ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA CONTRATO DE GAVETA

ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PODER JUDICIÁRIO

COMARCA DA CAPITAL

JUÍZO DE DIREITO DA 10ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA

Processo nº 2012.001.123753-8

SENTENÇA

Vistos etc...

I

MILTON MADEIRA VILA e FÁTIMA PINHEIRO VILA, qualificados na inicial, aXXXXXXXXXXXXaram a presente AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA DE IMÓVEL, em face da COMPANHIA ESTADUAL DE HABITAÇÃO DO RIO DE JANEIRO – CEHAB, pretendendo que lhes sejam adjudicados imóvel adquirido da ré.

Como causa de pedir, alegam os autores que em 18/02/88, adquiriram de Roberto Ferraz da Costa, por intermédio do chamado “contrato de gaveta”, o imóvel situado na Rua Cézar do Rego Monteiro Filho, n. 180, Bloco 89, apto. 503, Engenho da Raínha, nesta cidade. Aduzem que o cedente adquirira o aludido imóvel de Albino Martins Pereira, originário promitente comprador da ré. Afirmam que desde a aquisição dos direitos sobre o imóvel, vêm pagando regularmente todos os encargos a ele referentes, já tendo, inclusive, integralizado o pagamento do preço.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 05/82.

Devidamente citada, a ré apresentou contestação (fls. 88/90), acompanhada dos documentos de fls. 91/118, aduzindo, preliminarmente, a incompetência ratione materiae da 8ª Vara Cível da Capital, para onde o presente feito foi originariamente distribuído, bem como sua ilegitimidade passiva ad causam. No mérito, afirma que o “contrato de gaveta” não lhe pode ser oposto em razão de não ter dele participado. Acrescenta que a referida cessão de direitos não estava prevista no contrato original, razão pela qual não poderia subsistir.

Em réplica (fls. 121/128), a parte autora reafirmou seus argumentos.

Em decisão de fls. 138/139, o Juízo da 8ª Vara Cível rejeitou as preliminares suscitadas, e assinou data para AIJ. Desta decisão, a parte ré interpôs agravo de instrumento, de que resultou acórdão no sentido de acolher a pretensão da recorrente, determinando a redistribuição do feito para uma das Varas Fazendárias da Capital.

Parecer do Ministério Público a fls. 176/179, no sentido da ausência de interesse público a justificar sua atuação no presente feito.

Despacho saneador a fls. 180/180v, rejeitando a ilegitimidade passiva arguida pela ré, e indeferindo prova oral requerida pela parte autora.

Em memoriais (fls. 198/206), as partes reeditaram seus argumentos.

II

É o relatório. Fundamento e decido.

Considerando que as preliminares de incompetência absoluta e ilegitimidade passiva já foram decididas, passo ao mérito do processo.

Cabe razão à parte autora.

O denominado “contrato de gaveta” tornou-se prática reiterada do mercado, visando a driblar as rígidas estipulações contratuais do setor de financiamento imobiliário.

Embora sem previsão legal, o “contrato de gaveta” acabou por conquistar o amparo da jurisprudência dominante, particurlarmente após a edição da L. n. 10.150, de 21/12/2012, a qual trouxe a possibilidade de regularização de tais avenças.

Com efeito, dispõe o art. 20, caput, do aludido diploma que: As transferências no âmbito do SFH, à exceção daquelas que envolvam contratos enquadrados nos planos de reajustamento definidos pela Lei n. 8.692, de 28 de junho de 1993, que tenham sido celebradas entre o mutuário e o adquirente até 25 de outubro de 1996, sem a interveniência da instituição financiadora, poderão ser regularizados nos termos desta lei.

A partir de tal disposição, a jurisprudência majoritária passou a orientar-se no sentido de considerar como válidas e eficazes as transferências operadas após a contratação inicial, mesmo sem a interveniência do agente financiador, ou do promitente vendedor. Cite-se como paradigma, o seguinte aresto:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO – "CONTRATO DE GAVETA" - LEI 10.150/2012 - LEGITIMIDADE – SÚMULAS 282 E 288/STF.

1. Não se conhece de recurso quando as teses trazidas no especial carecem de prequestionamento.

2. Aplica-se o teor da Súmula 288/STF, considerando-se deficiente a fundamentação, quando o recorrente não aponta, com clareza e precisão, o dispositivo de lei violado.

3. O adquirente de imóvel através de "contrato de gaveta", com o advento da Lei 10.150/200, teve reconhecido o direito à sub-rogação dos direitos e obrigações do contrato primitivo. Por isso, tem o cessionário legitimidade para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos.

8. Recurso do IPERGS não conhecido. Recurso da CEF conhecido emparte e improvido. (RESP 705231/RS ; Relator(a) Ministra ELIANA CALMON).

Também nesse sentido tem se manifestado o nosso Tribunal:

ADJUDICACAO DE IMOVEL - CONTRATO DE GAVETA - PROMESSA DE CESSAO DE DIREITOS RELATIVOS A IMOVEL - OUTORGA DE ESCRITURA DEFINITIVA - PROCEDENCIA DO PEDIDO .
Adjudicacao de imovel. Contrato de gaveta. Ausencia de interveniencia do agente financeiro nas promessas de cessoes. Nos casos em que ha' transferencia de direitos aquisitivos por instrumento particular sem a interveniencia da credora hipotecaria (Agente Financeiro), tem-se entendido que essas promessas de cessoes devem ser admitidas em homenagem `a regularizacao da unidade no RGI, autorizando-se a CEHAB a outorgar `a autora a definitiva escritura de compra e venda, diante do silencio dos anteriores cessionarios, regularmente citados. Situacao fatica que permite a exclusao da CEHAB da lide, diante do expresso reconhecimento de que, tendo recebido o preco ajustado, estara' pronta para outorgar ao vencedor da acao a necessaria escritura de compra e venda do apartamento. Recurso provido”
. (P.2012.001.25793 - Des. DES. PAULO GUSTAVO HORTA)

CONSIGNACAO EM PAGAMENTO - FINANCIAMENTO DA CAIXA ECONOMICA FEDERAL - SENTENCA CONFIRMADA -

AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. Contrato de financiamento de imóvel comprado pelo S.F.H. Autora que fez com o mutuário contrato de "gaveta". Embora tal avenca constitua "res inter allios acta” entre o mutuário e a apelada, o certo é que tendo esta última pago as prestações relativas aos imóveis, nada lhe impede quitar o preço, usando da faculdade outorgada na Lei 8008 de 18/3/90. Reconhecer, na motivação a abusividade de cláusula não implica em decisão extra posto que proferida "incidenter tantum". APELO IMPROVIDO”.(P. 2003.001.31791 - DES. CELSO FERREIRA FILHO)

SISTEMA FINANCEIRO DA HABITACAO - CONTRATO DE MUTUO - NOVACAO DA DIVIDA
IMOBILIÁRIO - SISTEMA FINANEIRO DE HABITAÇÃO - CONTRATO DE GAVETA. Cessionários de direitos e obrigações por instrumento particular sem interveniência do agente financeiro. Pagamento das prestações pelo cessionário durante mais de 10 anos. Legitimidade deste para discutir o débito, pretendendo ver reconhecida a novação. Leis 8.692/93 e 8008/90”.
(P.2012.001.09772 - Des. DES. LEILA MARIANO)

Na hipótese trazida aos autos, as figuras de agente financiador e de promitente vendedora se concentram na pessoa da ré.

Argumenta a ré que não teria participado das cessões de direito do imóvel em referência, sendo tais avenças, por essa razão, a ela inoponíveis. Diante da atual orientação, contudo, desvela-se de todo irrelevante que a CEHAB tenha participado das cessões realizadas posteriormente ao contrato inicial, exigindo-se, tão-somente, que para a adjudicação definitiva, o cessionário tenha integralizado o preço do imóvel.

Nesse sentido, reproduza-se o ilustrativo acórdão abaixo ementado:

SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. TRANSFERÊNCIA DE FINANCIAMENTO. NÃO INTERVENÇÃO DO AGENTE FINANCEIRO. "CONTRATO DE GAVETA". PAGAMENTO INTEGRAL DO MÚTUO. SITUAÇÃO CONSOLIDADA PELO LAPSO TEMPORAL.

1. Se a transferência de imóvel financiado apesar de efetivada sem consentimento do agente financeiro consolidou-se com o integral pagamento das 180 prestações pactuadas, não faz sentido declarar sua nulidade.

2. Em tal circunstância, os agentes financeiros, que se mantiveram inertes, enquanto durou o financiamento, carecem de interesse jurídico, para resistirem à formalização de transferência. (RESP 355771 – RS - Relator(a) Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS )

Aduz a ré, ainda, que as cessões de direito efetivadas após a contratação originária, sem a sua participação, contrariaram o disposto na avença celebrada primitivamente.

Todavia, de acordo com a orientação prevalecente, mesmo que do contrato inicial conste cláusula expressa vedando ulteriores transferências, estas se reputam, ainda assim, eficazes em relação à promitente vendedora. Senão, vejamos:

CIVIL. "CONTRATO DE GAVETA". SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO.

A Caixa Econômica não pode recusar a alienação de bem que lhe esteja hipotecado em garantia de financiamento efetuado pelo Sistema Financeiro da Habitação, pelo só e só fato de existir cláusula contratual que vede essa transferência. Recurso não conhecido.(RESP 189350/ SP - Relator(a) Ministro BARROS MONTEIRO)

Restaria apenas, para se autorizar a adjudicação do imóvel em favor dos autores, que se comprovasse a integralização do preço.

A esse respeito, percebe-se que a parte autora acostou aos autos farta documentação indicativa de quitações parciais.

A parte ré, a seu turno, embora intimada a fazer prova da inocorrência da quitação integral (fls. 197), deixou fluir in albis o prazo assinado. Quando de nova oportunidade para falar nos autos, já em memoriais, também deixou de apresentar documantação indicativa de eventual saldo devedor.

De aplicar-se, portanto, a regra processual do art. 333, inciso II do CPC, segundo a qual cabe à parte ré o encargo de comprovar fato impeditivo ou extintivo do direito do autor.

Tal encargo, uma vez desatendido, autoriza a concluir pela prevalência do interesse autoral, suportando a parte ré o ônus de não ter produzido contraprova apta a desconstituir as alegações dos requerentes.

III

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, adjudicando em favor dos autores o imóvel em referência.

Condeno a parte ré no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes no importe de 10% sobre o valor da causa, a teor do disposto no art. 20, p. 3º do CPC.

P.R.I.

Rio de Janeiro, 10 de maio de 2012.

RICARDO COUTO DE CASTRO

XXXXXXXXXXXX DE DIREITO