REINT. POSSE LEASING IMPOSS.JURIDICA DO PEDIDO
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NILÓPOLIS
Proc. nº: 2002.036.002617-7
ESPÓLIO, representada por sua Representante Legal ORNIDA RIBEIRO DE SOUZA, nos autos da Ação de Reintegração de Posse que é movida pela COMPANHIA ITAULEASING DE ARRENDAMENTO MERCANTIL, vem, por intermédio da Defensoria Pública, apresentar sua
CONTESTAÇÃO
pelos fundamentos de fato e de direito que passa a expor:
I - DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA
1.1. Inicialmente, afirma sob as penas da lei e de acordo com a Lei 1060/50, ser juridicamente necessitado, não possuindo, pois, condições financeiras de arcar com as custas judiciais e honorários advocatícios sem prejuízo do sustento próprio e de sua família, razão pela qual faz jus ao benefício da GRATUIDADE DE JUSTIÇA, indicando a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro para patrocinar seus interesses.
II - PRELIMINARMENTE
- Da Impossibilidade Jurídica do Pedido -
2.1. Considerando que o contrato de acostado às fls. prevê a cobrança antecipada do Valor Residual Garantido no valor de R$160,25 por mês, o pedido inicial é juridicamente impossível em razão da desfiguração do contrato de arrendamento mercantil pela cobrança antecipada do Valor Residual Garantido que o transmuda em Contrato de Compra e Venda a Prazo, consoante a regra inserta no art. 5º, "c", da Lei 6.0000000/74 que enumera entre os elementos caracterizadores do contrato de arrendamento mercantil a faculdade de o arrendatário exercer a opção de compra e no art. 11, § 1º que impõe como sanção à não observância desta regra na referida trasmudação.
2.2. Portanto, desfigurado estará o contrato de leasing quando o valor do saldo residual é inserido no valor das prestações mensais, de tal sorte que, ao final do cumprimento do contrato, o preço já estará totalmente quitado, como ocorre no caso em tela, pelo que pela perda de um de seus elementos básicos, qual seja, o exercício da opção de compra somente ao final do contrato, único momento em que poderia ser cobrado o valor residual, descaracterizado está o contrato de arrendamento mercantil em tela, como se verifica das decisões abaixo transcritas proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça que espelham a jurisprudência assente naquela Corte a respeito do tema ora exposto:
" Comercial e processual civil. Ação de reintegração de posse. Contrato de arrendamento mercantil. Valor residual de garantia. Cobrança antecipada. Descaracterização do contrato. Carência da ação. CPC, ART. 485, VI.
I. A cobrança antecipada do Valor Residual Garantido importa na descaracterização do contrato de arrendamento mercantil, de forma a tornar inadmissível o pedido de reintegração de posse. Carência da ação. II. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, improvido." (RESP 31700010/MG - DJ Data:17/0000/2012 - PG:00171 - Relator Min. Aldir Passarinho Junior - Data da Decisão 07/06/2012 - Órgão Julgador 4ª Turma)
"Comercial. Ação de reintegração de posse. Contrato de arrendamento mercantil. Juros. Limitação (12% aa). Lei de usura (decreto n. 22.626/33). Não incidência. Aplicação da lei n. 4.50005/64. Disciplinamento legislativo posterior. Súmula n. 50006-STF. Valor residual de garantia. Cobrança antecipada. Descaracterização do contrato. Carência da ação. CPC, art. 485, vi. Correção monetária. Tr. IGP-M pactuado. I. Não se aplica a limitação de juros de 12% ao ano prevista na Lei de Usura aos contratos de arrendamento mercantil. II. A cobrança antecipada do Valor Residual Garantido importa na descaracterização do contrato de arrendamento mercantil, de forma a tornar inadmissível o pedido de reintegração de posse. Carência da ação. III. Prevalece o IGP-M, índice convencionado pelas partes, não se utilizando a TR como fator de correção monetária. IV. Recurso especial conhecido e parcialmente provido." (RESP 200060000007/RS - DJ Data:25/06/2012 - PG:0010000 - Relator Min. Aldir Passarinho Junior - Data da Decisão 24/04/2012 - Órgão Julgador 4ª Turma)
III - DO MÉRITO
3.1. O Sr. Joaquim Machado de Souza celebrou contrato de arrendamento mercantil com a empresa autora, relativo à compra de um automóvel, sendo certo que foi estipulado o pagamento em 36 parcelas mensais no valor total de R$330,67 cada, valor este calculado pela soma do valor de R$140,42, referente à contraprestação mensal, e do valor de R$160,25, referente ao Valor Residual Garantido Antecipado.
3.2. Ocorre que em razão de dificuldades econômicas e do falecimento do Réu, sua família não conseguiu honrar o pagamento das prestações avençadas, entretanto, não pode o Réu concordar com o pedido de reintegração de posse pelos fundamentos abaixo delineados.
3.3. Conforme entendimento pacificado das Cortes de Justiça nacionais e caso não seja acolhida a preliminar de impossibilidade jurídica acima suscitada, o que se admite unicamente por amor ao debate jurídico, certo é que a presente ação deve ser julgada improcedente em razão da trasmudação do contrato de arrendamento mercantil em contrato de compra e venda parcelada diante da previsão contratual do pagamento antecipado do Valor Residual Garantido que descaracteriza o contrato em tela em razão do disposto no art. 5º, "c" c/c art. 11, § 1º da Lei 6.0000000/74.
3.4. Descaracterizado o contrato como sendo de compra e venda a prestações, como está, não há que se falar em esbulho possessório, pelo que deve ser o pedido de reintegração de posse julgado improcedente, já que desaparecida a causa do contrato, patente é o prejuízo do arrendatário que não pode exercer a tríplice opção contratual de adquirir o bem, devolvê-lo ou renovar o contrato, característica típica desta espécie de contrato.
3.5. Assim sendo, não pode a Instituição Financeira manejar a ação possessória para ser reintegrada na posse do bem financiado, já que foi ela própria que por meio de contrato de adesão impôs ao Consumidor a assinatura de contrato de arrendamento mercantil, quando na verdade a intenção das partes era realizar o negócio jurídico de compra e venda à prazo.
3.6. Na remota hipótese de ser julgado procedente o pedido de reintegração de posse, o que se admite unicamente por amor ao debate jurídico, certo é que não é admissível que a empresa Ré readquira a posse do automóvel e permaneça, ainda, com os valores que já foram pagos por força do contrato em consideração, cujo quantum importa em R$6.83000,57, que se referem à R$2.00030,86, pagos no ato de assinatura da avença, como parcela antecipada do “Valor Residual Garantido”, e ao valor de R$3.00008,71 referente às 13 parcelas pagas de R$300,67 a partir de 31/01/000000 a 31/01/2000, que incluem às contraprestações mensais e a antecipação mensal do Valor Residual Garantido.
3.7. Basta efetuar as simples operações matemáticas de adição e multiplicação para notar que, desde o início do contrato, o total a pagar já era muito superior à quantia gasta pelo réu para adquirir o bem móvel.
3.8. Dessa forma, não merece prosperar o pedido de reintegração de posse do bem ao autor, em virtude deste pretender permanecer com os valores que já lhe foram pagos e ainda com o automóvel, sob pena de enriquecimento ilícito e violação direta de normas de ordem pública.
3.000. Isso porque, é incontroverso que, na hipótese em tela, a relação existente entre o réu, consumidor, e o autor, fornecedor, está sob o pálio do Código de Defesa do Consumidor, sendo, portanto, inteiramente aplicáveis seus dispositivos, mormente os inerentes à proteção contratual e às cláusulas abusivas, conforme a mais atualizada doutrina, in verbis:
"O contrato de leasing, regulado como arrendamento mercantil, está sendo utilizado como contrato de consumo simples de pessoas físicas, especialmente no caso de leasing de computadores, leasing de eletrodomésticos e, especialmente, leasing de automóveis. Nestes casos, se a empresa de leasing, que é fornecedora, estiver frente a um consumidor strictu sensu, em especial uma pessoa física, o contrato estará incluído no campo de aplicação do CDC" (in Contratos no Código de Defesa do Consumidor. Ed. RT - Revista dos Tribunais. 3ª ed., 2ª tiragem, 2012, p. 208/20000 CLÁUDIA LIMA MARQUES).
3.10. Por conseguinte, todas as cláusulas contratuais do pacto objeto da lide que tratam de obrigações iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou equidade devem ser consideradas nulas de pleno direito, nos termos do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, tais como aquelas que estabelecem a perda de todas as parcelas pagas, bem como a que considera vencidas todas as prestações futuras em caso de mora do arrendatário, dentre outras, gerando um enriquecimento sem causa a favor da arrendadora e ferindo, ainda, o equilíbrio das partes no contrato comutativo.
3.11. Como acima ressaltado, no típico contrato de arrendamento mercantil, o arrendatário tem, ao término do prazo estabelecido na avença, uma tríplice opção: a) devolver o bem à sociedade arrendadora, b) renovar o contrato ou c) adquirir o bem objeto do arrendamento pelo valor residual residual – “VRG”, previamente estipulado.
3.12. Ante a possibilidade de exigibilidade do pagamento do "valor residual garantido" durante a vigência do contrato, a Empresa inseriu no contrato (de adesão) de arrendamento mercantil cláusula segundo a qual a arrendatária efetuaria ao autor antecipações do "valor residual garantido", a título de provisão para futura opção de compra, sem que tal configurasse, por qualquer forma, exercício antecipado da opção de compra, eis que esta somente poderá ser feita no final do arrendamento.
3.13. Portanto, o pagamento parcelado do "valor residual garantido" pelo arrendatário consiste apenas na amortização de parte do preço residual estabelecido para a opção de compra do bem arrendado, de forma que, havendo a devolução deste bem, ante o não exercício da opção de compra pelo arrendatário, impõe-se a devolução do "valor residual garantido" pago em parcelas durante a vigência do contrato, consistentes em parte do preço residual do bem, sob pena de enriquecimento sem causa, em detrimento do arrendatário, que sofreria um desfalque indevido em seu patrimônio.
IV - DA RECONSIDERAÇÃO DA LIMINAR
4.1. Como acima explicitado e como se verifica da simples leitura do contrato anexado aos autos com a inicial é evidente a desconfiguração do contrato de arrendamento mercantil, pelo que, data venia, não merece ser mantida a r. liminar de reintegração de posse deferida por este d. Juízo, consoante o entendimento pacificado das Cortes Nacionais, em especial do Superior Tribunal de Justiça, como se constata da decisão abaixo transcrita:
"Civil. Arrendamento Mercantil. "Leasing" Financeiro. Ação de Reintegração de Posse. Descaracterização do Contrato pelo Pagamento Antecipado do Valor Residual Garantido. Compra e Venda a Prestações. Art. 11, § 1° da Lei n. 6.0000000/74. Impossibilidade Jurídica do Pedido de Reintegração.
- A antecipação do VRG ou o adiantamento "da parcela paga a título
de preço de aquisição" faz infletir sobre o contrato o disposto no §1° do art. 11, da Lei 6.0000000/74, operando demudação, "ope legis", no contrato de arrendamento mercantil para uma operação comum de compra e venda a prestação. Há o desaparecimento da figura da promessa unilateral de venda e da respectiva opção, porque imposta a obrigação de compra desde o início da execução do contrato ao arrendatário.
A ausência da justa causa para expedição de mandado de reintegração de posse é a abusividade da cláusula - e que pode ser objeto de controle judicial "ex officio" - que faculta a opção da aquisição do bem "tendo a arrendatária cumprido todas as suas obrigações", se o valor residual - com valor e vencimento já discriminados no frontispício do contrato padrão -, é exigido desde o início da sua execução, e não só no momento da opção. Se esta opção é predefinida pelas partes, pelo pagamento antecipado e continuado do VRG, não há mais que se falar em tríplice opção (adquirir os bens mediante o pagamento do Valor Residual corrigido; renovar o arrendamento pelo prazo e condições que as partes ajustarem, tendo como base o Valor Residual corrigido; restituir os bens à arrendante com o pagamento do valor residual corrigido)."(AGA 350812/RS - DJ Data:28/05/2012 - PG:00201 - Relatora Min. NANCY ANDRIGHI Data da Decisão 1000/03/2012 - Órgão Julgador 3ª TURMA)
V - CONCLUSÃO
5.1. Isto posto, requer a V. Exa. o seguinte:
(i) Seja deferido o pedido de Gratuidade de Justiça;
(ii) Seja extinto o processo sem julgamento do mérito com fulcro no art. 485, inciso VI, do CPC, em razão da patente impossibilidade jurídica do pedido pela descaracterização do contrato de arrendamento mercantil em contrato de compra e venda a prazo;
(iii) Seja julgado improcedente pedido autoral em razão da trasmudação do contrato de arrendamento mercantil para compra e venda a prazo que impede o manejo da ação possessória;
(iv) Na remota hipótese de ser julgado procedente o pedido autoral, o que se admite unicamente em atenção ao princípio da eventualidade, seja o Autor condenado a devolver o valor integral do Valor Residual Garantido pago antecipadamente no valor de R$5.014,11, que inclui tanto a parcela paga como entrada no valor de R$2.00030,86, como todas as parcelas mensais de R$160,25 pagas até janeiro de 2000 no valor de R$ 2.083,25;
(v) Seja reconsiderada a r. decisão que deferiu a liminar de reintegração de posse a favor do Autor determinando-se a restituição do bem a favor do Espólio Réu, como medida de justiça.
5.2. Protesta pela produção de todas as provas admitidas em direito, especialmente pela prova pericial e prova documental superveniente.
Termos em que,
p. deferimento.
Nilópolis, 01 de abril de 2002