo."
É da jurisprudência:
"A simples ocorrência de um protesto de título já resgatado, por si só, não é bastante para autorizar o acolhimento de ação indenizatória por abalo de crédito, já que o dano consistente em tal evento deve ser efetivamente demonstrado." (RT 465/476 e 423/166)
"BANCO - Duplicata em cobrança - Título sem causa - Protesto - Inexistência de responsabilidade do estabelecimento bancário.
Ementa oficial: Ação de nulidade de atos jurídicos cumulada com perdas e danos. Emissão de Duplicatas sem causa e endosso a Banco, que faz protestar os títulos por falta de pagamento. Exclusão do banco da relação processual. Agravo retido. Desconhecendo o estabelecimento bancário a origem ilícita das duplicatas e procedendo ao protesto em razão do mandato, não tem o mandatário responsabilidade pelos danos decorrentes do mesmo. Recursos Improvidos." (Ap. Civ. nº 1.223/80 - Curitiba - 1º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, in, RT 551/171).
Ademais, não provou a Autora que o protesto do título efetivamente lhe causou danos ou abalo de crédito. Apenas alega e nada prova.
Nesse ponto a Lei é taxativa:
"Art. 333 do CPC. O ônus da prova incumbe:
I - Ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito.
...."
Ora, a simples constatação do protesto não é motivo suficiente para ensejar a reparação. O dano deve ser demonstrado, pelo que a prestação da Autora é descabida.
3. Outro aspecto a ser abordado refere-se ao fato de a Autora ter usado os recibos emitidos pela sacadora na tentativa de levantar os protestos.
Agindo dessa forma, reconheceu a Autora a validade do título, ou, no mínimo, agiu com manifesta má fé, contrariando até mesmo a sua afirmativa de que "jamais teve qualquer tipo de transação com a sacadora dos títulos".
Desta feita, resta demonstrado que os títulos possuem origem, reconhecida pela própria Autora, o que não lhe autoriza venha a juízo fazer alegações infundadas e destituídas de provas.
4. Por fim, com já foi afirmado, cabe frisar que o contestante exerceu nada mais do que um direito providenciando o protesto do título.
Além de ser um direito conferido pela lei, esta impõe o protesto do título para garantir o direito de regresso.
CONCLUSÃO
Do exposto conclui-se:
1. O título que trás o contestante a compor a lide, foi dado através de endosso por ocasião de contrato firmado com a sacadora;
2. Não pode, portanto, a Autora opor a exceção de falta de origem da título contra o contestante;
3. É o contestante terceiro de boa-fé;
4. O possível decreto de nulidade cambial deve obrigatoriamente ressaltar a relação jurídica entre a contestante e a sacadora;
5. O contestante não é solidariamente responsável pelas possíveis perdas e danos, já que não praticou o alegado ato ilícito que originou o título;
6. O contestante praticou apenas um direito conferido pela lei determinando o protesto do título.
7. Não provou e não demonstrou a Autora qualquer dano provocado pelo protesto;
8. Reconhece a Autora a legitimidade do título, já que possui recibos passados pela sacadora, dos quais faz uso;
9. O protesto do título foi efetivado pela contestante protegido pela Lei, e com o intuito de resguardar o seu direito der egresso contra o endossante.
Dá a presente o valor de R$ .... (....).
Termos em que,
Pede deferimento.
...., .... de .... de ....
..................
Advogado OAB/...