DIREITO DE FAMÍLIA APELAÇÃO HELENA TEIXEIRA FERREIRA P. 120.354 6 COMPANHEIRO C
EXM0. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 16a VARA DE FAMÍLIA DA COMARCA DA CAPITAL
PROCESSO Nº 120.354-6
HELENA TEIXEIRA FERREIRA, brasileira, casada, do lar, residente na rua Nicínio de Barcelos, nº 39, casa 101, Irajá, RJ, não se conformando, data venia, com a r. sentença de fls. 13/14 vem, pela Defensora Pública infra-assinada, interpor o presente recurso de
APELAÇÃO
requerendo a V. Exa. que sejam as razões em anexo encaminhadas à Superior Instância.
P. deferimento
Rio de Janeiro, 12 de novembro de 1998.
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RAZÕES DE APELAÇÃO
APELANTE: HELENA TEIXEIRA FERREIRA
APELADO: JORGE SILVA DE MORAIS
EGRÉGIA CÂMARA
I- DOS FATOS
Merece ser reformada a r. sentença de fls.13/14, pelas razões a seguir expostas:
A apelante propôs a presente AÇÃO DE ALIMENTOS , exercendo um direito que lhe é conferido pelo art. 7º da Lei 9.278/96, decorrente do dever de assistência material imposto aos conviventes pelo art. 2º II da referida lei, expondo na inicial que viveu com o apelado como se casados fossem por 16 anos, sendo que durante tal período dedicou-se tanto aos afazeres domésticos como exerceu atividade laborativa remunerada para a complementação do orçamento familiar até novembro de 1997.
Expôs, ainda, que, em 10 de fevereiro de 1998 o apelado abandonou a morada comum, não mais prestando qualquer auxílio à apelante, que vem passando por sérias privações, pois, em razão de doença cardíaca, encontra-se impossibilitada para o trabalho, motivo pelo qual não lhe restou outra opção senão ingressar com a Ação de Alimentos a fim de obter do ex-convivente a ajuda necessária ao seu sustento, protestando pela produção de prova documental, testemunhal e depoimento pessoal do apelado em audiência.
Às fls. 07, juntou declaração de duas testemunhas, com firma reconhecida, comprovando a duração da união por mais de quinze anos , às fls. 12 o MP opinou pelo processamento no rito ordinário, em razão do estado civil do apelado e às fls. 13/14, a MM Dra. Juíza proferiu sentença extinguindo o processo, sem julgamento do mérito , com base no art. 267,VI do CPC ou seja, por ausência de uma das condições da ação, em razão de que “a Lei 9278/96 aplica-se aos casos existentes no curso de sua vigência, todavia não abrange aqueles em que as pessoas envolvidas sejam casadas” , sendo que “a própria autora informa estar apenas separada de fato de seu marido”e que “este por seu turno também é casado”, assim fundamentando sua decisão:
“A Lei 9.278/96 refere-se aos solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos, que simplesmente optam por não casar e não àquelas pessoas que sendo casadas e assim ligadas a terceiros, inclusive no aspecto patrimonial e tendo perante os cônjuges os deveres elencados na lei civil.”
A Constituição Federal veio amparar a união estável, não o adultério e muito menos desmerecer o casamento civil.”
Data vênia, conforme veremos no ítem II a seguir, com o advento da Lei 9.278/96, que não se refere ao estado civil dos conviventes, não mais persiste a exigência de serem judicialmente separados, divorciados, solteiros ou viúvos.
A Lei exige, tão somente, “a convivência duradoura, pública e contínua de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”, requisitos estes que se aplicam integralmente ao caso em tela, pois uma convivência more uxorio por 16 anos demonstra o objetivo de constituição de família, tendo a separação de fato dos conviventes de seus respectivos cônjuges se consolidado pelo tempo, esclarecendo a apelante que, por um lapso, constou em sua qualificação na inicial como separada judicialmente, quando está separada de fato de seu cônjuge há cerca de 25 anos.
ESSES OS FATOS.
II- DO DIREITO, DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA
A Lei 8.971/94, que regulava o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão, expressamente colocava como uma das condições para a exigibilidade de tais direitos que fossem os companheiros solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos, entendendo alguns autores à época, como o Des. CARLOS ALBERTO DIREITO e BASÍLIO DE OLIVEIRA que tal limitação reservava-se ao companheiro obrigado a prestar alimentos, expondo tal ponto de vista respectivamente in Revista de Direito Renovar, nº 1, p. 42 e in Direito Alimentar e Sucessório entre Companheiros, p. 56.
No entanto, com o advento da Lei 9.278/96, que definiu como entidade familiar “a convivência duradoura, pública e contínua de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”, sem fazer qualquer referência à qualificação dos conviventes, da existência de prole ou, em não havendo, ao prazo de 5 anos de duração para a caracterização da união estável, inúmeros renomados autores posicionaram-se no sentido de que , desde que entrou em vigor a referida lei, não mais persiste a limitação referente ao estado civil dos conviventes.
J. M. LEONI LOPES DE OLIVEIRA, em sua obra ALIMENTOS E SUCESSÃO NO CASAMENTO E NA UNIÃO ESTÁVEL esclarece que com relação às leis 8.971/94 e 9.278/96, “o caso é de derrogação, e não de ab-rogação” (ob. cit.. 3a ed., 1997,p. 118) consistindo esta em revogação total da lei anterior e a primeira em revogação parcial .
E continúa o autor:
“Ora, no caso em estudo, verificamos que a Lei nº 8.971 foi simplesmente derrogada e não ab-rogada.”(ob. cit. p. 121).
Analisando os requisitos de uma e de outra das referidas leis, conclui o citado autor:
“O requisito de cinco anos para configuração da união estável sem prole foi derrogado pela atual Lei 9.278/96.
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A Lei nº 8.971/94 exigia que os companheiros fossem solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos, Esta característica, a nosso ver, também foi derrogada pela Lei 9.278/96.”(ob. cit. p. 128).
“Em função do novo texto do art. 1º da Lei nº 9.278/96, somos que não cabe mais a exigência de que ambos os conviventes sejam separados judicialmente, divorciados ou viúvos, em virtude da omissão , na referida norma, dessa exigência.”(ob. cit. p. 92).
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“Deve-se ressaltar, sob pena de amparar relacionamentos esporádicos que, para a caracterização de união estável em que um dos parceiros seja casado com terceiro, deve existir uma separação de fato em relação ao cônjuge, além das demais características: diversidade de sexos; coabitação; estabilidade; publicidade; fidelidade; finalidade; e, por último, affectio societatis.” (ob. cit. p. 92).
E cita outros autores que acompanham tal posicionamento:
“..... De notar que esta restrição não mais subsiste. A restrição foi revogada pela Lei nº 9.278, que define a entidade familiar (art. 1º) e possibilita os alimentos entre os conviventes (art. 7º) , sem qualquer menção ao estado civil dos mesmos.”( RAINER CZAJKOWSKI, in União Livre, p. 48).
“ Mais justa é a corrente pretoriana que concede efeitos jurídicos às uniões envolvendo pessoas separadas de fato há algum tempo. Esta corrente entende que, tendo os bens sido adquiridos durante o concubinato, não devem integrar o patrimônio do casal, não fazendo jus, o cônjuge, à meação”. (GISELDA MARIA SCALON SEIXAS SANTOS , in União Estável e Alimentos, p. 81)
“ Sustentamos (com apoio em forte corrente jurisprudencial) que a união estável pode envolver pessoas casadas, quando há separação de fato do cônjuge impedido.” ( J. FRANKLIN ALVES FELIPE, in Adoção, Guarda, Investigação de Paternidade e Concubinato, p. 176).
“ Outra modificação que nos parece fundamental se refere ao estado civil dos conviventes. A lei nova não reproduz o texto anterior que aludia, expressamente, à condição de solteiro, viúvo, separado judicialmente ou divorciado, inibindo, assim, o reconhecimento da união estável se um dos conviventes, ou ambos, eram casados.
O novo texto nos parece bem melhor, permitindo o reconhecimento da união estável e dos direitos dela decorrentes , mesmo que um dos conviventes, ou ambos, sejam casados, desde que de fato separados.” (SYLVIO CAPANEMA, in A Lei 9278 e o novo Regime de União Estável, in Doutrina, Rio de Janeiro, ID Instituto de Direito, coordenado por James Tubenchalk, 1996).
Também os Tribunais têm-se posicionado nesse sentido, conforme demonstram as seguintes decisões :
APELAÇÃO CÍVEL 1287/97- 5a Câmara Cível do Rio de Janeiro; Des. Carlos Ferrari; Julgamento: 20/05/97.
“Alimentos. União de fato que persistiu por mais de 24 anos. Indeferimento da inicial ao fundamento de que o reconhecimento da união estável pressupõe o objetivo do casamento, impossível na hipótese por já ser casado o réu, entendimento resultante da interpretação do artigo 1. da Lei 8971/94 e artigo 8. da Lei 9278/96.
Apelação.
União estável.
Não há de ler-se no artigo 8. da Lei 9278/96 a inexistência de impedimento para o casamento como condição do reconhecimento da união estável, pois se assim fosse o dispositivo seria inconstitucional, porquanto o parágrafo 3. do artigo 226 da lei magna não prevê aquela condição. Em resumo, não pode a lei ordinária restringir o conceito de união estável.
Não subsiste o art. 1. da Lei 8971/94, posto que o direito a alimentos é previsto no artigo 7. da lei nova, sem os requisitos prescritos na anterior para a sua concessão.
Sentença cassada.(ETD)”
( grifos nossos - Revista de Direito do TJERJ, vol. 33, p. 134; Ementário: 19/97 - n. 06 - 25/09/97).
APELAÇÃO CÍVEL 411/96 - 3a Câmara Cível do Rio de Janeiro- Des. Humberto Perro - Julgamento: 30/04/96.
“Sociedade de fato. Homem casado que mantém união estável com outra mulher por longos anos. Conquanto não esteja caracterizada exatamente a sociedade de fato, o longo convívio com a prestação de serviços e ainda a ajuda ao parceiro impõe a fixação de alimentos a título de auxílio à concubina abandonada, pelo fato de ter adquirido moléstia incurável. (DSF)”
( grifos nossos - Ementário 18/96 - n. 30 - 31/10/96.)
No caso em tela , a apelante na inicial esclareceu que viveu com o apelado como se casados fossem, convivendo sob o mesmo teto durante 16 anos, tendo ocorrido o rompimento da união em fevereiro de 1998, já sob a égide da lei nova. Se conviveram more uxorio , obviamente estavam separados de fato de seus cônjuges durante o período em que mantiveram a união estável.
Com a inicial, a apelante anexou declaração de duas testemunhas com firma reconhecida atestando a existência da união estável, o que configura prova pré-constituída.
Em havendo prova pré-constituída, autores entre os acima citados entendem poder ser aplicado o rito da Lei 5.478/68, como afirma SYLVIO CAPANEMA:
“No que concerne a alimentos, embora não tenha a lei nova, como o fez a anterior, aludido expressamente à possibilidade de se invocar a Lei 5.478/68, entendemos continuar sendo isto possível, já que passou a ser dever recíproco, o de mútua assistência material e moral.
O problema delicado é o da prova da existência da união estável para autorizar a concessão dos alimentos provisórios.”(citação in ALIMENTOS E SUCESSÃO NO CASAMENTO E NA UNIÃO ESTÁVEL,p. 153).
E na mesma obra, seu autor J.M. LEONI LOPES DE OLIVEIRA afirma:
“Provando o convivente a obrigação alimentar através de qualquer dos meios de prova pré-constituída, poderá valer-se do rito da Lei nº 5.478/68” (ob. cit. p. 152).
Não teria fundamento, pois, a exigência da representante do MP às fls. 12 de ser o feito processado pelo rito ordinário, em razão do estado civil do réu.
Ora, o estado civil dos conviventes não constitui requisito de admissibilidade da ação, a teor da Lei 9.728/96, em vigor, não podendo, pois, a MM Dra. Juíza , data venia, ter julgado extinto o feito, sem julgamento do mérito, com fundamento na ilegitimidade das partes em razão do estado civil , ilegitimidade esta que não se verifica, conforme demonstrado acima, com o posicionamento de nossos mais renomados autores e de nossos Tribunais.
III- DO PEDIDO:
Por todo o exposto, requer a apelante a Vs. Exas. a reforma da r. sentença de fls. 13/14 que julgou extinto o processo, sem julgamento do mérito, por ilegitimidade das partes, e seja dado prosseguimento ao feito, por ser medida de JUSTIÇA!
Nestes Termos
P. deferimento
Rio de Janeiro, 12 de novembro de 1998.
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