CONCURSO ALTERAÇÃO DA ORDEM CLASSIFICATÓRIA PRETERIÇÃO D
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DA CAPITAL
JUÍZO DE DIREITO DA 10ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA
Processo nº 2012.001.075902-8
SENTENÇA
I
IRENE PACHECO CANTUARIA, qualificada na inicial, propôs a presente ação em face da FUNDAÇÃO JOÃO GOULART e do MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, objetivando assegurar sua posse no cargo de Professor I, de Educação Física deste Município, com o conseqüente pagamento da remuneração desde a ocasião em que foi chamado o candidato a ocupar a 289ª, além de indenização por danos morais.
Como causa de pedir, alega a parte autora, em síntese, ter participado do Concurso Público para ingresso no cargo de Professor I, de Educação Física do Quadro Permanente deste Município, vindo a ser aprovada e classificada, inicialmente, em 253o lugar. Esclarece, então, que os réus convocaram os candidatos classificados até a 289ª colocação para Educação Física. Posteriormente, houve uma retificação da classificação final dos candidatos, em razão de contagem errada da prova de títulos, vindo a autora a ocupar a 289ª classificação. Contudo, ainda que sua nova classificação permitisse o seu ingresso no cargo desejado, sua posse não foi efetivada, em razão de outras pessoas, com pontuação inferior, já terem sido convocadas. Assim, por ter sido preterida indevidamente, propõe a presente demanda (fls. 02/05).
Com a inicial vieram os documentos de fls. 06/17.
Devidamente citada, a Fundação João Gourlart apresentou contestação (fls. 25/37), mencionando, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, além da falta de interesse de agir. No mérito, enfatiza que a reclassificação dos candidatos aprovados no certame, diversamente do alegado pela parte autora, não tem efeitos ex tunc, mas sim ex nunc. Com isto, a reclassificação não importa em nulidade da convocação anterior, sob pena de violação ao princípio da segurança jurídica. Por fim, observar que, em razão da reclassificação, outros candidatos melhor posicionados em relação a autora, continuam aguardando convocação, o que importa em óbices para o acolhimento do pedido. Na eventualidade, impugna as parcelas pleiteadas a título de atrasados e a indenização a título de danos morais.
Com a contestação vieram os documentos de fls. 38/50.
Citado, o Município do Rio de Janeiro apresentou contestação (fls. 51/63), tecendo considerações sobre a validade do ato praticado, nos mesmos termos daquela apresentada pela primeira ré.
Com as contestações vieram os documentos de fls. 68/76.
Réplica às fls. 79/81.
Parecer do Ministério Público às fls. 92/98, no sentido da improcedência do pedido.
Decisão às fls. 97/98, convertendo o julgamento em diligência, para que a autora incluísse no pólo passivo, na qualidade de litisconsortes passivos necessários, os candidatos cuja classificação foi alterada em virtude da reclassificação.
Manifestação da parte autora às fls. 101/102.
O Município do Rio de Janeiro esclarece ao Juízo ter ocorrido alteração na classificação final, em virtude de modificação dos critérios de aferição da prova de títulos, com base no Decreto nº 20896/01, e na Resolução Conjunta SMA/FJG nº 051 (fls. 105/106).
II
É o relatório. Fundamento e decido.
Inicialmente, cabe a análise das preliminares levantadas.
A primeira delas, referente a ilegitimidade passiva da Fundação João Goulart, merece ser acolhida. Esta apenas instrumentalizou a via para a investidura nos quadros da Administração, não tendo atribuição para decidir sobre a nomeação e posse dos candidatos, que fica a cargo do Município do Rio de Janeiro.
Assim, deve o feito ser extinto, sem análise do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, em relação à Fundação João Goulart.
A segunda, relativa a falta de interesse de agir, não prospera. O interesse, como necessidade para obtenção do pedido, se coloca presente, na medida em que, segundo alegado, teria a Administração convocado para tomar posse candidatos aprovados em posição inferior àquela ocupada pela autora, conforme a classificação final do certame, a denotar a necessidade de vinda ao Judiciário para ver se correta a conduta em comento.
Por fim, antes de adentrar no mérito, observo, contrariamente ao determinado pela ilustre Magistrada em exercício às fls. 97/98, a desnecessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário, visto que o seu cabimento tem espaço quando se está diante de relação jurídica incindível. E no caso isto não ocorre, pois os efeitos de uma decisão favorável a autora, não irá alterar a nota ou a classificação dos demais candidatos.
Veja-se que a pretensão da autora se volta para a sua nomeação e posse, em virtude da sua classificação final lhe assegurar este direito.
Assim, a controvérsia trazida a debate não implicará na invasão da esfera jurídica dos demais candidatos, razão pela qual não há que se falar na citação deles para integrar a lide.
Superada a matéria preliminar, entra-se no mérito.
Aqui, o primeiro ponto a ser enfrentado diz respeito à ocorrência de uma retificação da classificação, ou seja, de um erro na contagem de pontos relativa à prova de títulos que deu ensejo à alteração da classificação final dos candidatos, passando a autora da 253ª colocação para a 289ª posição.
Quanto a esta retificação na contagem dos pontos referentes à prova de títulos, não existe dúvida de sua ocorrência. De fato, o próprio Município a reconhece em sua contestação e, inclusive, junta aos autos documentos neste sentido (fls. 80/83 e 106).
A mencionada reclassificação dos candidatos se deu em virtude da interposição de recursos administrativos, conforme consta à fl. 80. Diante desta alteração, a autora passou a ocupar o 289o lugar, posição esta que lhe garantia o direito de ser convocada, pois a Administração, antes da retificação da listagem dos aprovados, nomeou exatamente 289 pessoas.
Esta situação retrata que a autora, caso não houvesse precipitação por parte da Administração em convocar os candidatos aprovados - sem aguardar o resultado final dos recursos interpostos - seria nomeada e empossada.
Como houve convocação com base em lista que depois veio a ser alterada, evidente a preterição, pois candidatos com nota inferior foram nomeados.
Com isto, não pode ser a parte autora prejudicada por um erro causado pelo Poder Público.
A tese levantada pelo réu no sentido de que existem outros candidatos reclassificados em melhor posição do que a ocupada pela autora, a justificar o descabimento do pedido, não se sustenta. Referidos candidatos possuem igual direito, pois deveriam ter preenchido as vagas que foram ocupadas por outros com notas inferiores.
O argumento do réu apenas reforça a idéia de convocação errada, sem observância da ordem de classificação válida, violando direito subjetivo dos interessados.
A propósito, dispõe a Súmula 15 do STF que “dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação”.
Não há nisso comprometimento ao princípio da segurança jurídica. Antes ao contrário. Este princípio impõe, por primeiro, o respeito à legalidade, e chama a perspectiva da autotutela – como se deu através da reclassificação – para se rever os atos viciados, repercutindo os efeitos retroativamente.
Neste sentido, vale ainda destacar os seguintes julgados:
“ADMINISTRATIVO - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - PROFESSORA - APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO - EXISTÊNCIA DE VAGA - CONVOCAÇÃO DE TERCEIROS DENTRO DO PRAZO DE VALIDADE DO CERTAME - CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA - IMPOSSIBILIDADE - DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO.
1 - A recorrente possui direito líquido e certo à sua nomeação no cargo de Professora da disciplina Geografia no Município de Jardim do Estado de Mato Grosso do Sul, em razão de sua aprovação em Concurso Público. Com efeito, não há como sustentar a inexistência de vaga para o referido cargo, pois a que deveria ter sido preenchida pela recorrente, aprovada em 1º lugar, está sendo exercida por terceiros contratados precariamente. Ressalte-se que tais contratações estão sendo realizadas dentro do prazo de validade do supracitado Concurso Público, cujo término está previsto somente para o dia 22.12.03, de acordo com o Decreto nº 10.579/01.
2 - Precedentes (REsp nºs 876.238/SC, 263.071/RN; e MS nº 8.011/DF).
3 - Recurso conhecido e provido para, reformando in totum o v. acórdão de origem, conceder a ordem, nos termos em que pleiteada na inicial.”
(STJ, ROMS - RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 16399, Processo: 200300831368, UF: MS, Órgão Julgador: QUINTA TURMA, in DJ do dia 08/03/2012).
“ADMINISTRATIVO – RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PÚBLICO – CANDIDATO APROVADO – NOMEAÇÃO DE CANDIDATOS EM POSIÇÃO INFERIOR – PRETERIÇÃO – DESRESPEITO A ORDEM DE CLASSIFICAÇÃO – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – EXISTÊNCIA.
É incontroverso na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que os candidatos aprovados em concurso público são detentores de mera expectativa de direito à nomeação pela Administração, a qual não tem a obrigação de nomeá-los dentro do prazo de validade do certame.
Ocorrendo preterição do impetrante em benefício de outros candidatos aprovados em classificação inferior para o provimento de vagas do mesmo cargo, nasce o direito de nomeação.
Recurso ordinário provido. Segurança concedida” (RMS 15027/BA, Min. VICENTE LEAL, 6a Turma, J. 18.12.02, DJ 17.02.03).
Cabe ressaltar, ainda, que há pedido de antecipação dos efeitos da tutela, no sentido de que seja dada imediata posse no cargo ao qual concorreu e logrou aprovação a autora, o que não fora apreciado. Destarte, considerando-se os motivos acima expostos, impõe-se o seu deferimento, visando minimizar os prejuízos já causados.
O cabimento da referida medida é possível, quando presentes os seus pressupostos, nos termos das Súmulas 59 e 60, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ficando afastada, por conseguinte, tese levantada em sentido contrário pelos réus.
Confirmado o direito da autora, entra-se no exame do segundo ponto da causa, que diz respeito ao pedido de pagamento de toda a remuneração devida, desde o momento em que foi chamado o candidato que ocupava erradamente a 289ª colocação.
Esta pretensão não pode ser acolhida, pois a concessão dessa remuneração somente tem fundamento a partir da posse e início do exercício no cargo.
Sobre o assunto, vale a seguinte lição de HELY LOPES MEIRELLES: “A investidura do servidor no cargo ocorre com a posse. A posse é conditio juris da função pública. Por ela se conferem ao servidor ou ao agente político as prerrogativas, os direitos e os deveres do cargo ou do mandato. Sem a posse o provimento não se completa, nem pode haver exercício da função pública. É a posse que marca o início dos direitos e deveres funcionais, como também gera as restrições, impedimentos e incompatibilidades para o desempenho de outros cargos, funções ou mandatos. (...) É o exercício que marca o momento em que o funcionário passa a desempenhar legalmente suas funções e adquire direito às vantagens do cargo e à contraprestação pecuniária devida pelo Poder Público.” (in Direito Administrativo Brasileiro, Hely Lopes Meirelles, 26ª edição, pág. 806)
Este também o entendimento da jurisprudência, valendo sobre o assunto, o seguinte julgado do STJ:
“RECURSO ESPECIAL – PROCESSO CIVIL – CONCURSO PÚBLICO – PRETERIÇÃO DE CANDIDATOS – INVALIDAÇÃO DO ATO – DIREITO À POSSE – PERCEPÇÃO RETROATIVA DE VENCIMENTOS – IMPOSSIBILIDADE - ... .
I – ...
II – Não fazem jus à percepção de vencimentos retroativos à data em que seriam nomeados, os candidatos que foram preteridos na nomeação em concurso público. O proveito econômico decorrente da aprovação em concurso público condiciona-se ao exercício do respectivo cargo. (Precedente: RESP 383802/DF, Rel. p/ acórdão Min. José Delgado, DJU de 07/10/2012). (...). Recurso parcialmente conhecido e, nesta extensão, parcialmente provido” (RESP 883680/RS, Rel. Min. FELIX FISHCER, 5a Turma, J. 08.11.03, DJ 09.12.03).
Assim, não há que se falar em condenação do Município ao pagamento de remuneração, uma vez que esta é a contraprestação de serviço exercido. Se, por qualquer razão, o serviço não foi prestado, não tem a autora direito aos vencimentos.
Resta, por fim, saber sobre o pedido de compensação por danos morais.
Este não encontra-se caracterizado. O erro em que incidiu a Administração não trouxe maiores conseqüências para a autora, pois sequer demonstrou ter se desvinculado do seu empregador – Senac – face a expectativa de ser convocada para ocupar cargo junto a Administração Municipal.
Os aborrecimentos, a frustração decorrente da falta de convocação não tem o condão de interferir intensamente no comportamento emocional da autora, a ponto de pretender ser compensada moralmente.
III
Ante o exposto:
I - JULGO PROCEDENTE em parte o pedido, em face do Município do Rio de Janeiro, para:
- Determinar que o Município do Rio de Janeiro proceda a nomeação e posse da autora, Irene Pacheco Cantuária, de acordo com a classificação obtida em 289° lugar;
- Conceder a tutela antecipada, determinando desde já a posse da autora.
Imponho ao réu os ônus sucumbenciais, fixando os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa.
II – JULGO EXTINTO, sem análise do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, o processo, em relação a Fundação João Goulart.
Imponho a autora os ônus sucumbenciais, fixando os honorários advocatícios em 10% do valor da causa, nos termos do art. 12, da Lei nº 1060/50.
Submeto a eficácia da sentença ao duplo grau de jurisdição obrigatório.
P.R.I..
Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 2012.
RICARDO COUTO DE CASTRO