ROBERTO MARCANOTÓRIA
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO
APELAÇÃO CÍVEL nº
APELANTES: INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL - INPI
McGREGOR CORPORATION
APELADOS : McGREGOR CORPORATION
McGREGOR COMERCIAL LTDA.
INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL – INPI
PRIMEIRA TURMA
Trata-se de remessa obrigatória e recursos de apelação interpostos pelo INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL – INPI e pela McGREGOR CORPORATION contra a r. sentença proferida pelo douto XXXXXXXXXXXX da 14ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que julgou procedente em parte o pedido inicial, consubstanciado na anulação dos registros de nº 813.212.995, 813.213.037, 813.212.987, 813.213.045 e 813.213.169 concedidos pelo INPI à McGREGOR COMERCIAL LTDA. e na condenação desta à abstenção de toda e qualquer utilização da marca sob pena de pagamento de multa diária.
Entendeu o MM. XXXXXXXXXXXX a quo, em síntese, por rejeitar a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pela autarquia-ré e pela improcedência do pedido relativamente às marcas de registro nº 813.212.987 (jornais, revistas e publicações periódicas) e 813.213.037 (doces, pó para fabricação de doces, açúcar e adoçantes em geral), por não guardarem as respectivas classes de produtos por elas abrangidos afinidade com os artigos assinalados pela marca da autora, não havendo, portanto, semelhança de segmento mercadológico entre os produtos das empresas em conflito. Julgou, ainda, não haver prova documental que evidencie ser notório o patronímico identificador da pessoa empresa autora.
Irresignados, apelam a autarquia federal e o autor, a primeira pugnando pelo reconhecimento da preliminar de ilegitimidade passiva do INPI para a causa.
Por sua vez, apela a empresa autora McGREGOR CORPORATION alegando, em síntese, que a existência dos registros concedidos pelo INPI, não anulados pela sentença, leva o consumidor a incorrer em erro quanto à propriedade e origem dos produtos, afrontando os artigos 6º, 8º e 10 da Convenção da União de Paris, que versam sobre a proteção às marcas notórias, ao nome comercial e sobre a concorrência desleal, bem como os arts. 2º, “d” e 124 da nova lei da propriedade industrial. Aduz o argumento de que há risco de que o homem médio não muito atento e que se deixa impressionar pelo impacto visual das embalagens, incorra em erro na escolha da mercadoria, mesmo que a classe dos produtos não seja idêntica. Conclui que o registro da marca implica objetivamente uma possibilidade de causar dano concreto à reputação da marca afamada e a uma permissão de enriquecimento sem causa, ambas situações combatidas pelo sistema jurídico. Traz doutrina e jurisprudência traduzindo o entendimento apontando para a aplicação do art. 67 da Lei nº 5.772/71, a conferir proteção à marca notória com relação a todas as classes de produtos.
Contra-razões da McGREGOR CORPORATION às fls. 435, aduzindo a improcedência da alegação de ilegitimidade do INPI.
Intimados a oferecer contra-razões o INPI e a empresa McGREGOR COMERCIAL LTDA. não se manifestaram.
Feito o breve relato, passo a opinar.
Em preliminar, no que concerne à alegação de ilegitimidade feita pela primeira apelante, convém esclarecer que, ao contrário do que alega o INPI em sua peça recursal, tratando-se de um pedido de anulação de registros conferidos pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, versa a questão sobre a desconstituição de ato por ele praticado, portanto ato praticado por entidade da administração pública federal. Desta forma, sendo tal autarquia o ente da administração responsável pelo ato impugnado, evidente, portanto, sua legitimidade para figurar no pólo passivio da presente ação.
No mérito, estamos diante de um conflito gerado pela pretensão da empresa, ora 2ª apelante, consubstanciada na outorga da proteção especial conferida às marcas notórias, com a decretação da nulidade dos registros, depositados posteriormente pelo INPI, de marca, idêntica à sua, assinalando classes de produtos diferentes daquelas protegidas pelos seus registros, na forma do art. 67, caput da Lei nº 5.772/71, com o objetivo de evitar a confusão para o consumidor e o prejuízo para a reputação da sua marca.
De acordo com os argumentos trazidos pela 2ª apelante, verificamos que se trata de postulação feita por empresa estrangeira, dedicada ao comércio de produtos de vestuário, que pretende ver desconstituídos os registros de marca idêntica à sua, que assinalam produtos pertencentes a classes diversas das assinaladas nos registros para ela concedidos anteriormente, quais sejam aquelas que compreendem jornais, revistas e publicações periódicas e doces, pó para a fabricação de doces, açúcar e adoçantes em geral.
Afastamos a argumentação de proteção ao nome comercial da apelante, McGregor Corporation, visto que esta empresa não possui registro nas juntas comerciais do país, não se podendo falar, portanto, em proteção brasileira ao seu nome comercial, em face de eventual confusão que poderia causar a utilização de marca com o mesma designação deste.
Quanto à alegada concorrência desleal, temos que a análise de tal aspecto depende da consideração da marca depositada pela apelante acerca da sua notoriedade, sendo que, desta forma, o cerne da questão se resume à possibilidade de se declarar notória a marca McGregor, de acordo com o ordenamento jurídico.
Ocorre que, para enfrentarmos a questão da notoriedade, cumpre, antes de mais nada, em se tratando de desconstituição de registro de marca, identificar-se a legislação aplicável à espécie: se aquela vigente à época do registro da marca impugnada ou a atual, já que contraditórios os sucessivos textos legais regulamentadores do direito marcário, no que diz respeito, não só aos requisitos exigidos para a qualificação da marca como notória, mas também, e principalmente, os efeitos jurídicos do seu reconhecimento.
Como adverte Lucas Furtado Rocha, professor da disciplina na Universidade de Brasília e Subprocurador-Geral da República, atuando junto ao Tribunal de Contas da União, assessor da Comissão Especial incumbida de examinar o projeto que resultou na aprovação da Lei nº 9.279/96, em sua obra “Sistema de Propriedade Industrial no Direito Brasileiro”, não existe direito adquirido decorrente do regime jurídico quanto ao registro de uma marca:
“Questão tormentosa que se deve enfrentar relaciona-se ao regime jurídico decorrente do registro de uma marca. No capítulo relativo à natureza jurídica dos direitos decorrentes da propriedade industrial, verificou-se que tanto a doutrina quanto a jurisprudência entendem, em sua grande maioria, ser de natureza real os mencionados direitos. A propriedade industrial confere a seu titular direito de propriedade sobre invenção, desenho industrial ou marca. A questão, aqui, no entanto, assume diferentes feições. O que se procura saber é se o titular de registro concedido na vigência de determinado sistema jurídico tem direito adquirido a esse regime jurídico. Ou seja, ainda que a legislação disciplinadora do instituto seja alterada, e passem a ser feitas novas exigências antes inexistentes, poderão esses novos requisitos ser impostos aos que já eram titulares de registro de marca ?
O E. Supremo Tribunal Federal enfrentou situação semelhante, por ocasião da entrada em vigor da Lei nº 5.772/71. Argumentou-se, à época, que o art. 116 do mencionado Código de Propriedade Industrial ofenderia o princípio do direito adquirido, ao impor a adequação das marcas já registradas às novas exigências, sob pena de caducidade do registro. O STF, no exame dessa matéria, manifestou-se nos seguintes termos:
“Direito adquirido.
- Não ofende o princípio constitucional do respeito ao direito adquirido preceito de lei que estabelece uma ´conditio iuris´ para a conservação de direito absoluto anteriormente constituído, e determina que, dentro de certo prazo, seja ela observada pelo titular deste direito, sob pena de decair dele.
- É, pois, constitucional o art. 125 do Código de Propriedade Industrial (Lei nº 5.772, de 21-12-71.)
Recurso extraordinário não conhecido.” (RE nº 94.020-RJ, Relator Ministro Moreira Alves, in “Revista Trimestral de Jurisprudência” nº 104, abril/1983, p.269).
O mesmo entendimento fixado pelo acórdão acima pode ser utilizado como paradigma para a avaliação da liceidade da nova exigência imposta pela Lei nº 9.279/96, no que toca aos requerentes do registro. Inexiste, conforme asseverado por nossa Corte Constitucional, direito adquirido ao regime jurídico da propriedade industrial, pela aplicação periférica da regra geral de que não existe direito adquirido a estatuto jurídico. Qualquer nova exigência imposta por nova legislação, em princípio, poderá ter efeito imediato, aplicando-se até mesmo aos registros já concedidos antes de sua vigência. No controvertido terreno da irretroatividade das leis, a doutrina tem estabelecido distinções entre eficácia imediata e irretroatividade da lei.” (ob. cit., 1ª edição, Editora Brasília Jurídica, Brasília, 1996, pp.123 e 124)
À época da concessão do registro, que ora se quer ver desconstituído, verifica-se que vigia no Brasil a Lei nº 5.772/71, que, no caput do seu artigo nº 67 determinava, verbis:
“Art. 67. A marca considerada notória no Brasil, registrada nos termos e para os efeitos deste Código, terá assegurada proteção especial, em todas as classes, mantido o registro próprio para impedir o de outra que a reproduza ou imite, no todo ou em parte desde que haja possibilidade de confusão quanto à origem dos produtos, mercadorias ou serviços, ou ainda prejuízo para a reputação da marca.” (grifo nosso)
Da leitura do texto legal, infere-se que a notoriedade da marca, exigida para a proteção especial em todas as classes, deveria ser excepcional, pois a vedação do registro de outra que a reproduzisse ou imitasse indicava expressamente seu caráter de generalidade, de molde a impedir registro de marca idêntica ou imitação, desde que houvesse possibilidade de confusão ou prejuízo à reputação, qualquer que fosse a classe em que se enquadrassem os produtos por ela assinalados.
É um dispositivo que excepciona o princípio da especialidade, regra em que o proprietário da marca tem direito exclusivo sobre sua utilização unicamente nas classes de produtos e serviços para as quais foi registrada.
Havia, então, a exigência do registro da marca notória em livro próprio, e os requerentes, incluindo os possuidores de marcas estrangeiras registradas no país, deveriam submeter-se à apreciação da autoridade administrativa, a qual, por sua vez, diante da ausência, na lei, de qualquer delimitação do termo “notória”, decidia, em conformidade com atos normativos editados pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial. De tal sorte, conferia ou não a qualidade de notória à marca, considerando o princípio da territorialidade, relacionando a notoriedade ao fenômeno interno, exigindo que fosse conhecida no Brasil.
A título de ilustração, transcrevemos o que dispunha a Portaria nº 008 de 10.01.1974 (R.P.I. 29.01.1974), que impunha elevadas exigências à declaração de notoriedade
“Considera-se especial a proteção, em todas as classes, ressalvados os direitos adquiridos anteriormente por terceiros, para a marca que se tenha tornado de conhecimento NOTÓRIO, visando a impedir possibilidade de confusão para o consumidor, quanto ao lugar de origem dos produtos ou serviços, ou prejuízo para reputação da marca, através da proibição de registro de sinais idênticos ou semelhantes de terceiros, qualquer que seja as atividade. Considera-se de conhecimentos NOTÓRIO a marca que: -
- permita ao consumidor, independentemente de seu grau de instrução, distinguir, de imediato, um produto ou um serviço por ela identificado;
- seja conhecida em todas as regiões do País sem distinção de nível sócio-econômico dos seus habitantes;
- pelo seu poder atrativo exerça tal magnetismo que independa de sua aplicação em um determinado produto ou serviço e
- tenha atingido alto conceito no mercado devido à excepcional qualidade dos produtos ou serviços que assinala.”
Assim, para a obtenção da declaração administrativa da notoriedade, o interessado deveria comprovar que a sua marca era realmente conhecida em todas as unidades da Federação e dentre o maior número de pessoas. Se isso fosse efetivamente comprovado, teria a proteção de sua marca em todas as classes, isto é, para todo o ramo de atividades.
Através do Ato Normativo nº 46, de 05.11.80, o INPI passou a entender que outras informações seriam necessárias para a análise do pedido de declaração de notoriedade, mas continua a relacionar a notoriedade da marca à abrangência do seu alcance no mercado interno. Enumera-as em seu art. 3º:
“a) o valor da marca no ativo da empresa;
- o valor dos gastos em propaganda direitamente relacionados com a marca;
- abrangimento de mercados interno e externo, com número estimado de consumidores e esclarecimentos de sua participação relativa no setor;
- enumeração das empresas nacionais e estrangeiras que utilizam a marca, e sua relação com as alíneas b e c;
- enumeração de países em que a marca se encontra registrada;
- data inicial do uso da marca no Brasil, acompanhada de documentação comprobatória possível.”
Partindo para a regulamentação do direito marcário no campo internacional, a proteção das marcas notoriamente conhecidas foi inscrita na Convenção de Paris, originariamente de 1883, quando de sua revisão de Haia, em 1925. Sua redação apresentou-se, então, como se segue:
“Os países contratantes comprometem-se a recusar ou invalidar, seja ex officio, se a legislação do país o permitir, seja a pedido do interessado, o registro de uma marca de fábrica ou de comércio que for uma reprodução ou uma imitação suscetível de produzir confusão, de uma marca que a autoridade competente do país do registro considerar que é notoriamente conhecida como já sendo a marca de um cidadão de outro país contratante e utilizada para produtos do mesmo gênero ou de gênero semelhante.
Um prazo mínimo de três anos deverá ser concedido para se reclamar a anulação dessas marcas. O prazo correrá da data do registro da marca.
Não será fixado prazo para se reclamar a anulação das marcas registradas de má fé.”
A Revisão de Estocolmo de 1967 da Convenção da União de Paris foi rejeitada pelo decreto nº 75.572/75, que fez expressa ressalva à nova redação dos artigos 1 a 12 e 28.
Com o advento da nova lei de propriedade industrial, Lei nº 9.279/96, o artigo 67 da lei então revogada, acima comentado, foi melhor esclarecido, especializando-se ao desdobrar-se nos artigos 125 e 126 na lei nova, dando nova disciplina à questão da notoriedade. Assim dispõem:
“Art. 125. À marca registrada no Brasil considerada de alto renome será assegurada proteção especial, em todos os ramos de atividade.”
“Art. 126. A marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade nos termos do art. 6.º-bis (I), da Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, goza de proteção especial, independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil.
(...)”
De acordo com os artigos acima indigitado, observa-se que a proteção especial conferida a uma marca em todos os ramos de atividades, isto é, a toda e qualquer classe de produtos, exige que a marca registrada no Brasil seja considerada de alto renome. À marca notoriamente reconhecida, por sua vez, confere-se proteção especial restrita aos ramos de atividades por ela assinalados, na forma do art. 6º bis.
De fato, é expressa a remissão que a regulamentação atual da matéria faz ao disposto no artigo 6.º bis, da Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, agora com a redação de sua última revisão (Estocolmo, 1967), ratificada pelo Decreto nº 635, de 21.08.1992, o qual estendeu a adesão à revisão dos arts. 1º a 12 e 28, ao contrário do que determinava o Dec. 75.572, de 08.04.1975. Vale transcrevê-lo:
“Art. 6.º-bis.
1.Os países da União comprometem-se a recusar ou invalidar o registro, quer administrativamente, se a lei do país o permitir, quer a pedido do interessado, e a proibir o uso de marca da fábrica ou de comércio que constitua reprodução, imitação ou tradução, suscetíveis de estabelecer confusão, de uma marca que a autoridade competente do país do registro ou do uso considere que nele é notoriamente conhecida como sendo já marca de uma pessoa amparada pela presente Convenção, e utilizada para produtos idênticos ou similares.
(...) (grifo nosso)”
Ocorre que, como se sabe, o texto anterior, publicado no Brasil pelo Decreto nº 19.056/29 continha erro de tradução e não consignava a palavra nele acima grifada E isso gerou a impressão de que bastava o reconhecimento da notoriedade pela autoridade do país de origem da marca estrangeira para que lhe fosse conferida, no país da solicitação, a proteção fundada na notoriedade. Na verdade, a notoriedade deve ser apreciada no país onde a proteção é requerida. Segundo o prof. Doutor Newton Silveira,
“ Esse erro de tradução possibilitou no passado a interpretação incorreta do dispositivo convencional, como é o caso do Parecer INPI nº 91/91, que concluía que a marca estrangeira deveria ser protegida no Brasil desde que “divulgada, internacionalmente, em determinada área do comércio”, bastando “que a marca seja usada, sem que esse uso seja necessariamente no Brasil”.
O texto introduzido pelo Decreto nº 75.572 e posto em vigor por inteiro pelo Decreto nº 635, de 1992, veio a corrigir essa distorção, tornando claro que a marca estrangeira não registrada no Brasil só receberá a proteção especial do art. 6 bis se for notoriamente conhecida nele, ou seja, no território brasileiro.” (grifos do original)
(A propriedade Intelectual e a Nova Lei de Propriedade Industrial, Editora Saraiva, São Paulo, 1996, pp. 34 e 35)
Segundo os comentários do conceituado doutor José Carlos Tinoco Soares,
“Marca de alto renome é, em verdade, a junção das duas, ou melhor, é a marca notoriamente conhecida, indiscutivelmente, por todos e que embora possa ter a sua proteção e efetiva utilização para um, alguns ou muitos produtos, detêm a sua proteção a todo e qualquer ramo de atividade.
Como mero exemplo tem-se no Brasil e no mundo, como marcas de alto renome, por sem dúvida, a Coca-Cola, a Kodak, a Polaroid, a Malboro, a Pepsi etc.
A Resolução do Comitê Executivo da AIPPI, realizada nem Barcelona, em 05.10.1990, nos dá o seguinte conceito de Marks Having a High Reputation: é “a marca que é conhecida por uma larga parte do público em geral e que diante de tal natureza e reputação não há para terceiros qualquer justificação para utilizá-la ou depositá-la.
(...)
Observe-se, desde logo, que contrariamente à proteção assegurada à marca de alto renome, esta, a marca notoriamente conhecida, não obstante goze de proteção especial, tem-na limitada ao “seu ramo de atividade”. O nosso entender, não é só essa limitação, mas, outra, e muito mais importante qual seja a que está expressa no citado artigo da referida Convenção.” (grifo nosso)
(José Carlos Tinoco Soares, in Lei de Patentes, Marcas e Direitos Conexos – Lei nº 9.279 - 14.05.1996, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1997, pp. 203 e 204)
Por outro lado, podemos observar que a Convenção de Paris não fornece nem a definição, nem os critérios de apreciação da notoriedade, deixando a tarefa às autoridades competentes de cada Estado-membro onde se reclama a proteção.
Desta feita, restou estabelecido que a proteção especial conferida aos titulares de marca notória, tem, segundo o ordenamento vigente, sua regulamentação definida pelo art. 126 da Lei nº 9.275/96, na forma do artigo 6º bis da Convenção de Paris e delimita-se pela aplicação dos princípios da especialidade e da territorialidade, já que conferida apenas aos produtos abrangidos pela mesma classe a que ela se refere e, ainda, que ela seja notória no país onde a proteção é reclamada.
No tocante ao tempo do reconhecimento da notoriedade, vale transcrever os ensinamentos do ilustrado José Roberto de Gusmão, que aponta para duas ocasiões distintas onde a notoriedade deve existir:
“A notoriedade deve existir no momento em que ocorreu a usurpação da marca, através de um depósito feito por terceiros. Este parece sem dúvida ser o sentido do art. 6º bis quando diz que a marca protegida deve ser “notoriamente conhecida como já sendo a marca ...”
E assim foi julgado que o logotipo “F” da marca “Fila” não era notoriamente conhecido no Brasil, quando uma empresa brasileira depositou-o em seu nome. O Tribunal Federal de Recursos não se pronunciou sobre a existência de uma notoriedade posterior a essa data, em vista do fato de que, para ser levada em consideração, a notoriedade deve existir antes, ou seja, no momento do depósito da marca usurpada no Brasil.
A notoriedade deve existir também no momento em que a anulação da marca é proposta. Com efeito, é preciso que a notoriedade esteja presente nesses dois momentos. No momento da usurpação, para que esta se caracterize, e no momento da proposição da ação de anulação, para que esta se justifique:
Se, nesse meio tempo a notoriedade não mais existe, a proposição de anulação (judicial ou administrativa) não mais encontrará fundamento no art. 6º bis da Convenção de Paris.”
Temos, portanto, que bem decidiu o MM. Magistrado a quo ao julgar procedente em parte o pedido inicial, reconhecendo a notoriedade da marca depositada em favor da McGregor Corporation, ora apelante - e não o seu alto renome - e decretando a nulidade dos registros colidentes conferidos à McGregor Comercial Ltda., apenas nas classes que, pela identidade ou afinidade, pudessem lhe trazer prejuízos, como forma de protegê-la da concorrência desleal, aplicando o disposto nos arts. 2º, 3º, 4º e 124 da Lei 9.279/96, verbis:
“Art. 2º.A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante:
(...)
V - repressão à concorrência desleal.”
“Art. 3º. Aplica-se também o disposto nesta Lei:
I – ao pedido de patente ou registro proveniente do exterior e depositado no País por quem tenha proteção assegurada por tratado ou convenção em vigor no Brasil; ...”
“Art. 4º. As disposições dos tratados em vigor no Brasil são aplicáveis, em igualdade de condições, às pessoas físicas e jurídicas nacionais ou domiciliadas no País.”
“Art. 124. Não são registráveis como marca:
(...)
XIX – reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia; ...”
Neste mesmo sentido, o julgado adiante transcrito:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MARCA INDUSTRIAL. CONVENÇÃO DE PARIS. PROTEÇÃO INTERNACIONAL.
- Sendo de parte autônoma e não de assistente a posição processual do INPI, nas ações de anulação de registro de marca, o prazo de recurso, para a empresa que ao lado dele litiga, é contado em dobro.
- Tratando-se de ações conexas, devem todas ser julgadas em comum, para evitar o risco de decisões conflitantes.
- Competente para julgar ações aXXXXXXXXXXXXadas para anular ou retificar registro de empresas, perante à Junta Comercial é a Justiça Estadual e não a federal.
- Se a marca estrangeira goza de notoriedade internacional e encontra-se registrada no país de origem, tem a proteção da Convenção de Paris e não necessita de registro no Brasil para impedir seja ela concedida a outra empresa, dentro da respectiva classe.
- Recursos parcialmente providos.” (grifo nosso)
(Relator XXXXXXXXXXXX Carreira Alvim , Relator para o acórdão XXXXXXXXXXXX Clélio Erthal, TR2, AC 0222597/94-RJ, 4ª Turma, FONTE DJ DATA:04-06-96 PG:37563, decisão a turma, por unanimidade, rejeitou a preliminar de intempestividade dos recursos, por maioria, rejeitou também a preliminar suscitada pelo relator quanto a unicidade da sentença para todos os processos, e no mérito, por unanimidade, reformou a sentença quanto a indenização por perdas e danos e, por maioria, deu parcial provimento aos recursos, vencido parcialmente o relator. Lavrara o acórdão o Des. Fed. Clélio Erthal.)
Isto posto, opina o Ministério Público Federal pelo desprovimento da remessa oficial, do apelo do INPI e da McGREGOR CORPORATION.
Rio de Janeiro,