RECURSOS EM GERAL DEFESA AO AUTO DE CONSTATAÇÃO
DEFESA AO AUTO DE CONSTATAÇÃO
Ilmo. Sr. Superintendente de Orientação e Defesa do Consumidor –
PROCON/.....
(dez espaços duplos para despacho)
Ref. Auto de constatação nº ....................
...................., (nome fantasia ....................), empresa inscrita no
CGC nº ...................., Inscrição Estadual nº ...................., com
endereço em ...................., a avenida ...................., nº ....., centro,
por sua advogada, no final assinada, em face do auto de constatação
acima mencionado vem opor sua defesa, consubstanciada nos fatos e
fundamentos de direito a seguir aduzidos.
Consta do auto de constatação acima mencionado que “no ato da
fiscalização constatou-se que a referida firma não mantinha afixada, na
sua entrada principal, de forma visível, a informação que a taxa
referente ao serviço de garçon é opcional, não havendo informação
ainda no cardápio e nota fiscal”.
Deu-se à defendente, de conseguinte, como infringente do artigo 31
do Código de Defesa do Consumidor.
No entanto, o auto não reflete a verdade.
Conforme se vê pelos documentos inclusos, a nota fiscal emitida em
forma de cupom de caixa registradora informatizada, que a taxa de
serviço é opcional, cumprindo aduzir-se que o serviço de
informatização, nesse tópico, foi instalado pela defendente em
...../...../....., desde a reabertura da empresa já informatizada, e tendo
sido orientada pelo seu Sindicato de Classe de que na nota fiscal
deveria ficar constando o aviso aos clientes de que a gorjeta é
opcional, e assim vem sendo utilizado desde então.
Também no cardápio consta, em destaque, a opcionalidade de tal
taxa de serviço.
Dispõe o artigo 31 da Lei 8.078/90, que:
“Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem
assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em
língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade,
composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre
outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e
segurança dos consumidores.”
Todos os funcionários da empresa são orientados a fazer a
informação verbal à clientela de que a taxa de serviço é opcional, isto
é feito quando o cliente faz o seu pedido, e no final quando é trazido
até a mesa a conta a ser paga, sendo certo que, por ser um local
freqüentado quase que exclusivamente por jovens, normalmente a taxa
de serviço não é paga, pedem que seja descontada, conforme se vê
pelos documentos de caixa ora juntados.
Como se vê, não há como se possa dizer tenha a defendente
descumprido a norma legal referida, pois que os produtos e serviços
fornecidos por ela trazem com ostensividade a afirmativa de que a
taxa é opcional.
Quanto aos riscos, pizzas e sorvetes, que são os produtos servidos
pela defendente, nenhum risco oferecem eles à saúde de quem quer
que seja.
De qualquer modo, não se vê no texto do dispositivo legal, de modo
expresso, a obrigação de que conste afixado na porta principal do
estabelecimento o aviso concernente à opcionalidade da taxa de
serviço.
Milita, aqui, a favor da defendente, a máxima jurídica ubi lex voluit,
dixit; ubi noluit, non dixit. Quisesse o legislador que cada
estabelecimento comercial afixasse em sua porta principal o aviso
relativo à opcionalidade do pagamento da taxa de serviço, ter-lo-ia
feito de modo expresso.
Ademais, é regra de hermenêutica que verba cum effectu, sunt
accipienda (não se presumem, na lei, palavras inúteis). Segundo
Carlos Maximiliano, “dá-se valor a todos os vocábulos e,
principalmente, a todas as frases, para achar o verdadeiro sentido de
um texto; porque este deve ser entendido de modo que tenham efeito
todas as suas provisões, nenhuma parte resulte inoperante ou
supérflua, nula ou sem significação alguma”. (Hermenêutica e
Aplicação do Direito, Forense, 1993, 13ª edição, p. 250/251)
Da mesma forma como a lei há de ser interpretada, primeiramente, em
sua literalidade, do princípio citado colhe-se que não há na lei palavras
inúteis, nem se omitem na lei o que seja essencial à sua aplicabilidade
e seu cumprimento por seus destinatários, mormente em se tratando
de norma estabelecedora de obrigações.
De conseguinte, o auto de constatação, abstraindo-se da verdade dos
fatos, resulta em afronta aos princípios da legalidade e da moralidade,
ínsitos no artigo 37, caput, da CF.
“Artigo 37 – A Administração Pública Direta, Indireta ou
Fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade (...).”
Das lições de Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo
brasileiro, 10ª edição atualizada, 1984, páginas 60 e seguintes) se
extrai:
“Os princípios básicos da administração pública estão
consubstanciados em quatro regras fundamentais, de observância
PERMANENTE E OBRIGATÓRIA para o bom administrador:
LEGALIDADE, MORALIDADE, FINALIDADE E
PUBLICIDADE. Por esses padrões é que se hão de pautar todos os
atos administrativos. Constituem, por assim dizer, os fundamentos da
validade da ação administrativa, ou, em outras palavras, os
sustentáculos da atividade pública. Relegá-los é olvidar o que há de
mais elementar para a boa guarda e zelo dos interesses sociais.
(Destaque acrescentado.)
(..........)
A legalidade, como princípio da administração, significa que o
administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito
aos mandamentos da lei e às exigências do bem-comum e deles não
se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e
expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o
caso. A eficácia de toda a atividade pública administrativa está
condicionada ao atendimento da lei.
(..........)
As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública, e seus
preceitos não podem ser descumpridos nem mesmo por acordo de
vontades conjunto de seus aplicadores e destinatários, uma vez que
contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes
públicos.(...) Tais poderes conferidos à Administração Pública para
serem utilizados em benefício da coletividade, não podem ser
renunciados pelo administrador, sem ofensa ao bem-comum, que é o
supremo e único objetivo de toda ação administrativa.”
Já quanto ao princípio da MORALIDADE, segundo ainda o notável
administrativista antes nomeado, e citando Maurice Hauriou (Précis
Élementaires de Droit Administratif, Paris, 1926, ps. 197 e ss):
“O agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de
atuar, deve necessariamente distinguir entre o bem e o mal, o honesto
e o desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de
sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o
ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno
e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por
considerações de direito e de moral, o ato administrativo não terá que
obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria
instituição, porque nem sempre tudo o que é legal é honesto,
conforme já proclamavam os romanos: non omne quod licet
honestum est.
(..........)
À luz dessas idéias, tanto infringe a moralidade administrativa o
administrador que, para atuar, foi determinado por fins imorais e
desonestos, como aquele que desprezou a ordem institucional e,
embora movido pelo zelo profissional, invade a área reservada a
outras funções, ou procura obter mera vantagem para o
patrimônio confiado à sua guarda. Em ambos os casos, os seus
atos são infiéis à idéia que tinha de servir, pois violam o equilíbrio que
deve existir em todas as funções, ou, embora mantendo ou
aumentando o patrimônio gerido, desviam-se do fim institucional, que
é o de concorrer para a criação do bem-comum.” (Destaque
inexistente na fonte.)
E como princípios que são submetem-se à teoria geral dos próprios
princípios, segundo a qual aos princípios costuma-se emprestar
diversas funções. Mas há uma que nenhum autor recusa aos
princípios, qual seja a de funcionar como critérios de interpretação
das demais normas não-principiológicas.
Com efeito, se é nos princípios que residem os valores fundamentais
encarnados na Constituição; se é nos princípios que o constituinte
transfunde a alma que vai emprestar vida a muitos dispositivos
constitucionais, que resultariam esqueléticos não fosse a carga ética e
valorativa que recebem destes, não faria sentido se ao revestirem os
princípios tal importância, na prática tivessem que ceder diante de
qualquer circunstância duvidosa ou de qualquer argumento que,
embora destituído de peso e valor, tivesse condições de arredá-los.
Tanto assim é que a doutrina defere ao princípio esse papel
fundamental.
Todo ordenamento jurídico, pois, tem de ser interpretado à luz dos
princípios.
Sobre o papel fundamental exercido pelos princípios como vetores
para a interpretação das demais normas, escreveu o insigne Celso
Antonio Bandeira de Melo (Elementos de Direito Administrativo,
pág. 230):
“Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir a norma. A
desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico
mandamento obrigatório, mas todo sistema de comandos.
É a mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade,
conforme o escalão do princípio atingido, porque representa
insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores
fundamentais, contumélia irremessível a seu arcabouço lógico e
corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque como ofendê-lo,
abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda estrutura neles
reforçada.”
Ainda sobre os valores dos princípios no campo da interpretação,
escreveu com pena de ouro Eduardo Garcia de Enterría (La
Constitución como Norma y el Tribunal Constitucional, Editora
Civitas, p. 97):
“(..........)
Em situações que comportem mais de uma inteligência – e elas são
muito freqüentes em direito – há de prevalecer aquela interpretação
que compatibiliza o dispositivo com o princípio constitucional. Seria
reduzir o princípio à mais desprezível das normas se, diante de um
conflito entre dois preceitos, ou entre dois caminhos jurídicos, ambos
em tese trilháveis, o intérprete fosse escolher exatamente aquele que
postergasse o princípio. Dentro deste contexto então se perguntaria:
para que princípios? Sobre a força dos preceitos principiológicos já
tivemos oportunidade de nos manifestar na obra Interpretação e
Aplicabilidade das Normas Constitucionais, em co-autora com o
Prof. Carlos Ayres de Brito, da qual transcrevemos breve excerto:
‘... há dispositivos constitucionais que veiculam simples regra de
comportamento, ou de tomada de providências necessárias ao
alcance de certos objetivos, enquanto que outros consubstanciam tais
objetivos mesmos ou apontam verdadeiros princípios gerais. É
afirmar, enquanto as regras-comuns não passam de perceptivos
instrumentais, metodológicos, ou consagradores de comportamentos e
providências ditadas por opção políticas de ocasião, entre tantas
outras igualmente possíveis, as normas-princípios são a própria
encarnação das idéias-matrizes do sistema constitucional, ou dos
valores humanos mais expressivamente ligados à cosmovisão
político-jurídica da nacionalidade. Aquelas, exaurindo sua força
vinculatória nas providências e comportamentos topicamente
prescritos, como normas isoladas no sistema em que se imbicam, a
estes, ao contrário, exercendo uma função aglutinadora, de liderança
“inter pares”, de sorte a operar como definidores do conteúdo,
sentido e alcance de todos os demais preceitos, que muitas vezes não
passam de mera projeção ou desdobramento dos valores nelas
consagrados. Daí Augustin Gordillo doutrinar, com proficência, que as
regras-princípios dão o próprio norte do sistema, são as colunas de
sustentação de todo o ordenamento jurídico e condicionam,
necessariamente, o processo de interpretação e aplicação dos demais
modelos normativos...
Dizendo melhor ainda, o ordenamento constitucional não é o resultado
de um conglomerado caótico ou desconectado de normas. Antes, é a
própria expressão de um conjunto harmônico, sistemático e unitário,
no sentido de que, sem prejuízo da função particular das suas normas,
estas somente adquirem plena significação a partir da compreensão do
todo em que estão insculpidas. Este sentido de organicidade é
conferido pelo papel desempenhado pelas normas principiológicas,
que, além de perceptivos jurídicos, cumpre o mister suplementar de
enlaçar a si mesmas uma séria de outras regras. Daí porque, sem
embargo de ostentarem todas as normas o mesmo galardão
jurídico-formal, algumas delas cumprem um papel de muito maior
saliência, no que pertine à estruturação e exata compreensão do todo
normativo. São as normas principiológicas que, se revogadas,
levariam de roldão um punhado de outras que lhes servem de
apêndice. Diversamente, pois, das regras que não se beneficiam desta
qualificação, que seriam revogáveis, de per si, sem maiores
conseqüências.’
O Texto Constitucional é feito para ser aplicado. Dado o seu caráter
instrumental, o direito (e dentro deste o da Constituição na faz
exceção) é elaborado com vistas à produção de efeitos práticos. É
dizer: os seus enunciados não remanescem no nível puramente teórico
das prescrições abstratas, mas descem ao nível concreto de suas
incidências fáticas. Dá-se, pois, a aplicação do direito constitucional
toda vez que se submete um certo fato ou comportamento empírico
ao mandamento nele previsto para tais situações.”
De qualquer forma, foi providenciada a afixação do aviso à porta
principal, como poderá ser constatado, e já foi devidamente
informado à Sra. ...................., funcionária do Procon –.....................
Assim, requer o decreto de insubsistência do auto de constatação,
como de direito.
Também anexa a defendente a esta as cópias dos contratos de
trabalho de seus funcionários, atendendo à notificação que lhe foi
dirigida no dia ...../...../.....
Provará a defendente o alegado por todos os meios em direito
admitidos, sem exceção, especialmente por perícias, inquirição de
testemunhas, juntada de novos documentos, de logo requerendo o
depoimento pessoal do agente fiscal autuante, na forma e sob as
penas da lei.
Nestes termos,
Pede deferimento.
Local, ..... de .................... de ..........
Assinatura do Advogado
OAB nº ........../.....