R LIGHT
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 26a VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL
Ref. Proc.: 2012012011654-1
, qualificado nos autos da AÇÃO DA DESCONSTITUIÇÃO DE DÍVIDA, proposta em face de LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S/A, vem, pela DEFENSORA , apresentar
RÉPLICA
A peça contestatória é a demonstração do modus operandi da Ré.
Busca o Autor a desconstituição do “contrato” de financiamento de dívida.
DA COAÇÃO
DO PODER DA CONCESSIONÁRIA
É preciso antes de tudo termos em mente que estamos diante de conflito entre a formiga e o elefante. De um lado, o consumidor hipossuficiente, acuado diante da gigantesca empresa de fornecimento de energia elétrica, tratado impessoalmente e ameaçado de ser privado desse serviço, e, de outro, um grande grupo econômico inacessível, distante, frio, com atitude agressiva e desvirtuada, pois unicamente preocupado com o lucro, uma vez que não é ameaçado pela concorrência, eis que seu cliente é compulsório, independentemente da qualidade do serviço prestado.
Ressalte-se, ainda, o fato do Autor ter sido compelido a assinar contrato de reconhecimento de dívida, vez que foi coagido a tal sob pena de corte no fornecimento de energia elétrica a sua residência.
Desta forma, viu-se o Autor forçado a assinar o contrato visto que se encontrava em “estado de perigo ou necessidade” , ou seja, encontrava-se em situação de receio ou temor que o levou a praticar um ato que em outras situações não o faria.
A coação, no entender do eminente jurista FRANCISCO AMARAL, “ não é , em si, um vício de vontade, mas sim o temor que ela inspira, tornando defeituosa a manifestação de querer do agente. Configurando-se todos os requisitos legais, é causa de anulabilidade do negócio jurídico ( art. 147, II, CC).”
Logo, a alegação da Ré (fls. 70) de ter o Autor manifestado sua concordância com as explicações dadas por seus prepostos, não leva ao entendimento de ter havido manifestação válida de vontade por parte do Autor, vez que, sob pena de ser punido com o corte de energia, o que caracteriza a coação, sentiu-se acuado e, portanto, obrigado a assinar o referido contrato de reconhecimento de dívida.
Afirma também a Ré às fls. 71 que “há um contrato livremente assinado pelo autor, no qual ele reconhece a existência do débito”. ENTRETANTO, NÃO SE PODE DIZER QUE FOI LIVREMENTE ASSINADO, EIS QUE EIVADO DE VÍCIO DE VONTADE CARACTERIZADO PELA COAÇÃO.
A parte Ré alega ainda não ter havido coação no momento da formação do contrato acima mencionado. Quanto a isto, cabe a esta provar, pois é devido no caso em questão a INVERSÃO DO ÔNUS PROBANTE, visto que a hipossuficiência do Autor é clara e evidente.
DA AUSÊNCIA DE BOA-FÉ
DA ADESÃO E DA AUSÊNCIA DE CRITÉROS CLAROS
A nossa atual sociedade caracteriza-se, como vem amplamente discutindo a Doutrina, em uma sociedade de massa, o que alterou profundamente a concepção individualista do contrato e do princípio da autonomia da vontade. Falar em liberdade contratual, lembrando que faculdade contratual não é liberdade de contratar ou não, mas principalmente decidir os termos do contrato e as condições do negócio, é quase uma ironia nos dias de hoje. Se a massificação obrigou o Direito a conviver com os contratos de adesão, também obrigou a uma revisão no princípio da autonomia da vontade. Hoje, como nos ensina ENZO ROPPO, na sua referencial obra O Contrato, vale a teoria da declaração, pois as partes mais fracas não expressam a sua vontade, apenas declaram aderir ao contrato.
Desta forma, ORLANDO GOMES esclarece: “O intérprete não pode se afastar da regra que manda interpretar as declarações de vontade, atendo-se mais a sua intenção do que ao sentido literal da linguagem, a fim de determinar com precisão a efetiva vontade das partes.”
A interpretação subjetiva dos contratos é dominada pelo princípio da investigação da vontade real, ou seja, deve-se indagar sobra qual foi a intenção comum das partes no momento da formação do respectivo contrato. Entretanto, não se pode esquecer da interpretação objetiva do contrato cujos princípios são a boa-fé, a conservação dos contratos e a extrema ratio (menor peso e equilíbrio nas prestações).
O princípio da extrema ratio não pode deixar de ser observado, vez que a falta de eqüitativo equilíbrio entre as partes contraentes pode ensejar enriquecimento sem causa de uma delas.
A parte Ré afirma que no contrato não se pode ignorar o que nele foi disposto, ENTRETANTO, AS REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS SÃO CLARAS: MAIS VALE A VONTADE REAL DO QUE A LITERAL. Mister se faz esclarecer que o princípio da força vinculante das convenções somente é aplicável quando da constituição de um contrato válido e eficaz, o que não foi o caso pois houve vício de vontade do Autor.
Conclui-se, assim, nas palavras de ORLANDO GOMES que “no contrato de adesão o poder do juiz – poder moderador – deve ser usado conforme o princípio de que os contratos devem ser executados de boa-fé, de tal sorte que só os abusos e deformações sejam coibidos.”
DA IMPOSIÇÃO UNILATERAL DA DÍVIDA
DOS PRINCÍPIOS BÁSICOS DA CIDADANIA
Diante da nova realidade, o intervencionismo e o dirigismo contratual por parte do Estado, no sentido de intervir e revisar contratos que se apresentem em desequilíbrio flagrante, é hoje regra cogente e sua omissão implica em negação de justiça, pois fere o princípio maior do Estado Democrático de Direito, que é o princípio da isonomia substancial, visto que a isonomia meramente formal a muito foi abandonada.
Assim sendo, especificamente no caso presente, os direitos de consumidor do autor foram flagrantemente violados, impondo-se uma dívida injusta e cruel à pessoa já massacrada por estar na base da pirâmide social, onde a parcela da riqueza chega em mínima proporção.
Ademais, fato relevantísimo é que não se vislumbra pelas contas acostadas junto à inicial que tenha havido um diferença relevante de consumo no período apontado como “irregular” com o período anterior e o posterior da detecção da suposta irregularidade.
Ainda que alguma irregularidade tivesse ocorrido, a forma correta de resolver a questão não seria a imposição de um contrato de reconhecimento de débito sem que a parte tivesse acesso à assistência jurídica, sem que tivesse direito à prestar esclarecimento. A empresa, como entidade atuante e com responsabilidade social maior por seu poder econômico e por seu poder de influenciar os rumos tomados por nossa sociedade, deveria ser das primeiras a respeitar os direitos básicos da cidadania, pois quando falta tal respeito as conseqüências sociais são graves e todos sofrem com elas.
Por fim, ressalte-se a intensa dor de ver-se devedor de quantia vultuosa, além de – sem o crivo do contraditório – estar sendo acusado de cometer irregularidades.
DO PEDIDO
Por todo o exposto requer a V. Exa.:
- que a presente seja julgada procedente declarando nulo de pleno direito o contrato de reconhecimento de dívida por estar em frontal desacordo com o CDC;
- a inversão do ônus da prova visto que ficou caracterizada hipossuficiência do Autor;
- a antecipação de tutela conforme despacho de fls. 53 e 54
- a condenação da Ré nos ônus sucumbenciais, recolhidos os honorários em prol do Centro de Estudos Jurídicos da DPGE.
Protesta por todos os meios de prova em direito admitidas, em especial, documental, testemunhal e depoimento pessoal do Autor.
Termos em que,
Pede deferimento.
Rio de Janeiro, 17 de abril de 2012.