DPU HABEAS CORPUS PREVENTIVO JORGE REIS REFORMATIO IN
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO-PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, por seu membro lotado em Caxias do Sul /RS, no uso de suas atribuições legais, com fundamento no art. 5º, LXVIII, combinado com o art. 105, inc. II, ambos da vigente Constituição da República Federativa do Brasil, vem impetrar HABEAS CORPUS PREVENTIVO em favor de JORGE REIS, brasileiro, casado, autônomo, portador da CI nº 1023425091 SSP/RS, CPF nº 202134840-72, residente e domiciliado na Rua Daltro Filho, n.º 2814, Bairro Panazzolo, Caxias do Sul/RS, e contra ato do EGRÉGIO TRIBUNAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO, manifestado através do Acórdão proferido no julgamento da Apelação Criminal n.º 2001.04.01.009662-4/RS, interposta pelo paciente contra sentença condenatória nos autos da Ação Penal n.º 97.1500644-2, que tramitou na 1º Vara Federal de Caxias do Sul/RS.
EXPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FATO E DE DIREITO
A Defensoria Pública da União em Caxias do Sul/ RS foi procurada pelo paciente Jorge Reis, o qual figura como executado nos autos da Execução Penal nº 2002.71.07.000952-2. Pretendia o paciente a conversão de sua pena alternativa de prestação pecuniária em outra pena de prestação de serviços à comunidade; tendo comprovado que não possuía condições financeiras para cumprir com a pena pecuniária imposta, no valor de um salário e meio pelo tempo da pena privativa de liberdade.
A DPU requereu a conversão da pena alternativa de prestação pecuniária em outra pena de prestação de serviços à comunidade; contou com a compreensão do Ministério Público Federal, quer também encampou o requerido, mas, apesar desses dois requerimentos da DPU e do MPF e da constatação de que o paciente está cumprindo regularmente com a sua primeira pena alternativa de prestação de serviços à comunidade, infelizmente, esses pedidos de substituição não foram de pronto deferidos pela Justiça.
Ocorre, no entanto, que, depois de ter vistas dos autos, a DPU constatou que a pena imposta ao paciente na sentença condenatória foi agravada no seu recurso de apelação pelo TRF da 4ª Região, no tocante à fixação da pena de multa e na substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Confira-se, para melhor enfoque, os termos da sentença condenatória e do voto proferido no recurso de apelação, in verbis:
DA SENTENÇA:
ANTE O EXPOSTO, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão deduzida na denúncia para o efeito de
(...)
b) condenar o réu JORGE REIS às penas de três (3) anos, um (01) mês e vinte quatro(24) dias de reclusão e ao pagamento de R$ 150 (cento e cinqüenta) dias multa à razão de 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente à época dos fatos, atualizado desde então, por infração ao art. 95, "d", da Lei 8212/91, c/c art. 71 do Código Penal;
(...)
Tendo-se em vista que os réus JORGE REIS, GILBERTO REIS E ANTÕNIO CLÓVIS MORAES DE SOUZA apresentam os requisitos para seja substituída a pena privativa de liberdade imposta (artigo 44 do Código Penal), substituo-a para os três, por uma pena de limitação de final de semana e por uma pena de prestação de serviços á comunidade ou a entidades públicas.
DO VOTO DO RELATOR:
Réu Jorge Reis
O MM. Juízo a quo, considerando as circunstâncias judiciais, fixou a pena-base em 02 anos e 06 meses de reclusão. Em face da continuidade delitiva exasperou a pena privativa de liberdade em 2/5, fixando-a, definitivamente, em 03 anos e 01 mês e 24 dias de reclusão.
A pena de multa, seguindo os mesmos critérios da pena privativa de liberdade, foi fixada em 150 dias-multa, sendo cada dia multa fixado no valor 01/30 (um trigésimo) do salário-mínimo, vigente à época dos fatos.
(...)
Consoante o entendimento desta Corte, diante das circunstâncias judiciais quase totalmente favoráveis ao réu, a pena-base deve ser fixada no mínimo legal de 02 anos.
Pela continuidade delitiva o acréscimo de 1/3 é suficiente a reprovação da conduta. Aumento a pena em 08 meses.
Sem agravantes e atenuantes torno a pena definitiva em 02 anos e 08 meses.
O regime inicial de cumprimento é o aberto (art. 33, § 2º, letra"c", do CP).
A pena de multa deve ter proporcionalidade com a pena privativa de liberdade e, portanto, deve sofrer redução. Então, fixo a pena de multa em 10 dias-multa e considerando a condição econômica do réu, estabeleço o valor do dia multa em um salário-mínimo, vigente à época dos fatos.
(...)
Preenchidas as condições do art. 44 do Código Penal, com redação que lhe deu a Lei n.º 9.714/98, o Juízo monocrático substituiu a pena privativa de liberdade imposta aos réus pelas restritivas de direitos consistentes em limitação de fim de semana e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas.
Quanto a substituição, os precedentes desse Regional dão conta de que nos casos como o da espécie, em que a pena fixada é superior a 01 ano (§ 2º do art. 44 do CP), tem-se fixado a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, uma sendo a prestação de serviços a comunidade, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade fixada e a outra por prestação pecuniária a entidade com destinação social, também pelo prazo fixado para pena privativa de liberdade (Precedentes: ACR n.º 97.04.34884-3/RS, Rel. Juíza Ellen Gracie Northfleet, DJ 26/07/2000 e Agravo em Execução Penal n.º 1999.04.01.105682-0/RS, deste Relator, DJ 05/07/2000).
Assim, é de ser reformada a sentença quanto á dosimetria da pena e no que tange a substituição da pena privativa de liberdade por limitação de fim de semana para uma restritiva de direito de prestação pecuniária, a qual ficou em um salário-mínimo e meio para o réu Jorge Reis e um salário-mínimo para o réu Gilberto Reis, atualizado, a ser pago mensalmente, pelo mesmo prazo fixado para a pena privativa de liberdade.
Como se vê, o quantum da pena de multa aplicada ao paciente na sentença foi majorado pelo egrégio TRF da 4ª Região, o que se pode verificar do seguinte cálculo:
- A PENA DE MULTA, SEGUNDO A SENTENÇA CONDENATÓRIA, FOI DE: 150 (cento e cinqüenta) dias-multas, sendo o valor dia-multa fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente na época dos fatos. O valor do salário mínimo ao tempo do último fato (agosto/96) correspondia a R$ 112,00 (cento e doze reais). Sem contar a atualização monetária, podemos encontrar o valor da pena de multa através da seguinte equação:
VM = X x Y
Sendo VM para o valor da multa; X para o número de dias-multa; e Y para o valor do dia-multa. Temos:
VM = 150 x 3,73... = R$ 560,00
- A PENA DE MULTA, SEGUNDO O ACÓRDÃO, FOI DE: 10 (dez) dias-multas, sendo o valor do dia-multa fixado em 1 (um) salário-mínimo vigente na época dos fatos. O valor do salário mínimo ao tempo do último fato (agosto/96) correspondia a R$ 112,00 (cento e doze reais). Sem contar a atualização monetária, podemos encontrar o valor da pena de multa através da seguinte equação:
VM = X x Y
Sendo VM para o valor da multa; X para o número de dias-multa; e Y para o valor do dia-multa. Temos:
VM = 10 x 112,00 = R$ 1.120,00[1]
Percebe-se, assim, de pronto, que houve reformatio in pejus direta, pois os valores da pena de multa aplicada na sentença condenatória foram duplicados no julgamento da apelação interposta exclusivamente pela defesa, o que é vedado pelo art. 617 do Código Processo Penal, ipsis verbis:
Art. 617. O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos artigos 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença.
E o mesmo se deu quando o egrégio TRF da 4ª Região se manifestou sobre a substituição da pena privativa de liberdade, que já havia sido fixada na sentença por duas penas restritivas de direitos na modalidade de limitação de fim de semana e prestação de serviços à comunidade.
Ao substituir a pena alternativa de limitação de fim de semana por prestação pecuniária no valor de um salário-mínimo e meio pelo tempo da pena privativa de liberdade substituída (2 anos e 8 meses), o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, inegavelmente, também, houve, em recurso interposto exclusivamente pelo réu, por agravar a sanção penal alternativa estabelecida na sentença (reformatio in pejus), residindo, nesse ponto, a ameaça a liberdade do paciente, porquanto, como não tem condições financeiras de cumprir com a prestação pecuniária, corre o risco de ter sua pena alternativa convertida em prisão, conforme prevê o art. 44, § 4º, do Código Penal, em que pese esteja regularmente cumprindo com a outra pena alternativa de prestação de serviços à comunidade.
Afora a questão da reformatio in pejus, este Defensor entende, ainda, que o acórdão do egrégio TRF da 4ª Região, ao estabelecer pena alternativa de prestação pecuniária em salários-mínimos mensais ao longo do tempo, violou o disposto no inc. IV do art. 7º da Constituição da República de 1988, que veda peremptoriamente e em termos absolutos a vinculação do salário-mínimo para qualquer fim.
Em casos semelhantes, o excelso Supremo Tribunal Federal tem se manifestado nos seguintes termos:
EMENTA: Professores do Estado do Paraná. Piso salarial de três salários mínimos. - A vinculação desse piso salarial a múltiplo de salários mínimos ofende o disposto no artigo 7º, IV, da Constituição Federal. Precedentes do S.T.F. - Inexistência de ofensa por parte do acórdão recorrido aos artigos 39, § 2º, 7º, V e VI, e 206, V, da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido pela letra "c" do inciso III do artigo 102, mas não provido. (RE 288189 / PR, rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ de 16/11/2001, p. 00810)
EMENTA: Pensão especial cujo valor é estabelecido em número de salários mínimos. Vedação contida na parte final do artigo 7º, IV, da Carta Magna, a qual tem aplicação imediata. - Esta Primeira Turma, ao julgar o RE 140.499, que versava caso análogo ao presente, assim decidiu: "Pensões especiais vinculadas a salário mínimo. Aplicação imediata a elas da vedação da parte final do inciso IV do artigo 7º da Constituição de 1988. - Já se firmou a jurisprudência desta Corte no sentido de que os dispositivos constitucionais têm vigência imediata, alcançando os efeitos futuros de fatos passados (retroatividade mínima). Salvo disposição expressa em contrário - e a Constituição pode fazê-lo -, eles não alcançam os fatos consumados no passado nem as prestações anteriormente vencidas e não pagas (retroatividades máxima e média). Recurso extraordinário conhecido e provido". - Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido. - A vedação constante da parte final do artigo 7º, IV, da Constituição, que diz respeito à vinculação do salário mínimo para qualquer fim, visa precipuamente a que ele não seja usado como fator de indexação, para que, com essa utilização, não se crie empecilho ao aumento dele em face da cadeia de aumentos que daí decorrerão se admitida essa vinculação. E é o que ocorre no caso, em que a pensão especial, anteriormente à promulgação da atual Constituição, foi instituída no valor unitário mensal sempre correspondente a seis vezes o salário mínimo, o que implica dizer que o salário mínimo foi utilizado para o aumento automático da pensão em causa sempre que houvesse majoração de seu valor. Isso nada tem que ver com a finalidade do salário mínimo como piso salarial a que qualquer um tem direito e que deve corresponder às necessidades básicas a que alude a Constituição, pois, em casos como o presente, não se está estendendo à pensão a norma constitucional (art. 7º, IV) que diz respeito ao piso salarial - ou seja, que nenhum trabalhador pode perceber menos que o salário mínimo -, o que ocorreria - e aí seria válido o argumento de que a pensão tem por finalidade atender às mesmas garantias que a Constituição concede ao trabalhador - se a pensão em causa fosse estabelecida no valor de um salário mínimo. E não é demais atentar para a circunstância de que, mesmo com relação a salário, a vedação de sua vinculação ao salário mínimo se aplica se, porventura, se estabelecer que o salário de certo trabalhador será o de "valor correspondente a algumas vezes o salário mínimo", pois aqui não se está concedendo a ele a garantia constitucional do artigo 7º, IV, mas, sim, se está utilizando o salário mínimo como indexador para aumento automático de salário de valor acima dele. Recurso extraordinário conhecido e provido.( RE 242740 / GO, rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ de 18/5/2001, p. 00087)
Ora, se é vedado vincular-se o salário-mínimo para efeito de cálculo qualquer vantagem pecuniária devida pelo Estado ao cidadão trabalhador, inclusive as decorrentes de condenação judicial por danos materiais e morais, a recíproca também é verdadeira, de modo que, com mais razão, não pode o salário-mínimo ser vinculado ao pagamento de uma desvantagem pecuniária imposta pelo Estado através de uma sanção penal que deve ser certa e determinada, e não sujeita a variações periódicas como ocorre com o salário-mínimo.
No presente caso, o paciente esta sendo executado com uma prestação pecuniária no valor de um salário-mínimo e meio atuais (R$ 300,00), e isso pelo prazo de 2 anos e 8 meses (tempo da pena privativa de liberdade substituída), de sorte que deve dar graças a Deus que o candidato a Presidência da República pelo Partido da Causa Operária-PCO, Senhor Rui Costa Pimenta, não foi eleito, pois do contrário teria que pagar uma prestação pecuniária no valor mensal de R$ 1.500,00, valor este pretendido para o salário-mínimo pelo então presidenciável. Não que esteja errada essa proposta defendida pelo PCO ou que desmereça a Presidência da República o seu candidato que, na verdade, defende proposta justa e adequada, já que a Constituição dispõe que o salário-mínimo deverá atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.
Com isso, com arrimo nos paradoxos do Pretório Excelso, defendemos a tese no presente writ de que se mostra inconstitucional a fixação de pena alternativa de prestação pecuniária em salários-mínimos que se protrai no tempo.
Assim, força convir, portanto, que estamos diante de nulidade absoluta do processo na parte do julgamento em que houve reformatio in pejus direta, o que caracteriza coação ilegal reclamando correção pela via do remédio heróico (art. 648, inc. VI, do CPP), tendo em vista que se cuida de nulidade absoluta e manifesta que não se convalida nem mesmo pela coisa julgada, conforme se observa da ementa do seguinte julgado dessa colenda Corte:
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO FICTO. COISA JULGADA. LEGITIMIDADE. REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA.
I - O uso de habeas corpus não encontra óbice na preclusão ou na coisa julgada (Precedentes) ... (STJ. HC 11392/PE, Rel. Min. Félix Fischer, DJ de 18/9/2000, p. 00142) (destaques acrescentados)
PEDIDO
Ante exposto requer a concessão liminar de salvo-conduto ao paciente JORGE REIS para assegurar-lhe que não será preso em razão de não poder cumprir com a pena alternativa de prestação pecuniária fixada no valor de um salário-mínimo e meio pelo prazo de 2 anos e 8 meses, imposta no recurso de apelação do paciente cujo julgamento encontra-se fulminado de nulidade absoluta.
Por ventura deferida a liminar requer sua imediata comunicação ao Juízo da Execução Penal n.º 2002.71.07.000952-2 (Vara Federal Criminal de Caxias do Sul/RS).
Como pedido principal, requer a confirmação da liminar e a declaração da nulidade do julgamento da Apelação Criminal n.º 2001.04.01.009662-4/RS do Egrégio Tribunal Federal da 4ª Região, na parte em que houve violação ao disposto no art. 617 do Código de Processo Penal, para que outro seja proferido sem o agravamento da situação do apelante, ora paciente, no tocante à fixação da pena de multa e da substituição da pena privativa de liberdade imposta na sentença condenatória.
Assim, espera-se que, pedidas as informações e preenchidas as formalidades legais, seja concedida a ordem nos termos em que impetrada, por ser medida de inteira JUSTIÇA.
Por fim, requer a intimação da Defensoria Pública da União perante esse colendo Tribunal Superior para que possa acompanhar e se manifestar sobre o presente writ, inclusive, quanto à possibilidade de fazer sustentação oral, se entender necessário.
Caxias do Sul/RS, 05 de novembro de 2002.
Anginaldo Oliveira Vieira
Defensor Público da União
Esse valor, atualizado no cálculo da pena de multa efetuado no Processo de Execução n.º 2002.71.07.000952-2, importa em R$ 1.502,50, em março de 2002. ↑