RAZÕES DE APELAÇÃO TRÁFICO DE DROGAS INSUFICIÊNCIA DE PROVAS

Razões de Apelação – Tráfico de Drogas – Insuficiência de Provas

RAZÕES DE RECURSO

Protocolo 1999021043560

Apelante: AGNALDO GOMES DE OLIVEIRA

“Um culpado punido

é exemplo para os delinqüentes

Um inocente condenado

preocupação para todos homens de bem.”

(La Bruyere)

Egrégio Tribunal,

Colenda Câmara,

Versa o presente recurso, do inconformismo, do Apelante, com a sentença condenatória, da lavra do Juiz da Terceira Vara Criminal de Goiânia, que o condenou a uma exacerbada pena restritiva de liberdade de seis (6) anos e oito (8) meses de reclusão, como incurso na norma incriminadora do artigo 33 da Lei 11.343/06.

SÚMULA DOS FATOS

A exordial acusatória imputou ao acusado, a prática do ilícito penal incrustado na norma proibitiva do artigo 33, da Lei 11.343/06, nos seguintes termos:

“Consta do incluso inquérito policial que, no dia ............., por volta das .... horas, foi a denunciada ........................, presa em flagrante, no Posto da Polícia Rodoviária Federal, Km ...., da ....., município de ......, porque transportava, ... (...) pacotes de Cannabis Sativa, Lineu, vulgarmente conhecida por “maconha”(...). Interrogada, ............. assumiu a propriedade da mercadoria, esclarecendo que a droga lhe foi entregue na cidade de ..........., por um indivíduo conhecido por ...... . Este, naquele momento, retornava a ........ acompanhado por ........ e ................., em um caminhão de propriedade deste último (...). Em decorrência da recusa de ......... em transportar a maconha em seu caminhão, .......... se encarregou de trazê-la, de ônibus.”

Ora, nota-se que ......... está sendo processado pelo simples fato de ter transportado indivíduos que supostamente poderiam praticar um ilícito e/ou um possível telefone celular de sua propriedade para facilitar a comunicação entre ...... e os transportados. Todavia, tanto na fase inquisitorial quanto na judicial todos foram unânimes em frisar que o acusado ......., por possuir um caminhão baú e ser devedor de ......, compensaria sua dívida realizando um frete, de levar a família deste para o ........ Também, para liquidar a dívida, entregaria seu aparelho de telefone celular, haja vista que só o valor do frete seria insuficiente para saldar seu débito, para com o acusado .......

“QUE como ........ devia R$ .......... ao interrogado o frete seria descontado desta dívida; QUE tal dívida decorre de empréstimo em dinheiro feito pelo interrogado a ...........; (...) QUE ............. recusou-se a transportar a maconha;” (Auto de Qualificação e Interrogatório de .............................. – fls....)

“QUE no dia seguinte fez contato com ................. por meio de um telefone público, uma vez que não conseguiu ligar do celular que estava com ..........; (...) QUE como .................. não quiseram ficar com a maconha no caminhão, então, pediu uma carona para ............... e foi levar a maconha para casa de sua mãe; (...) ............ não quis voltar com o entorpecente; QUE não sabe o que ............ conversou com ........ durante o trajeto .......-........; QUE não sabe dizer qual seria a parte de ............. no negócio; (Auto de Qualificação e Interrogatório de ................ – fls. ...)

“QUE na semana passada foi procurado por .......... e ......... e estes lhe disseram que gostariam de passear em ...................., indagando qual seria o valor de um frete, pois ....... gostaria de levar sua moto para negociá-la naquele município; ............... disse que naquele município o valor da moto seria mais alto; QUE o valor do frete seria de aproximadamente R$ .............. e como devia a ............... R$ .............. seria feita a compensação; QUE tomou conhecimento que ........... iria trocar a moto por maconha na segunda-feira, momento em que ....... encontrou-se com ............; (...) QUE recusou-se a transportar a droga de ........ para ......... em seu caminhão; (...) QUE vendeu o seu telefone celular linha 974-7858 para ..........., um dia antes da viagem, ou seja, na (data), ; QUE ........... nada pagou pelo aparelho, pois o valor do celular também foi descontado da dívida;” (Auto de Qualificação e Interrogatório de .................... – fls. ....).

“(...) e o ....................., passou o seu celular para a interroganda, cujo aparelho, recebeu em pagamento de dívida do .............................; (...) que a interroganda alega que o ..................... foi na viagem para ............... pagando uma dívida que devia para o ................., não sabendo a origem da dívida, visto que o referido ........... trabalha com frete de caminhão.” (Termo de Qualificação e Interrogatório de ......... – fls. .../...) (GRIFEI).

“que o depoente alega que a acusada ......., acusada aqui presente, portava um telefone celular, não dizendo se era dela ou não;”( Termo de Assentada de .............. – fls..../...)

“Que na época dos fatos narrados na denúncia apenas alugou o seu caminhão para .................. e ................., mais não teve notícia da infração. (...) Que o declarante trabalha aqui em .............. com fretes de caminhões e estava no ponto onde trabalha quando foi procurado por ........... e ......., para fazer um frete para a cidade de ........ no ........, perguntou por quanto o declarante fazia, disse para deixá-los lá cobraria R$ .............. então eles disseram que precisava viajar com a família, levando colchão e outra tralhas, por que iam visitar a mãe que morava lá; que iam ficar apenas quatro dias e pediram para que o declarante ficasse lá esses dias, pelo valor de R$ ..........., que o declarante achou muito pouco por causa da quantidade de dias, mais como o declarante já tinha trabalhado com ............, por que trabalhava no mesmo ponto de táxi e ............ tinha vendido o seu táxi e o declarante pegou com ele R$ ......... emprestado para comprar um baú para o seu caminhão que era de carroceria aceitou a fazer o frete, porque assim pagaria ......... (...) encontraram uma pessoa chamada .......... que se interessou pela moto, e ouviu eles conversando e ............ disse a ........... e .........., que dava ..... quilos de maconha pelo veículo; que quando o declarante ouviu essa proposta disse a eles que tinha ido apenas para fazer um frete e que nunca tinha mexido com isto e não transportaria de forma alguma maconha em seu caminhão; (...) que chegando em ..................., ..........ligou para ...... de um celular, que o declarante tinha vendido para ......... e ainda está em seu nome em pagamento dos juros da dívida que tinha com ............; (Termo de Qualificação e Interrogatório de ................ – fls. ..../....)

Na fase instrutória, os próprios agentes policiais que realizaram a diligência de apreensão da substância entorpecente, alegam total desconhecimento da origem do aparelho celular encontrado com a co-ré ..........., bem como eventual participação do Acusado, ora defendente, na negociação espúria dos demais.

“que o depoente alega que não conhece o conteúdo das declarações do acusado ......................., aqui presente, perante o delegado da Polícia Federa, razão pela qual não pode afirmar se o mesmo sabia ou não que a moto do ......... seria trocada por maconha na cidade de ................” (Termo de Assentada de .................... – fls. (..../...) (GRIFEI)

“que o depoente alega que com a ............... foi aprendido um aparelho celular, não recordando se a mesma disse a quem pertencia; (...) Que o depoente alega que a ............... disse que a maconha pertencia a seu .......”(Termo de Assentada de .......................... – fls. (.../...)

Por outro lado, as testemunhas arroladas pela defesa do Acusado .........., foram unânimes em afirmar que a viagem para a cidade de ......... foi acertadas em suas presença e se destinava apenas ao transporte da família de ........ até a cidade de .........., não ficando ajustado qualquer atividade de mercancia de tóxicos:

“Que o depoente trabalha como chapa, fazendo serviços para diversos proprietários de caminhão, sendo que um dia estava no ponto nas proximidades do Terminal Urbano desta cidade, quando chegaram dois rapazes e conversaram com o acusado ..........., solicitando um frete em um caminhão baú para o mesmo; que apenas ouviu eles conversando que precisavam de um caminhão fechado, porque queriam levar umas crianças também até a cidade de ........., onde visitariam a mãe deles, sendo que a finalidade de estarem fretando um caminhão baú era em razão deles quererem ficar lá uns três dias e também para poderem, no caminho, pararem e cozinhar; que apenas ouviu esse diálogo; (...) que, conhece o acusado ........ há .... anos, período no qual nunca viu um mal comportamento da parte dele; (...) que, o acusado ......... informou ao depoente que, chegando naquela cidade, os mencionados rapazes foram e adquiriram droga, pedindo para o mesmo trazer até esta cidade; que, no entanto, ........... disse que não traria no seu caminhão, pois tinha sido contratado apenas para o passeio referido e não transportava aquele tipo de coisa no seu veículo; Que o acusado ......... informou que vendeu o telefone celular par a acusada ........., sendo que não ficou sabendo se esta negociação foi feita em ............, durante a viagem ou na cidade mato-grossense;” (Termo de Assentada de ................... – fls. .....) (GRIFEI)

“Que dos acusados conhece ............ e .........., de vista e, quanto a ..........., trabalha no ponto em que o mesmo mantém um caminhão para frete; (...) que se encontrava no mencionado local, quando os acusados ............ e .......... chegaram e foram conversar com o acusado ...........; que como sempre que chega alguém se aproxima dos donos do caminhão para ver se é algum frete, em que poderão trabalhar no carregamento, se aproximou deles, quando pode ouvir que aqueles queriam contratar os serviços deste para que fossem levados até o ..............., juntamente com uma criança, até a residência da mãe de ...............; (...) que parece que ficaram combinado pelo frete no valor de .........., para sair no dia seguinte; que por intermédio de outras pessoas, após o acusado .......... retornar daquela viagem, ficou sabendo que aqueles, ......... e .........., queriam trazer uma droga, com o que .......... não concordou; (...) que não ficou sabendo se o acusado Agnaldo emprestou o aparelho de telefone celular para a acusada .........;” (Termo de Assentada de .................................... – fls.....v) (GRIFEI)

Durante todo processado, não ficou demonstrado, má conduta social do Acusado, tecnicamente primário (fls....), tendo as testemunhas arroladas pela defesa confirmado ser pessoa de excelente comportamento perante a família e o meio social em que vive, possuindo endereço certo e exercendo atividade laborativa lícita.(fls. ...).

DO DIREITO

Consoante o entendimento doutrinário-jurisprudencial dominante, a pretensão deduzida na exordial acusatória para que tenha repercussão jurídica deve ser amplamente provada durante a instrução criminal desenvolvida sob o manto da garantia constitucional do contraditório, assumindo a acusação oficial o ônus probandi da autoria, da materialidade e de todas as circunstâncias do fato. É corrente o entendimento, de que o crime, como entidade jurídico-penal, só se aperfeiçoa ou se consuma quando o agente realiza todos elementos que compõem a descrição do tipo legal.

Examinando o crime sob um ângulo estritamente técnico e formal, em sua aparência mais evidente de oposição a uma norma jurídica, várias definições podem ser lembradas: toda conduta que a lei proíbe sob a ameaça de uma pena (Carmingnani); fato a que a lei relaciona a pena, como conseqüência de Direito (Von Liszt); toda ação legalmente punida (Maggiore); fato jurídico com que se infringe um preceito jurídico de sanção específica, que é a pena (Manzini).

Estas definições, porém, são insuficientes para a dogmática penal moderna, que necessita colocar mais à mostra os aspectos essenciais ou elementos estruturais do conceito de crime. Daí, dentre as definições analíticas que têm propostas por importantes penalistas a mais aceitável, atualmente, é a que considera o fato-crime: uma ação (conduta) típica (tipicidade), ilícita ou antijurídica (ilicitude) e culpável (culpabilidade). (esta definição é adotada por Aníbal Bruno, Magalhães Noronha, Heleno Fragoso, Wessels, Baumann, etc.)

Inicialmente, Senhores Julgadores no caso em apreço, há que ressaltar sendo a tipicidade, a justaposição ou adequação da conduta atribuída ao Apelante ao tipo legal de crime, ou seja, a conformidade do fato com a descrição precisa da definição legal da infração penal objeto do persecutio criminis in judicio. Nesta linha de raciocínio, a ação do Apelante não pode ser considerada típica ou ilícita, vez que descaracterizada de qualquer feição criminosa, por ausência dos requisitos elementares típicos, indispensáveis para o aperfeiçoamento da conduta punível (crime), que são a tipicidade, a ilicitude ou antijuridicidade, entendida “como a relação de contrariedade entre a conduta da vida real e o ordenamento jurídico” (Welzel, Das Deutsche Strafrecht, pag. 50; Jescheck, Lehrbuch, pag. 175; Petrocelli L’antigiuridicitá,pag. 13 - Apud. - Francisco de Assis Toledo, “Princípios..” pag. 85 - Ed. 1991).

Em conclusão tem-se que sequer na forma de participação, colaboração ou concorrer de qualquer forma, se adequa a conduta do Apelante ..................., ao delito definido no artigo 33, da Lei 11.343/06, por outro lado, a Acusação não se desincumbiu do ônus de provar se em algum momento referido Acusado, tenha agido com dolo, que é o elemento subjetivo do crime de tráfico ilícito de entorpecentes, ou que tenha se associado aos demais acusados, com a intenção de praticar o fato delitivo contido na denúncia, ou seja, não há nos autos nenhuma prova indicativa de possível adesão de vontades dirigidas àquele desiderato criminoso.

Diz a jurisprudência:

PREFEITO MUNICIPAL - Contribuição previdenciária - Omissão - Não recolhimento.

O fato crime reclama conduta e resultado. Analisados do ponto de vista normativo. A responsabilidade penal (Constituição da República e Código Penal) é subjetiva. Não há espaço para a responsabilidade objetiva. Muito menos para a responsabilidade por fato de terceiro. A conclusão aplica-se a qualquer infração penal. (...) Não há notícia ainda de hipótese do concurso de pessoas (CP, artigo 29). (STJ - Ag. Reg. no AI nº 134.427 - PR - 6ª T - Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro - J. 01.07.97 - DJU 03.08.98 - v.u). (GRIFEI)

“Mera condução do réu ao local do delito. Absolvição.

Não basta para a configuração da co-autoria o simples auxílio material, sendo necessário demonstrar-se o acordo de vontades no sentido de uma participação ciente e consciente na obtenção do resultado visado pela prática do ato ilícito.” (TJSP – 1ª Cam. Crim. – Rel. Onei Raphael – RT 449/384).

“Não se pode ter como provada a autoria intelectual do delito com base nas declarações dos co-réus, aliás desmentidas pelos mesmos em juízo e não corroboradas por qualquer outra prova testemunhal.” (TJBA – 1ª Cam. Crim. – Rel. Oliveira Martins – in Rev. Bahia Forense, vol. V pág. 233).

A sentença recorrida, lastreou seu édito de condenação em provas existentes exclusivamente na esfera administrativa do inquérito policial, porém, quando existe a participação imediata e direta da própria autoridade policial, na produção da prova, o caráter inquisitivo, que tem a persecução administrativa, torna imprescindível a judicialização ulterior do ato probatório para que a instrução ali contida se apresente com o valor de prova, e seja utilizado como elemento na formação da convicção judicial, no momento de decidir a causa penal.

Verifica-se, assim, que a prova penal é objeto de duas operações distintas: a investigação (inquérito policial) e a instrução. Aquela, por ser extrajudicial, não pode servir de base ao julgamento final da pretensão punitiva, pelo que só a instrução, como elemento integrante do processo, fornece ao julgador os dados necessários sobre a quaestio facti da acusação a ser julgada.

“É evidente que o conjunto probante do inquérito, por não obedecer aos preceitos constitucionais da amplitude da defesa e de instrução contraditória, há de ser encarado como qualquer outra prova extrajudicial e, portanto, não leva a coisa alguma útil se não é confirmado, ao menos quantum satis, pela prova colhida no ambiente judicial, este saudavelmente arejado pelo oxigênio do Direito”(ac. un. de 27. 11 . 70, da 4ª Câm. do TACrimSP, na Ap. 22.830, de Itanhaém, rel. Juiz Azevedo Júnior, in RT 426/395).

"O inquérito policial está, por definição, arredio aos preceitos constitucionais de amplitude de defesa e de instrução contraditória. Bem por isso é elementar na jurisprudência que a prova do inquérito, como a generalidade das provas extrajudiciais ou extrajudicialiformes, só produz efeito no pretório quando neste fica atestada a veracidade do seu teor ou, ao menos, a conformidade deste remanescente do conjunto probante útil" (ac. un. de 2.10.69, da 4.a Câm. do TACrimSP, no HC 15.296, da Capital, rel. Juiz Azevedo Júnior, in RT 411/250-252).

Outrossim, nem cabe assertar que posicionamento diverso seria possível por força do livre convencimento ou íntima convicção do Juiz, que não sofre limitações, importando pois, preponderantemente, a realidade dos fatos que entreveja nas provas, e não o lugar onde estas foram colhidas. Concessa vênia daqueles que assim sustentam, sufragar-se tal escólio implicaria postergar-se, de maneira flagrante, o princípio basilar do contraditório, fazendo-se dele tabula rasa e simples quimera, com sua colocação no esquecimento.

Outra não é a lição de Frederico Marques: embora o princípio do Livre convencimento não permita que se formulem regras apriorísticas sobre a apuração e descoberta da verdade, certo é que traz algumas limitações a que o Juiz não pode fugir; e uma delas é a de que, em face da Constituição, não há prova (ou como tal não se considera), quando não produzida contraditoriamente"

Se a Constituição solenemente assegura aos acusados ampla defesa, importa violar essa garantia valer-se o Juiz de provas colhidas em procedimento em que o réu não podia usar do direito de defender-se com os meios e recursos inerentes a esse direito.

Justamente porque carece o inquérito do contraditório penal, nenhuma validade tem, para amparar um decreto condenatório, por colocar em ângulo sombrio o princípio do contraditório e por transportar, para a fase judicial, a feição inquisitiva do caderno administrativo, onde o depoimento foi carreado sem o descortino da defesa do acusado.

"INSUFICIÊNCIA DOS ELEMENTOS DO INQUÉRITO PARA LASTREAR CONDENAÇÃO. POR VEEMENTES QUE SEJAM.

Por mais veementes que sejam os elementos constantes do inquérito, tão só nos mesmos não pode basear-se sentença condenatória e. pois fugiria ao contraditório, assegurado por princípio constitucional" (Ac. un. de 6.7.78 da 4º Câm., na Ap. n 178.595, de Guarulhos, Rel. SILVA LEME, que no aresto remarcou: - remançosa nesse passo a jurisprudência (RT 369/70; 479/359; 448/334; 436/378; 426/395; 397/278; 393/343; 386/249; 360/241; 356/93; 350/342; 305/ 463; RF 175/336; 135/438, etc.("Apud" rolo n 146. flash nº 318, do serviço de microfilmagem ' do TACRIM-SP).

No caso em apreço, o que se apurou pela prova coligida na instrução criminal foi que o Apelante ao transportar os demais até a cidade de ................. tinha a finalidade única e exclusiva de recebimento do respectivo frete com o conseqüente abatimento em débito contraído junto a pessoa do acusado ..............., não tendo agido com animus delinquendi, não sendo assim suficiente para configurar a co-autoria o simples auxílio material, sendo necessária a demonstração inequívoca de um acordo de vontades, no sentido de uma participação ciente e consciente na obtenção do resultado visado pela prática do delito.

Consoante o entendimento esposado pela melhor doutrina processual penal, sentença de conteúdo condenatório exige, para sua prolação, a certeza de ter sido cometido um crime e de ser o acusado o seu autor. A menor dúvida a respeito acena para a possibilidade de inocência do réu, de sorte que a Justiça não faria jus a essa denominação se aceitasse, nessas circunstâncias, um édito condenatório, operando com uma margem de risco - mínima que seja - de condenar quem nada deva.

Quando se tem presente, salientou Malatesta, que a condenação não pode basear-se senão na certeza da culpabilidade, logo se vê que a credibilidade razoável - também mínima - da inocência, sendo destrutiva da certeza da culpabilidade, deve, necessariamente, conduzir à absolvição. É o ensinamento do mestre peninsular:

"O direito da sociedade só se afirma racionalmente como direito de punir o verdadeiro réu; e para o espírito humano só é verdadeiro o que é certo; por isso, absolvendo em caso de dúvida razoável, presta-se homenagem ao direito do acusado, e não se oprime o da sociedade. A pena que atingisse um inocente perturbaria a tranqüilidade social, mais do que teria abalado o crime particular que se pretendesse punir; porquanto todos se sentiriam na possibilidade de serem, por sua vez, vítimas de um erro judiciário. Lançai na consciência social a dúvida, por pequena que seja, da aberração da pena, e esta não será mais a segurança dos honestos, mas a grande perturbadora daquela mesma tranqüilidade para cujo res­tabelecimento foi constituída; não será mais a defensora do direito, e sim a força imane que pode, por sua vez, esmagar o direito indébil" (in - "Lógica das Provas em Matéria Criminal, ed. Saraiva, pp. 14 e 15).

Referindo-se à legislação processual americana o saudoso Heleno Fragoso, em sua Jurisprudência Criminal, Vol. 1º, pág. 485, nota 389, que esse é o princípio que vigora no Direito norte-americano, incluído entre as regras do devido processo legal, due process of law. Não se pode aplicar a pena sem que a prova exclua qualquer dúvida razoável, any reasonable doubt. Aqui não basta estabelecer sequer uma probabilidade, "it is not suficient to establish a probability even a strong one": é necessário que o fato fique demonstrado de modo a conduzir à certeza moral, que convença ao entendimento, satisfaça a razão e dirija o raciocínio, sem qualquer possibilidade de dúvida (cf. Kennys, Outlines of Criminal Law, 1958, p. 480)."A sociedade se sente legitimamente perturbada na sua tranqüilidade com a certeza do delito, e de seu autor, é lógico, asseverando Gorphe: "S'il subsiste une doute, s'est que la preuve n'est pas fait e arrematando o insigne Carrara: "no processo criminal, máxime para condenar, tudo deve ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer expressão algébrica".

"Condenação exige certeza E certeza absoluta, quer do crime quer da autoria. "Não basta a alta probabilidade desta ou daquele.

"A certeza é, aqui, "a consciência dubitandi secura° de que falava Vico e que não admite graus. Tem de fundar-se em dados objetivos indiscutíveis, de caráter geral, que evidenciem o delito e autoria (Sauer, Grundlagen des Prozessrechts, 1929, p. 75), sob pena de conduzir tão-somente à íntima convicção insuficiente" (Heleno Fragoso, "RDPenal Vol. 5, Pág. 148, ed. Borsói").

A íntima convicção, sem apoio em dados ou elementos indiscutíveis, leva à simples crença e não àquela certeza necessária e indispensável à condenação. Essa certeza não pode ser, igualmente, a certeza subjetiva, formada na consciência do julgador.

É do escólio do eminente Professor Fernando de Almeida Pedroso, que a sentença de conteúdo condenatório exige, para sua prolação, a certeza de ter sido cometido um crime e de ser o acusado o seu autor. A menor dúvida a respeito acena para a possibilidade de inocência do réu, de sorte que a Justiça não faria jus a essa denominação se aceitasse, nessas circunstâncias, um édito condenatório operando com uma margem de risco - mínima que seja - de condenar quem nada deva.

A legislação ordinária complementa a norma constitucional atinente à garantia do devido processo legal. Quase todas as Constituições modernas trazem fundamentos e garantias ao processo e, principalmente, ao instrumento próprio para a realização da Justiça Penal, eis que, nele, há intenção estatal de comprometer o ius libertatis, bem jurídico maior ao cidadão. E é inegável que de nada adiantaria a previsão constitucional, se a legislação processual não lhe complementasse, como bem assinalado no magistério de JOÃO MENDES JÚNIOR, na seguinte ordem:

"As leis do processo são o complemento necessário das leis constitucionais, e as formalidades do processo, as atualidades das garantias constitucionais" ("O Processo Criminal Brasileiro", 2ª edição, 1911, vol. I, p.8).

No mesmo diapasão tem sido o entendimento esposado por este Colendo Sodalício, na venerável decisão proferida no Habeas Corpus nº 13.490-4/217 , da comarca de Jaraguá, tendo como Relator o Ilustre Desembargador Byron Seabra Guimarães, cuja ementa assim dita:

“O processo penal moderno exige o máximo de proteção à regular marcha procedimental, posto que, cabendo ao Estado o direito de punir, só o faz deduzindo sua intenção ao órgão jurisdicional, a fim de que este também ingresse no trinômino descrito por Búlgaro - judicium est actum trium personarum: iudicis, actoris et rei. Todavia, a eventual punição só pode advir após a irrestrita observância do modus procedendi, para o qual a norma processual, constitucional e ordinária, prevê a amplitude da defesa".

A Constituição Federal assegura o princípio da presunção de inocência, figurando, agora, verdadeiro direito público subjetivo constitucional do acusado. O ônus da prova da ocorrência do crime cabe ao órgão da acusação. Não logrando obter êxito, a absolvição torna-se imperativo de ordem pública. Sobre esse desiderato, o mestre Nicola Dei Framarino Malatesta defendia o seguinte: "voltando ao que dizíamos, e concluindo, a inocência se presume; e por isso no juízo penal a obrigação da prova cabe à acusação. A presunção da inocência, pois, quando determina a obrigação da prova no juízo penal, não é senão uma dedução daquele principio ontológico que afirmamos ser o princípio supremo para o ônus da prova" ( Nicola Framarino Dei Malatesta, in "A lógica das provas em matéria criminal", vol. I, Ed. Saraiva, São Paulo, 1960, pág. 147) .

Diz a Jurisprudência hodierna:

Processo Penal. Prova. Inexistência de certeza absoluta para um juízo condenatório. Exegese do artigo 386,VI, do CPP. l. É correta a sentença absolutória que se baseou no fato de que a única testemunha que prestou depoimento mediante o contraditório legal não logrou delinear em que contexto positivo se desenrolou a ação, e que a prova trazida pela parte autora consistia em meras declarações do agente da autoridade no inquérito policial, despedido ainda as formalidades ilegais, para julgar improcedente o pedido articulado na peça exordial do Ministério Público. 2. A prova no processo penal democrático exige a prova ser madura, robusta, isenta de incertezas, e não tão-somente indicativa diante do artigo 386, VI, do CPP. Recurso improvido para manter a sentença absolutória.(TACRIM-RJ - AP. CRIM. 44.163, 2ª Câmara Julgadora, em 16/06/1992)

Prova. Dúvidas. "In dúbio pro reo". Absolvição. Se diante do fato há duas versões, uma fornecida pela declarada vítima e outra pelo acusado, não se trata de questionar o velho adágio testius unus, testius nullus, mas de constatar dentro do conjunto probatório na variante de possibilidades a versão cabal, firme e inconteste da dinâmica do acontecer, caso contrário, diante da intranqüilidade da dúvida, o único caminho que resta ao julgador sereno e imparcial é a aplicação do consagrado princípio in dúbio pro reo ínsito no artigo 386,VI,do CPP. Recurso do órgão do Ministério Público improvido. ( TACRIM-RJ, Ap. 46.108,28 câmara julgadora, em 24/09/1992.

No caso em apreço, a Acusação, competia o ônus da prova dos fatos alegados na denúncia, e nada conseguiu provar durante a instrução criminal, erigindo sua pretensão condenatória única e exclusivamente nos depoimentos dos policiais que efetuaram a prisão dos acusados, os quais em juízo não confirmaram seus depoimentos prestados na delegacia de polícia.

....... Sendo, pois, a prova, insuficiente para lastrear decreto condenatório a absolvição se impõe, como tem entendido o nosso Egrégio Tribunal de Justiça, conforme ementa que segue:

"Apelação, Insuficiência de provas. Não existindo provas suficientes para embasar um juízo condenatório impõe-se , de pronto, a manutenção da sentença que absolveu o réu ( art. 386, inc. VI, do CPP). Apelo Provido" (Ap. Crim. 15046-9/213, TJ-G0, 2a Cam. Crim. Rel Des. Pedro Soares Correia, DJ n° 12099 de 06/07/95, pág. 12).

Consoante o insuperável magistério do ilustre jurisconsulto peninsular CARRARA,

“O processo penal é o que há de mais sério neste mundo. Tudo nele deve ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer grandeza algébrica. Nada de ampliável, de pressuposto, de anfibológico. Assente o processo na precisão morfológica legal e nesta outra precisão mais salutar ainda: a verdade sempre desativada de dúvidas”.

Segundo MALATESTA:

“sendo a prova o meio objetivo pelo qual o espírito humano apodera da verdade, sua eficácia será tanto maior quanto mais clara, mais plena e mais seguramente ela induzir no espírito a crença de estarmos de posse da verdade. Logo, o espírito humano, relativamente ao conhecimento de um fato pode encontrar-se em estado de ignorância, dúvida ou certeza, e somente o último autoriza a prolação de decreto condenatório no processo penal

O Apelante, demonstrou em audiência, pelos depoimentos das testemunhas ouvidas (fls. .../...v.) ), que, caso persista o decreto condenatório, ser possuidor dos requisitos legais objetivos e subjetivos, para Ter sua reprimenda fixada no mínimo legal e com a conseqüente substituição da pena corporal por pena restritiva de direito, consoante o disposto no artigo 44 do Código Penal, com a nova redação dada pela Lei 9.714, de 28/11/98, e, o entendimento dominante de nossa jurisprudência, acerca do assunto, como demonstra o julgado da Segunda Câmara Criminal do TJGO, na apelação criminal nº .........., de (data), tendo como Relator o Desembargador Remo Pallazzo:

“EMENTA: TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PROVA SUFICIENTE PARA CONDENAÇÃO. PENA. APLICAÇÃO DA LEI Nº 9.714/98. POSSIBILIDADE.

- Exaurida a figura típica descrita no artigo 12, c/c o artigo 18, inciso III, da Lei n° 6.368/76 e havendo prova suficiente para a condenação, não merece reparo a sentença prolatada.

- Desde que o condenado pela prática do crime definido pelo artigo 12, da Lei n° 6.368/76, preencha os requisitos objetivos e subjetivos exigidos pelo artigo 44 do Código Penal, é tecnicamente possível a aplicação da Lei n° 9.714/98, a fim de substituir-se a pena corporal imposta por outras restritivas de direitos, incabível neste caso, como demonstrado, por falta de requisitos mínimos. - Recurso improvido.”

O julgado ut retro citado, acompanha o entendimento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça, guardião da ordem federal, que tem entendido ser possível tecnicamente a implementação da medida benéfica, imposta pela Lex Mitior, conforme o seguinte aresto

" HC – PENAL - PENA SUBSTITUTIVA - LEI N° 9.714/98 - CRIME HEDIONDO - A Lei n° 9.714, de 25 de novembro de 1998, recomendada pela Criminologia, face à caótica situação do sistema penitenciário nacional, em boa hora; como recomendam resoluções da ONU de, : que as Regras de Tóquio são ilustração bastante, ampliou significativamente a extensão das penas restritivas de direitos; conferindo nova :redação a artigos do Código Penal brasileiro: 0 art. 44 relacione as condições: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada se o crime for culposo;- II - o réu não for reincidente em crime doloso; III - a culpabilidade os antecedentes, a conduta social e a personalidade indicarem que essa substituição seja suficiente. Reclamam-se, pois; condições objetivas e subjetivas; conferem, aliás, como acentuam os modernos roteiros de Direito Penal, amplo poder discricionário ao Juiz. O magistrado, assim, assume significativa função; exigindo-se-Ihe realizar a justiça material. O crime hediondo não é óbice à substituição. A lei, exaustivamente, relaciona as hipóteses impeditivas (art. 44)." (STJ - HC N° 8753/RJ-99/0019196-0, Rel. Min: Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU de 17.05.99)."

Na hipótese dos autos, em caso de condenação, convém registrar que o Acusado preenche os requisitos subjetivos para ver sua reprimenda ancorada ao mínimo legal, e, aplicada o benefício da substituição da pena, prevista no art. 44 e seguintes do Código Penal.

EX POSITIS,

espera sejam as presentes razões conhecidas, vez que próprias e tempestivas, e por tudo o mais que dos autos consta, julgado procedente o apelo para cassar a sentença recorrida, ajustando a reprimenda penal imposta, pois desta forma Este Egrégio Sodalício, estará como de costume, editando decisório compatível com os mais elevados ditames do direito e da JUSTIÇA.

Termos em que pede e espera deferimento.

Local, data.

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OAB