ADIN DOS BANCOS

Supremo Tribunal Federal
Diário da Justiça de 29/09/2006

07/06/2006 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO FEDERAL

RELATOR ORIGINÁRIO : MIN. CARLOS VELLOSO RELATOR PARA O : MIN. EROS GRAU
ACÓRDÃO

REQUERENTE

: CONFEDERAÇÃO

NACIONAL

DO

SISTEMA

FINANCEIRO - CONSIF
ADVOGADOS : IVES GANDRA S. MARTINS E OUTROS REQUERIDO : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
REQUERIDO : CONGRESSO NACIONAL

EMENTA: CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA DE JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL.

1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor.

2. “Consumidor”, para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição, o que importa em que o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia estejam excluídas da sua abrangência.

Ao Conselho Monetário Nacional incumbe a fixação, desde a 4.

perspectiva macroeconômica, da taxa base de juros praticável no mercado financeiro.

5. O Banco Central do Brasil está vinculado pelo dever-poder instituições financeiras, em especial na de fiscalizar as
estipulação contratual das taxas de juros por elas praticadas no desempenho da intermediação de dinheiro na economia.

Ação direta julgada improcedente, afastando-se a exegese 6.

que submete às normas do Código de Defesa do Consumidor [Lei n. 8.078/90] a definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, sem prejuízo do controle, pelo Banco Central do Brasil, e do controle e revisão, pelo Poder Judiciário, nos termos do disposto no Código Civil, em

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ADI 2.591 / DF

cada caso, de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual da taxa de juros.

ART. 192, DA CB/88. NORMA-OBJETIVO. EXIGÊNCIA DE LEI

COMPLEMENTAR

EXCLUSIVAMENTE

PARA

A

REGULAMENTAÇÃO

DO

SISTEMA

FINANCEIRO.

7. O preceito veiculado pelo art. 192 da Constituição do Brasil consubstancia norma-objetivo que estabelece os fins a serem

perseguidos

pelo

sistema

financeiro

nacional,

a

promoção

do

desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos interesses da coletividade.

8. A exigência de lei complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição abrange exclusivamente a regulamentação da estrutura do sistema financeiro.

CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. ART. 4º, VIII, DA LEI N.

4.595/64. CAPACIDADE NORMATIVA ATINENTE À CONSTITUIÇÃO, FUNCIONAMENTO E FISCALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ILEGALIDADE DE RESOLUÇÕES QUE EXCEDEM ESSA MATÉRIA.

9. O Conselho Monetário Nacional é titular de capacidade normativa --- a chamada capacidade normativa de conjuntura --- no exercício da qual lhe incumbe regular, além da constituição e fiscalização, o funcionamento das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano do sistema financeiro. 10. Tudo o quanto exceda esse desempenho não pode ser objeto de regulação por ato normativo produzido pelo Conselho Monetário Nacional.

11. A produção de atos normativos pelo Conselho Monetário Nacional, quando não respeitem ao funcionamento das instituições financeiras, é abusiva, consubstanciando afronta à legalidade.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, julgar improcedente a ação direta.

Brasília, 7 de junho de 2006.

EROS GRAU - REDATOR
P/ O ACÓRDÃO

Supremo Tribunal Federal

17/04/2002 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO FEDERAL

RELATOR

: MIN. CARLOS VELLOSO

DO

SISTEMA

REQUERENTE

: CONFEDERAÇÃO

NACIONAL

FINANCEIRO - CONSIF
ADVOGADOS : IVES GANDRA S. MARTINS E OUTROS REQUERIDO : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
REQUERIDO : CONGRESSO NACIONAL

R E L A T Ó R I O

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO: A CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO SISTEMA FINANCEIRO - CONSIF, com fundamento nos arts. 103, IX, da Constituição Federal, e 1º, 2º, IX, e seguintes da Lei 9.868/99, propõe ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de suspensão

cautelar,

da

expressão

inclusive

as

de

natureza

bancária,

financeira, de crédito e securitária”, constante do art. 3º, § 2º, da Lei 8.078, de 11.9.1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor.

A norma acoimada de inconstitucional tem o seguinte teor:

“Art. 3° (omissis)
(...)
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”

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Alega a autora que a norma impugnada ofende os artigos 5º, LIV; e 192, II e IV, da Constituição Federal; para tanto, sustenta, em síntese:

a) legitimidade ativa da CONSIF, reconhecida na ADIn 2.394-MG, em face do art. 103, IX, da Constituição Federal, mormente porque trata-se de confederação sindical, com registro no Ministério do Trabalho, congregando as Federações representativas das
instituições financeiras, bancárias, de crédito e securitárias, certo que se encontra atendido também o vínculo de pertinência temática, representado pelo liame entre o objeto da ação e a
atividade de representação exercida pela entidade requerente;

b) necessidade de impugnar tão-somente a expressão ora atacada da Lei 8.078/90, dado que, declarada inconstitucional, “fará com que nenhuma outra disposição constante desse diploma possa ser aplicada às atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária” (fl. 05), sem necessidade de impugnação específica de cada uma de suas disposições;

c) violação ao art. 192, II e IV, da Constituição Federal, uma vez que somente lei complementar, que regulará o Sistema

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

Financeiro Nacional, tem competência “para conformar tanto o perfil organizacional dos órgãos e entidade públicas e privadas integrantes do setor financeiro, como o complexo de normas disciplinadoras da própria atividade financeira, para conferir-lhe maior higidez” (fl. 08), conforme decidido no julgamento da ADIn 4-DF, onde teria ficado assentado que todas as matérias pertinentes ao Sistema Financeiro Nacional, contidas no art. 192, deveriam ser objeto de uma única lei complementar; ademais, tendo sido as normas pertinentes ao tema, como a Lei 4.595/64, recepcionadas como lei complementar, padece de inconstitucionalidade a norma impugnada, ao pretender equiparar todas as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária a relações de consumo para o fim de regulá-las, sendo insusceptível de derrogar a lei recepcionada, que desfruta desse status;

d) distinção implícita na Constituição Federal entre consumidor e cliente de instituição financeira, porquanto o art. 170, que consagra o princípio da defesa do consumidor, encontra-se em capítulo referente à “Ordem Econômica”, estando em outro capítulo a disciplina do Sistema Financeiro Nacional, de modo que o texto da

lei

complementar

a

ser

elaborada

de

forma

a

promover

o

desenvolvimento equilibrado do País e servir aos interesses da coletividade, necessariamente abrangerá a proteção do cliente de instituições financeiras, justificando-se a distinção entre as duas

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

categorias de usuários de serviços em virtude de razões de ordem constitucional e pelas situações peculiares de ordem econômica existentes em cada caso;

e) violação ao art. 5º, LIV, da Constituição Federal, visto que o legislador ordinário “onerou os integrantes do sistema financeiro com o conjunto de obrigações previstas na Lei nº 8.078/90, incompatíveis com as peculiaridades do setor financeiro”(fl. 17), e ampliou o rol de legitimados a questionar, em nome próprio ou alheio, a atuação das entidades integrantes do Sistema Financeiro Nacional, sendo certo que tratar a atividade bancária, financeira, de crédito e securitária da mesma maneira que as demais atividades econômicas, que não ostentam a mesma peculiaridade, não se mostra razoável, quer em face dessa sistemática constitucional, quer sob o aspecto material das operações celebradas no âmbito do sistema financeiro, violando o princípio do devido processo legal substantivo(fls. 18/19), sob o aspecto da proporcionalidade;

f) inadequação das disposições da Lei 8.078/90 em face das

atividades

desenvolvidas

no

âmbito

do

sistema

financeiro,

especialmente aquelas referentes à defesa dos direitos dos usuários, tendo em vista que a segurança jurídica e o respeito aos contratos são condições de um sistema saudável, sendo certo que já existem resoluções do Conselho Monetário Nacional, respaldadas pela Lei

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4.595/64, que cuidam da defesa dos usuários de serviços de instituições financeiras de forma compatível com a materialidade desses serviços (fl. 24); ademais, a jurisprudência do Supremo

Tribunal

Federal

reconhece

que

as

operações

praticadas

com

instituições de crédito, públicas ou privadas, funcionam sob o estrito controle do Conselho Monetário Nacional, sob a fiscalização do Banco Central do Brasil (ADIn 1.312-DF, ADIn 449-DF, Conflito de Atribuições 35-RJ e RE 79.253-SP).

Finalmente, sustentando a relevância e a urgência do provimento cautelar, consubstanciada na avalanche de decisões
inconstitucionais fundadas no Código de Defesa do Consumidor, pede o autor “a suspensão cautelar ex nunc da eficácia da expressão
‘inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e
securitária’ do § 2º do art. 3º da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, até a decisão final desta ação” (fl. 39). Como pedido alternativo, no âmbito processual, requer a adoção do rito do art. 12 da Lei 9.868/99.

Em 26.12.2001, o eminente Ministro Marco Aurélio, Presidente do Supremo Tribunal Federal, determinou fossem solicitadas informações (fl. 717). O Exmº Sr. 1º Vice-Presidente do Senado Federal, no exercício da Presidência do Congresso Nacional, às fls. 723/742, sustentou, em síntese, o seguinte:

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

a) constitucionalidade do dispositivo impugnado, “porque não objetiva regular o sistema financeiro e nem substituir normas do

Banco

Central”,

mas

“tão

somente

proteger

os

direitos

dos

consumidores quando da prestação de serviços por instituições financeiras” (fl. 728), não se podendo falar na alegada derrogação da Lei 4.595/64, com a qual não conflita; ademais, o Sistema Financeiro, que na estrutura constitucional situa-se no título da Ordem Econômica e Financeira, precisa observar os princípios gerais da atividade econômica, entre os quais o da defesa do consumidor;

b) ausência do fumus boni iuris e do periculum in mora, dado que não se demonstrou, de plano, a inconstitucionalidade do dispositivo impugnado, não sendo também razoável a suspensão liminar de uma norma vigente há 11 (onze) anos.

Determinei, em 05.02.2002, que se oficiasse ao Exmº Sr.

Presidente da República para que prestasse, no prazo de 10 (dez) dias, informações, ex vi do art. 12 da Lei 9.868/99 (fl. 745).

A UNIÃO, às fls. 749/750, requereu a concessão de 30 (trinta) dias de prazo para manifestação definitiva do Presidente da República, a teor do art. 6º, parágrafo único, da Lei 9.868/99.

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

Determinei, em 05.02.2002, que se observasse o disposto no art. 12 da Lei 9.868/99 (fl. 749).

Admiti, nos termos do art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/99 (amicus curiae), as seguintes entidades (fls. 755, 881, 886, 895, 1044 e 1093): INSTITUTO BRASILEIRO DE POLÍTICA E DIREITO DO CONSUMIDOR - BRASILCON, PROCURADORIA DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO, FUNDAÇÃO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR DE SÃO PAULO - PROCON/SP, IDEC - INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR e FEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE ADVOGADOS DO ESTADO DE SÃO PAULO e ASSICON - ASSOCIAÇÃO DE INFORMAÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR.

O Exmº Sr. Presidente da República, às fls. 1025/1040, reportando-se a pronunciamento dos Exmºs Srs. Ministro de Estado da Justiça e do Procurador-Geral do Banco Central do Brasil, prestou informações, sustentando, em síntese, o seguinte:

a) constitucionalidade da lei impugnada, dado que a sua aplicação ao Sistema Financeiro Nacional “em nada conflita com a disciplina jurídico-consitucional inserida nos arts. 170, V, e 192, da Carta Magna, que devem ser interpretados de forma a harmonizar os seus preceitos, conferindo-se à expressão ‘inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária’, constante do

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mencionado dispositivo, uma interpretação conforme a Constituição”(fl. 1029);

b) competência da lei complementar prevista no caput do art. 192 da C.F./88 apenas para regular as atividades típicas de instituições financeiras, em especial as operações ativas e passivas por elas praticadas no curso da intermediação de dinheiro (normas de organização), sendo todavia possível que lei ordinária discipline outros aspectos do relacionamento entre clientes e instituições, que não dizem respeito, estritamente, àquelas operações, como os que envolvem a disciplina jurídica de normas que coíbem abusos e fraudes contra o consumidor (normas de conduta);

c) inexistência de distinção constitucional entre clientes bancários e consumidores, não merecendo acolhida a alegação de violação ao devido processo legal substantivo ao pretender-se tratar da regulação do Sistema Financeiro Nacional por meio de Lei Ordinária, dado que, por determinação constitucional (art. 48 do ADCT), deve ser assim disciplinada a proteção ao consumidor;

Ao final, o Exmº Sr. Presidente da República pede que seja julgada improcedente a presente ação, “conferindo-se à expressão ‘inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária’, constante do art. 3º, § 2º, da Lei 8.078, de 1990, uma

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

interpretação conforme a Constituição, com o emprego do instrumento previsto no parágrafo único do art. 28 da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, excluindo da aplicação do Código de Defesa do Consumidor o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, de modo a preservar a competência constitucional da lei complementar do Sistema Financeiro Nacional” (fls. 1039/1040).

Já existente nos autos a manifestação do Dr. Advogado-Geral da União, os autos foram ao parecer do Ministério Público Federal.

O Procurador-Geral da República, Prof. Geraldo Brindeiro, opinou “seja julgada procedente, em parte, a ação, para declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, da expressão ‘inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária’, inscrita no art. 3º, § 2º, da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa do Consumidor -, para, mediante interpretação conforme a Constituição, tal como preconizado pelo Ministro de Estado da Justiça, ALOYSIO NUNES FERREIRA, e pelo Procurador-Geral do Banco Central do Brasil, CARLOS EDUARDO DA SILVA MONTEIRO, afastar a exegese que inclua naquela norma do Código de Defesa do Consumidor ‘o custo das operações ativas e a remuneração

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das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, de modo a preservar a competência constitucional da lei complementar do Sistema Financeiro Nacional’ (fls. 1039/1040), incumbência atribuída ao Conselho Monetário Nacional e ao Banco Central do Brasil, nos termos dos arts. 164, § 2º, e 192, da Constituição da República”(fl. 1.061).

Autos conclusos em 07.3.2002.

É o relatório, do qual serão expedidas cópias para os Exmºs Srs. Ministros.

Supremo Tribunal Federal

17/04/2002 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO FEDERAL

V O T O

EMENTA: CONSTITUCIONAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: Lei 8.078, de 11.9.90. SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL: C.F., art. 192. BANCO. ATIVIDADES BANCÁRIAS: APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. JUROS REAIS DE 12% AO ANO: C.F., art. 192, § 3º: NÃO AUTO-APLICABILIDADE DO § 3º do art. 192 da C.F. ADIn nº 4-DF.

I. - A defesa do consumidor, na linha da expansão do fenômeno mundial do “consumerismo”, ganhou, no Brasil, com a C.F./88, status de princípio constitucional: C.F., art. 170, V, que encontra embasamento em diversos preceitos da C.F.: art. 5º, XXXII; art. 24, VIII; art.

150, § 5º; art. 175, parágrafo único, II; ADCT, art. 48.

II. - O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, de 1990, encontra fundamento na Constituição, regula ele um princípio constitucional ⎯ a defesa do consumidor ⎯ e foi editado por expressa determinação constitucional ⎯ ADCT, art. 48 ⎯ que fixou prazo ao legislador ordinário para a sua elaboração.

III. - Aplicabilidade do Cód. de Defesa do Consumidor às atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária: Cód. de Defesa do Consumidor, § 2º do art. 3º.

IV. - A C.F./88 recebeu a Lei 4.595, de 1964, como lei complementar, no que toca à organização, ao funcionamento e às atribuições do Banco Central e no que cuida ela do que está disposto no art. 192, incisos I a VIII e §§ do art. 192, C.F., vale dizer, no que diz

respeito

ao

Sistema

Financeiro

Nacional,

em

termos

institucionais.

V. - Juros reais de 12% ao ano: C.F., art. 192, § 3º: ADIn 4-DF: não auto-aplicabilidade da disposição inscrita no § 3º do art. 192, C.F. Questão que diz respeito ao Sistema Financeiro Nacional. Interpretação conforme à Constituição que se empresta à norma inscrita no § 2º do art. 3º da Lei nº 8.078/90 ⎯ “inclusive as de

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ADI 2.591 / DF

natureza bancária, financeira, de crédito e securitária” ⎯ para desta norma afastar a exegese que nela inclua a taxa dos juros das operações bancárias, ou sua fixação em 12% ao ano, dado que essa questão diz respeito ao Sistema Financeiro Nacional ⎯ C.F., art. 192, § 3º ⎯ tendo o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIn 4-DF, decidido que a norma do citado § 3º do art. 192, não é

auto-aplicável,

devendo

ser

observada

a

legislação

anterior à C.F./88, até o advento da lei complementar referida no caput do mencionado art. 192, C.F.
VI. - ADIn julgada procedente, em parte.

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO (Relator): A norma acoimada

de inconstitucional está contida na expressão “inclusive as de

natureza bancária, financeira, de crédito e securitária” inscrita no

§ 2º do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de

11.9.90.

“Art. 3º - ..................................

..........................................................

§ 1º - ......................................

..........................................................

§ 2º - Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as

de

natureza

bancária,

financeira,

de

crédito

e

securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”

Sustenta-se que a citada norma, contida na expressão

indicada, é ofensiva aos arts. 5º, LIV, e 192, caput e incisos II e

IV, da Constituição Federal.

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

Examinemos a questão.

II

Primeiro que tudo, assente-se que a proteção do consumidor constitui tema que tem encontrado guarida na legislação dos países civilizados. “Não é difícil explicar tão grande dimensão para um fenômeno jurídico totalmente desconhecido no século passado e em boa parte”, asseveram Ada Pellegrini Grinover e Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, dado que, “o homem do século XX vive em função de um modelo novo de associativismo: a sociedade de consumo (mass consumption society ou Konsumgesellschaft), caracterizada por um número crescente de produtos e serviços, pelo domínio do crédito e do marketing, assim como pelas dificuldades de acesso à justiça. São esses aspectos que marcaram o nascimento e desenvolvimento do direito do consumidor, como disciplina jurídica autônoma” (“Código Brasileiro de Defesa do Consumidor”, comentários dos autores do anteprojeto, Ada Pellegrini Grinover et alii, Forense Universitária, 1991, pág. 07).

No Brasil, na linha da expansão do fenômeno mundial do “consumerismo” a defesa do consumidor ganhou status de princípio constitucional: art. 170, V: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça

social,

observados

os

seguintes

princípios:

V

-

defesa

do

consumidor.”

A defesa do consumidor, registram Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e James Marins, “pode, então, ser

considerada,

como

afirma

Eros

Roberto

Grau,

um

‘Princípio

constitucional impositivo’ (Canotilho), a cumprir dupla função, como instrumento para realização do fim de assegurar a todos existência digna e objetivo particular a ser alcançado. No último sentido, assume a função de diretriz (Dworkin) norma objetivo dotada de caráter constitucional conformador, justificando a reivindicação pela realização de políticas públicas.” (Arruda Alvim et alii, “Código do Consumidor Comentado”, R.T., 2ª ed., pág. 13).

Princípio constitucional, a defesa do consumidor (art.

170, V) encontra embasamento em diversos preceitos da Constituição: art. 5º, XXXII: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”; art. 24, VIII: competência atribuída à União, aos Estados e ao Distrito Federal para legislar concorrentemente sobre responsabilidade por dano ao consumidor; art. 150, § 5º: “a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”; art. 48 do ADCT: “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da

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promulgação

da

Constituição,

elaborará

código

de

defesa

do

consumidor”; art. 175, parágrafo único, II: a lei que regulará as concessões e permissões disporá sobre os direitos dos usuários. É dizer, a Constituição empresta ao princípio especial relevo. Daí o registro de Eros Roberto Grau: “A par de consubstanciar, a defesa do consumidor, um modismo modernizante do capitalismo a ideologia do consumo contemporizada (a regra ‘acumulai, acumulai’ impõe o ditame ‘consumi, consumi’, agora porém sob proteção jurídica de quem consome) afeta todo o exercício de atividade econômica, inclusive tomada a expressão em sentido amplo, como se apura da leitura do

parágrafo

único,

II

do

art.

175.

O

caráter

constitucional

conformador da ordem econômica, deste como dos demais princípios de que tenho cogitado, é inquestionável” (Eros Roberto Grau, “A Ordem Econômica na Constituição de 1988”, Malheiros Ed., 6ª ed., 2001, págs. 272/273).

Destarte, presente a lição do Professor Luís Roberto Barroso, no sentido de que “os princípios constitucionais,... explícitos ou não, passam a ser a síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico”, dado que “espelham a ideologia da sociedade, seus postulados básicos, seus fins”, pelo que “dão unidade e harmonia ao sistema, integrando suas diferentes partes e atenuando tensões normativas”, e porque os princípios, ademais, condensam

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

valores, dão unidade ao sistema e condicionam a atividade do

intérprete

(Luís

Roberto

Barroso,

“Fundamentos

Teóricos

e

Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro - pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo”, Rev. Forense, 358/91), presente, repito, a lição do Professor Luís Roberto Barroso, é correta a posição adotada por Werson Rêgo e Oswaldo Rêgo, com apoio no magistério do professor e desembargador Sérgio Cavalieri Filho, “que concebe o Código de Proteção e Defesa do

Consumidor

como

uma

sobreestrutura

jurídica

multidisciplinar,

aplicável em toda e qualquer área do direito onde ocorrer uma relação de consumo, justamente em razão da dimensão coletiva que assume, vez que composto por normas de ordem pública e de interesse social” (Werson Rêgoe Oswaldo Rêgo, “O Código de Defesa do Consumidor e o Direito Econômico”, inédito, os autores remeteram-me

o

artigo

de

doutrina;

Sérgio

Cavalieri

Filho,

“Programa

de

Responsabilidade Civil”, Malheiros Ed., 3ª ed., págs. 412 e segs.)

O Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de 1990, encontra fundamento, portanto, na Constituição, regula ele um princípio constitucional ⎯a defesa do consumidor ⎯ e foi editado por expressa determinação constitucional ⎯ ADCT, art. 48 ⎯ que fixou prazo ao legislador ordinário para a sua elaboração.

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III

Começa o Código por conceituar consumidor: “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (art. 2º), equiparando-se a “consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo” (parágrafo único do art. 2º).

O conceito de consumidor, está-se a ver, tem caráter econômico, “ou seja, levando-se em consideração tão-somente o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial.” (José Geraldo Brito Filomeno, “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor”, comentários dos autores do anteprojeto, Ada Pellegrini Grinover et alii, citado, pág. 24).

IV

O conceito de fornecedor nos é dado pelo Código, art. 3º: “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção,

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transformação,

importação,

exportação,

distribuição

ou

comercialização de produtos ou prestação de serviços”. É dizer, numa relação de consumo há dois personagens: o primeiro, é o consumidor; o outro, o fornecedor de produtos e serviços. O § 1º do art. 3º conceitua, a seu turno, produto, a dizer que “produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”. O § 2º nos dá o conceito de serviço, estatuindo que “Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. Toda atividade remunerada, portanto, “fornecida no mercado de consumo”, constitui serviço, pelo que está abrangida pelo Código (“Código do Consumidor Comentado”, Arruda Alvim et alii, citado, págs. 37/38). E o Código foi expresso ⎯ e aqui está a questão sob julgamento ⎯ incluindo no conceito de serviço as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária”.

V

A questão a saber é se a inclusão mencionada afetou relações próprias do Sistema Financeiro Nacional, inscrito no art. 192 da Constituição, invadindo campo reservado à lei complementar, como sustenta a autora desta ação direta.

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Penso que não.

Tal como entende o eminente Procurador-Geral da República,

Prof. Geraldo Brindeiro, no parecer que ofereceu, “pela Lei nº 8.078

não se criam atribuições peculiares ao mercado e às instituições

financeiras;

as

normas

ali

insculpidas

não

dizem

respeito,

absolutamente, à regulação do Sistema Financeiro, mas à proteção e

defesa do consumidor, pressuposto de observância obrigatória por

todos os operadores do mercado de consumo até mesmo pelas

instituições financeiras”. Perfeito, parece-me, o entendimento, do

eminente chefe do Parquet, quando acrescenta:

“(...)

11. Não há, pois, invasão de competência alguma; mostra-se perfeitamente possível a coexistência entre a lei complementar reguladora do Sistema Financeiro

Nacional

e

o

Código

a

que

devam

sujeitar-se

as

instituições bancárias, financeiras, de crédito e de seguros, como todos os demais fornecedores, em suas relações com os consumidores.

12. De mais a mais, inúmeros outros diplomas legais, de índole ordinária, acabam por criar, de alguma forma, ‘atribuições’ para as instituições financeiras: a legislação do imposto sobre a renda, a legislação previdenciária, a trabalhista, a societária. Logo, não seria sequer sensato que os integrantes do Sistema Financeiro Nacional, pelo só fato de terem sua atividade regulada por lei complementar e fiscalizada por um banco central, postulassem eximir-se do dever de obediência às demais leis do País.

13.Essa polêmica não passou despercebida a CLAÚDIA LIMA MARQUES:

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

‘Sobre a alegada colisão de leis complementares e lei ordinária, especificamente das Leis Complementares da Reforma Bancária e do Mercado de Capitais, que afastariam a aplicação do Código de Defesa do Consumidor,

simples

lei

ordinária,

Lei

8.078/90,

conclui-se pela inexistência de colisão e exclusão formal entre leis complementares e leis ordinárias, uma vez que – no caso em exame – cada uma delas atua em campos jurídicos distintos, não existindo interpenetração de competências legislativas. Há diálogo e não há

colisão,

em

decorrência

da

técnica

constitucional

brasileira

de

distribuição

ratione materiae de competências legislativas (vide arts. 22, I e XIX, e 24, VIII, da C.F./88), seja para proteção do consumidor, como direito civil e mandamento da ordem econômica constitucional (arts. 5º, XXXII, 170 e 28 do ADCT da C.F./88), seja para a iniciativa privada, como direito comercial e mandamento da ordem econômica constitucional (art. 170 da C.F.).

À

atividade

bancária

se

aplicam

outras leis ordinárias, como a Lei 6.404/76 e a Lei 6.385, que ninguém discute serem aplicáveis aos bancos regulados em outros temas por leis

complementares,

quando

usam

a

forma

de

sociedade por ações ou utilizam-se de valores mobiliários.’

14.De outro lado, a existência de um código de defesa do consumidor, com incidência nas relações entre instituições financeiras e consumidores, não subtrai ao Banco Central o ônus de disciplinar a prestação de serviços bancários a clientes e ao público em geral, como previsto na legislação pertinente. A propósito, aquela autarquia tornou pública, em 26 de julho de 2001, a Resolução nº 2.878, do Conselho Monetário Nacional, que dispõe sobre procedimentos a serem observados pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

a funcionar pelo Banco Central do Brasil na contratação de operações e na prestação de serviços aos clientes e ao público em geral.

(...)”. (fls. 1.049/1.050).

É que o Código do Consumidor não interfere com a estrutura institucional do Sistema Financeiro Nacional. Esta, sim, será regulada por lei complementar ⎯ C.F., art. 192 ⎯ que disporá, inclusive, sobre os temas inscritos nos incisos I a VIII do mesmo artigo 192, cuidando o § 1º deste da autorização a que se referem os incisos I e II; o § 2º disciplina os recursos financeiros relativos a programas e projetos de caráter regional, de responsabilidade da União, que serão depositados em suas instituições regionais de créditos e por elas aplicados; e o § 3º estabelece que “as taxas de

juros

reais,

nelas

incluídas

comissões

e

quaisquer

outras

remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar”.

Apenas no tocante ao § 3º do art. 192 é que não se pode dizer, de pronto, que a questão estaria resolvida. Mais a frente dela cuidaremos em pormenor.

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

VI

Quando do julgamento da ADIn 449-DF, de que fui relator, sustentei que a Constituição recebeu a Lei nº 4.595, de 1964, como lei complementar, no que toca à organização, ao funcionamento e às atribuições do Banco Central. Todavia, no que diz respeito “ao pessoal do Banco Central, assim não ocorre, dado que essa matéria não se inclui naquelas postas, expressamente, no inciso IV do art. 192 da Constituição”.

Da mesma forma que a legislação que diga respeito ao pessoal do Banco Central não pode ser considerada lei complementar, porque não diz respeito ao Sistema Financeiro Nacional e nem se inclui, expressamente, nos incisos I a VIII do art. 192, também não se pode afirmar que os direitos dos consumidores de produtos financeiros e serviços bancários estariam inscritos no citado art. 192 e incisos, da Constituição Federal.

VII

Considerável parte da doutrina é no sentido da incidência do Código de Defesa do Consumidor nas atividades bancárias e financeiras. Assim, por exemplo, o magistério de Cláudia Lima Marques, “Sociedade de informação e serviços bancários: primeiras

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

observações”, Rev. de Dir. do Consumidor, 39/49; “Relação de consumo entre os depositantes de cadernetas de poupança e os bancos e instituições que arrecadam a poupança popular”, Rev. dos Tribs., 760/108; “Contratos bancários em tempos pós-modernos - primeiras reflexões”, Rev. do Dir. do Consumidor, 25/19; Newton De Lucca, “Direito do Consumidor”, Edipro, 2ª ed., 2000, págs. 112/128; “A aplicação do Código de Defesa do Consumidor à atividade bancária”, Rev. do Instituto dos Advogados de São Paulo, 2/158; Antônio Carlos Efing, “Sistema Financeiro e o Cód. do Consumidor”, Rev. de Dir. do Consumidor, 17/65; “Responsabilidade civil do agente bancário e financeiro, segundo as normas do Cód. de Defesa do Consumidor”, Rev. de Dir. do Consumidor, 18/105; Nelson Néry Júnior, “Defesa do consumidor de crédito bancário em Juízo”, Rev. de Dir. Privado, 5/192; Fábio Zabot Holthausen, “Aplicação do Cód. de Defesa do Consumidor às operações bancárias”, AJURIS, março/98, vol. II/704; Ulisses César Martins de Souza, “O conceito de consumidor na Lei 8.078/90 e sua aplicação aos contratos bancários”, Rev. Jurídica, 269/69; José Cretella Júnior, René Ariel Dotti et alii, “Comentários ao Cód. do Consumidor”, Forense, 1992, pág. 16; Renata Macheti

Silveira,

As

instituições

financeiras

e

sua

condição

de

fornecedoras de serviços sob a disciplina do Cód. de Defesa do Consumidor”, Rev. Nacional de Direito e Jurisp., 8/14; Antônio Janyr Dall’Agnol Júnior, “Direito do Consumidor e Serviços Bancários e Financeiros - Aplicação do CDC nas Atividades Bancárias”, Rev. de

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

Dir. do Consumidor, 27/7; Luiz Rodrigues Wambier, “Os contratos bancários e o Cód. de Defesa do Consumidor -uma nova abordagem”, Rev. dos Tribs., 742/57; Giácomo Rizzo e Henrique Afonso Pipolo,

Aspectos

da

sujeição

das

instituições

financeiras

ao

CDC”,

“Repertório IOB”, nº 3/17649; Márcio Mello Casado, “Proteção do Consumidor de Crédito Bancário e Financeiro”, Ed. R.T., vol. 15/28; Élcio Trujillo, “A defesa do consumidor, a relação contratual bancária e o empresário financeiro”, Rev. de Inf. Legislativa, 132/143; Sérgio Cavalieri Filho, “Programa de Responsabilidade Civil”, Malheiros Ed., 3a ed., págs. 343 e 408 e segs.; Arruda Alvim et alii, “Código do Consumidor Comentado”, Ed. Rev. dos Tribs., 2a ed., págs. 38-39; Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva, “Código de Defesa do Consumidor anotado”, Saraiva, 2001, págs. 9/10; José Geraldo Brito Filomeno, “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor”, comentários dos autores do anteprojeto, Ada Pellegrini Grinover et alii, cit., pág. 34, Luiz Antônio Rizzato Nunes, “Comentários ao Cód. de Defesa do Consumidor”, Saraiva, 2000 (arts. 1º a 54), págs. 98/99.

José Geraldo Brito Filomeno, retrocitado, exclui da relação de consumo os tributos “que se inserem no âmbito das relações de natureza tributária” (ob. cit., pág. 34). Neste sentido, aliás, o decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 195.056-PR, de que fui relator. O acórdão ainda não foi publicado,

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

porque há notas taquigráficas retidas em gabinete. Já elaborei,

entretanto, a ementa para o acórdão, que tem o seguinte teor:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

IMPOSTOS: IPTU. MINISTÉRIO PÚBLICO: LEGITIMIDADE. LEI Nº 7.374, DE 1985, ART. 1º, II, E ART. 21, COM A REDAÇÃO DO ART. 117 DA LEI Nº 8.078, DE 1990 (CÓDIGO DO CONSUMIDOR); LEI Nº 8.625, DE 1993, ART. 25. C.F., ARTIGOS 127 E 129, III.

I. - A ação civil pública presta-se à defesa de direitos individuais homogêneos, legitimado o Ministério Público para aforá-la, quando os titulares daqueles interesses ou direitos estiverem na situação ou na condição de consumidores, ou quando houver uma relação de consumo. Lei nº 7.374/85, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei nº 8.078/90 (Cód. do Consumidor); Lei nº 8.625, de 1993, art. 25.

II. - Certos direitos individuais homogêneos podem ser classificados como interesses ou direitos coletivos, ou identificar-se com interesses sociais e individuais indisponíveis. Nesses casos, a ação civil pública presta-se à defesa desses direitos, legitimado o Ministério Público para a causa. C.F., art. 127, caput, e art. 129, III.

III.

-

O

Ministério

Público

não

tem

legitimidade para aforar ação civil pública para o fim de impugnar a cobrança e pleitear a restituição de imposto —— no caso o IPTU —— pago indevidamente, nem essa ação seria cabível, dado que, tratando-se de tributos, não há, entre o sujeito ativo (poder público) e o sujeito passivo (contribuinte) uma relação de consumo (Lei nº 7.374/85, art. 1º, II, art. 21, redação do art. 117 da Lei nº 8.078/90 (Cód. do Consumidor); Lei nº 8.625/93, art. 25, IV; C.F., art. 129, III), nem seria possível identificar o

direito

do

contribuinte

com

‘interesses

sociais

e

individuais indisponíveis.’ (C.F., art. 127, caput).

IV. - R.E. não conhecido.”

VIII

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

Tenho

como

corretos

e

irrespondíveis

os

argumentos

expendidos pelo eminente Procurador-Geral da República, Prof.

Geraldo

Brindeiro,

no

parecer

que

ofereceu.

Vale,

portanto,

transcrevê-los:

“(...)

15. Em rigor, a requerente não explica, em nenhuma passagem da petição inicial, em que o Código de Defesa do Consumidor teria alterado dispositivos da Lei nº 4.595, de 1964. Diversamente, acentua que essa última lei, recepcionada pela Constituição de 1988, ‘não permite ações

coletivas

para

reivindicar

direitos

individuais

disponíveis (fls. 23), e que os ditames constitucionais do art. 192 nela encontrariam disciplina.

16. Esse é, exatamente, o ponto: os direitos dos consumidores de produtos financeiros e serviços bancários, bem como os meios para seu reconhecimento, não são disciplinados, nem o poderiam ser, na lei que hoje regula o Sistema Financeiro Nacional porque semelhante encargo compete, de modo inequívoco, ao código de defesa do consumidor previsto no art. 48, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Do art. 192 do Estatuto Fundamental não se ocupa, portanto, a Lei nº 8.078, senão do art. 5º, inciso XXXII; e do art. 48, das Disposições Transitórias. Em resumo, a circunstância isolada de competir ao Banco Central controlar o Sistema Financeiro Nacional não pode servir de razão para restringir o direito de ação dos consumidores, a atuação do Ministério Público e de associações legalmente constituídas para defender interesses e direitos decorrentes das relações de consumo, para frustrar, enfim, o próprio princípio da proteção judiciária, garantia fundamental consagrada pela Constituição da República (art. 5º, inciso XXXV).

17.Nem mesmo a decantada relação estreita das instituições financeiras com a política monetária adotada no País, vale salientar – idêntica, de resto, à vinculação

experimentada

por

quem

quer

que

explore

atividade

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

econômica –, constitui fundamento bastante para desobrigá-las da submissão às regras do mercado de consumo.

18.Busca-se demonstrar, nestes autos, até com invocação do princípio da proporcionalidade, a inadequação do Código de Defesa do Consumidor para regular as operações efetuadas no mercado financeiro, cujos contratos possuiriam características em tudo distintas daquelas contempladas na lei. Mister se faz esclarecer, então, que a Lei nº 8.078, de 1990, não preconiza, não estimula, não alimenta o descumprimento dos contratos e as decisões judiciais aqui criticadas não apontam nessa direção , porém que eles não contenham cláusulas abusivas, e que seja observada a fundamental proteção contratual do consumidor, parte vulnerável na relação de consumo. Se a questão é de atual inadequação, injustificável, doze anos após promulgada a lei, é o Sistema que se deve adequar ao Código de Defesa do Consumidor; não o Supremo Tribunal Federal afastar a aplicação do Código, tão-só porque desconcorde com os costumes do meio, porque estranho mesmo

às

outrora

usuais

práticas

dos

que

lidam

com

a

intermediação financeira.

19.Decisões judiciais, sobretudo dimanadas do Superior Tribunal de Justiça, são usadas como argumento para pleitear a inconstitucionalidade do art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor. Note-se, todavia, ser a hipótese de interpretação da legislação federal aplicável, tema alheio à competência do Supremo Tribunal Federal, em sede de ação direta de inconstitucionalidade. E ainda que

assim

não

fosse,

ou

seja,

houvesse,

nos

arestos,

insofismável repercussão constitucional, como episódica violação do princípio da razoabilidade, a fiscalização abstrata também não se revelaria oportuna. O mesmo se diga em relação a ações civis públicas voltadas contra o programa de privatização dos bancos estaduais, cujo anunciado escopo nada tem com as relações de consumo, mas com a defesa do patrimônio público (Lei nº 7.347, de 24.7.1985).

20.Sobre a alegada contrariedade ao que ficou decidido pelo Excelso Pretório, por ocasião da ADIn nº 4 (Min. SYDNEY SANCHES, DJ de 25.6.1993), afora implausíveis

os

motivos

expendidos

pela

requerente,

tal

evento

desafiaria, em tese, a formulação de reclamação ao Supremo Tribunal Federal, para assegurar a autoridade de uma sua

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

decisão; não a propositura de nova ação direta, tendente à mera reafirmação do que antes assentado.

21.Quanto à suposta distinção promovida no Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira, parece óbvio que o legislador constituinte não pretendeu, como sugere a requerente, separar ordem econômica e ordem financeira. Tanto assim é que já no Capítulo I (Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica) prevê punições por atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular (art. 173, § 5º). Tanto não quis discriminar que os chamados bancos estatais, notórios agentes do Sistema Financeiro Nacional, quer constituídos sob a forma de empresa pública, quer como sociedades de economia mista, estão subordinados às prescrições do § 1º do mesmo artigo 173, da Constituição, o qual tem por objeto exclusivo empresas públicas e sociedades de economia mista ‘que

explorem

atividade

econômica

de

produção

ou

comercialização de bens ou de prestação de serviços’ (sem destaques, no original).

22.Especial relevo é dado pela Confederação

requerente,

também

com

o

auxílio

de

normas

infraconstitucionais, a noções correntes do que sejam relação de consumo, fornecedor, consumidor, produtos, serviços, tudo para desembaraçar as instituições do Sistema Financeiro do alcance do Código de Defesa do Consumidor. Sem embargo de seu caráter jurídico, porque conjunto de normas, a Constituição ostenta preponderante conteúdo político e social, que não se pode ilidir unicamente para prestigiar imprecisas, difusas concepções técnicas. Cabe lembrar, neste momento, a advertência de CELSO RIBEIRO BASTOS, para quem ‘não se pode dar conteúdo aos princípios constitucionais a partir da definição encontrada na legislação ordinária’. O mesmo abalizado autor chama a atenção para a importância, na atividade de interpretação normativa, para a realidade fática, bem assim para a vontade popular, ‘que anima a tarefa constituinte e reflete-se diretamente sobre o Texto

Constitucional

normatizado,

constituindo

uma

fonte

permanente e, dada sua natureza, dinâmica de compreensão constitucional’.

23.Não há de prosperar, por conseguinte, só porque trabalhariam os bancos com recursos de terceiros, a

assertiva

segundo

a

qual

‘a

proteção

a

alguns

‘consumidores’ representaria, na verdade, violação ao

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

direito de outros ‘consumidores’, ou seja, dos demais

usuários

da

instituição,

titulares

dos

recursos

do

sistema’. A verdade, inexorável, é que as instituições do Sistema Financeiro captam recursos no mercado, mediante remuneração ou não, e os repassam, na qualidade de fornecedores, aos consumidores de produtos financeiros e serviços bancários, auferindo, nessa condição, o lucro inerente à atividade econômica.

24.Consulte-se, a respeito, o magistério de MÁRCIO MELLO CASADO:

‘Como é notório, os bancos são obrigatoriamente organizados sob a forma de sociedades anônimas, fato que lhes confere a inarredável condição de comerciantes.

Dentre os produtos fornecidos pelos bancos, o mais nobre, e objeto deste estudo por tal motivo, é o crédito.

Não

se

discutirão

os

serviços

fornecidos pelos bancos, visto que esta matéria já se encontra pacificada no Superior Tribunal de Justiça que, por diversas ocasiões, já se manifestou sobre a incidência do CDC a estes

tipos

contratuais

(guarda

de

valores,

administração da conta corrente, fornecimento de extratos...).

Com relação ao produto crédito é que a situação se complica na doutrina e na vida forense.

Considera boa parte da doutrina que o crédito concedido pelos bancos não tem como destinatário final o mutuário. Assim, por força do que contém o art. 2º da Lei nº

8.078/90,

não

seria

este

mutuário

um

consumidor.

Temos, para nós, que o crédito é um bem juridicamente consumível. Desta forma, a caracterização do banqueiro como fornecedor de

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

produtos e dos mutuários como consumidores fica facilitada.

A concessão de crédito, em geral, implica a colocação de dinheiro à disposição do creditado para sua restituição em determinado prazo, deste fato se depreendendo a existência

de

duas

prestações

recíprocas

(entrega

e

restituição) e de duas prestações comutativas (o prazo e o juro), elementos que são comuns a uma diversidade de negócios jurídicos que podem ser definidos como contratos de crédito, quais sejam: o mútuo, a renda vitalícia, o depósito irregular, os contratos bancários de crédito atípicos e o desconto.

Falar

de

consumidor

de

crédito

pressupõe enquadrá-lo no sentido anteriormente apresentado de sujeito que obtém recursos em dinheiro para sua devolução ao término de um prazo. O crédito bancário pode ser concedido de diversas formas, nas quais sempre estarão presentes a contraprestação retributiva do juro em razão da profissionalidade do fornecimento do produto e do tempo que transcorrerá até a restituição da quantia.

Nesta linha de pensamento, se o

crédito

servir

para

suprir

uma

utilidade

pessoal do consumidor, como destinatário final

(seja

ele

pessoa

física

ou

jurídica),

é

evidente que há relação de consumo.

...............................................

Logo,

o

banqueiro

que

concede

crédito é fornecedor de um produto consumível (juridicamente, com certeza) pelo mutuário, na qualidade de destinatário final, visto que ele irá utilizá-lo para suprir-lhe alguma utilidade pessoal.

Mas para a definitiva caracterização de relação de consumo é necessário que o

mutuário

do

banco

apresente

também

a

característica da vulnerabilidade.

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

Parece-nos que o verbo mais adequado para aferir-se a vulnerabilidade do consumidor é o estar e não o ser. A vulnerabilidade, vista assim, é uma condição que deve ser pesquisada em três principais momentos: a) antes da contratação; b) durante a contratação; c) após a contratação.

O mutuário de instituição financeira pode não estar vulnerável antes da contratação;

logo,

as

normas

inseridas

no

CDC

(sobre

publicidade,

por

exemplo)

que

tutelam

os

consumidores neste momento não incidirão.

Entretanto, durante a contratação, pode tornar-se vulnerável, notadamente quando se torna um cliente cativo, sujeitando-se a um sem-número de condições abusivas impostas pelo banco.

E nada impede que após a contratação com um banco o cliente torne-se vulnerável. Tal se detecta com facilidade quando uma empresa, em caso de inadimplemento contratual, seja sujeita a meios de cobrança que infrinjam o art. 42 do CDC.

Ou seja, esta pessoa, que não foi tutelada pelo CDC, nem antes e nem durante a

contratação,

pode

estar

vulnerável

e

ser

considerada consumidora pela adição deste item ao contexto obrigacional.

...............................................

Assim, a vulnerabilidade deve ser pesquisada em cada processo das obrigações e, dependendo de sua presença ou não, se aplicará

o

microssistema

consumerista

(desde

que

presentes os outros requisitos que a Lei

8.078/90

exige)

ou

as

demais

normas

do

macrossistema positivo nacional.’

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

25.

FLÁVIA

ROSSETI

igualmente

cuidou

do

assunto, ao estudar os contratos de leasing indexados ao dólar americano:

‘Receoso

de

que

as

instituições

bancárias fossem procurar escapar do âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor (como o fizeram), o legislador, não por acaso, fez menção expressa às atividades bancárias ao definir serviço (§ 2º, do art. 3º).

Nesse mister, comenta o Prof.

Rizzatto Nunes que ‘foi um reforço acautelatório do legislador, que, aliás, demonstrou-se depois, era mesmo necessário. Apesar da clareza do texto legal, que coloca, com todas as letras, que os bancos prestam serviços aos consumidores, houve tentativa judicial de obter declaração em sentido oposto.

Chegou-se,

então

ao

inusitado:

o

Poder

Judiciário teve de declarar exatamente aquilo que a lei já dizia: que os bancos prestam serviços’.

A negativa dos bancos baseava-se na distinção entre operações e serviços bancários, cujo elenco é trazido pelas normas do Manual de Normas e Instruções do Banco Central (MNI).

Nesse sentido, como brilhantemente

expôs

Newton

de

Lucca,

‘a

intenção

do

raciocínio é bem evidente: se há operações, de um lado, e se há serviços, de outro, e se o Código de Defesa do Consumidor, ao aludir à

atividade

bancária,

fê-lo

tão-somente

em

relação a serviços, o mesmo não teria aplicação aos bancos no que se refere às operações praticadas por estes’.

Segundo a posição defendida pelas instituições bancárias, o dinheiro como produto

oferecido

pelos

bancos,

em

suas

inúmeras

operações, não poderia ser objeto de consumo, já que aquele que toma um empréstimo não seria jamais destinatário final do bem (dinheiro),

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

excluindo-se, pois, tal situação, do âmbito do Código de Defesa do Consumidor.

Ainda recorrendo-se aos ensinamentos de Newton de Lucca, temos que o dinheiro é, por disposição legal (art. 51 do CC), um bem juridicamente consumível.

Como se vê, mostram-se frágeis as tentativas das instituições bancárias em verem-se excluídas do âmbito de aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor.’

26. Ainda sobre o tema, opina CLÁUDIA LIMA MARQUES:

‘Certo é que a expressão ‘operações

bancárias’

está

consagrada

na

legislação

brasileira, mas decisivo é o seu conteúdo e o fato de não ser espécie de um gênero maior, os

serviços,

segundo

o

Código

de

Defesa

do

Consumidor. Em outras palavras, distinguir entre gênero e espécie é positivo, mas não é excludente; ao contrário, leva à inclusão da espécie no campo de aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Basta verificar que ‘operações bancárias’ são, ex vi lege pelo art. 119 do CCo, as ‘operações chamadas de Banco’. No direito comunitário europeu denominam-se ‘negócios de Bancos’ (bankgeschäfte) justamente as duas modalidades de depósitos que aqui nos interessam, os depósitos em conta corrente (Girokonto) e em conta-poupança (Sparkonto). No Brasil, ensina Abrão que se trata de um fazer do gênero dos serviços comerciais e da espécie bancária em particular: ‘Colimando a realização de seu objeto, os bancos desempenham em relação a seus clientes uma série de atividades negociais, que tomam o nome técnico de operações bancárias (...) atos de comércio por

natureza.

Inserem-se,

pois,

as

operações

bancárias na atividade empresária, como sendo

aquela

economicamente

organizada

para

a

prestação de serviços’ (grifo nosso)

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

Não é de estranhar que todos os pareceres encomendados pela Febraban e bancos tentem utilizar-se desta nomenclatura própria bancária, em verdade espécie do gênero serviço – gênero este incluído totalmente no campo de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, exclusos os serviços trabalhistas –, para daí retirar uma inexistente distinção jurídica. A referida distinção não tem efeitos excludentes seja na doutrina bancária, seja na doutrina

consumerista,

seja

na

Lei

8.078/90,

cujo

espírito é ao contrário claramente de inclusão de todos os serviços, não importando a espécie, e de inclusão de todos os serviços bancários em abstrato, se frente a um consumidor (art. 3º, § 2º, do CDC). O argumento não resiste a um exame

mais

detalhado

e

sucumbe

a

seu

próprio

formalismo conceitual, pois quem diz mais, diz menos, e se o Código de Defesa do Consumidor inclui os ‘serviços’ bancários, inclui todas as atividades, fazeres e operações típicas e atípicas bancárias, em abstrato.

...............................................

Do exame dos elementos e do fato jurídico bancário na relação de depósito, observa-se que há relação de consumo entre os depositantes de cadernetas de poupança e os bancos ou instituições que arrecadam a poupança popular. Tanto o contrato bancário de depósito em conta corrente como o contrato bancário de

depósito

em

conta-poupança

podem

ser

considerados relação de consumo stricto sensu, isto porque presentes a finalidade de consumo, a garantia relacional, os sujeitos fornecedor e consumidor destinatário final dos serviços

típicos

bancários

(operações,

crédito,

intermediação, organização etc.) e de produtos (dinheiro, juros), assim como o objeto de

consumo,

produtos

e

serviços

jurídica

e

economicamente relevantes, logo importantes e ofertados constantemente na sociedade atual de consumo (e também ofertados na sociedade de produção, para profissionais).

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

No caso das cadernetas de poupança, que alguns visualizam também como contratos de aplicação e investimento, pelas características e natureza deste contrato de adesão presume-se a vulnerabilidade do cliente (art. 4º, I, do CDC) e a conseqüente exposição às práticas comerciais definidas como desequilibradoras da relação pelo Código de Defesa do Consumidor, de forma a submeter-se a relação abstratamente como interessante para o direito do consumidor concretamente, art. 29 do CDC, considerando-se

o

poupador

pessoa

física

como

consumidor

equiparado, segundo o sistema do Código de Defesa do Consumidor e, portanto, merecedor da tutela especial deste sistema.’

27. Conceito similar oferece ANTÔNIO CARLOS EFING:

‘Quanto

ao

enquadramento

na

conceituação de consumidor prevista no CDC, das pessoas (jurídicas e físicas) que fazem uso dos serviços bancários, não poderá existir qualquer dúvida. Vale dizer, ocorrendo uma prestação de serviços bancários, onde figurem, de um lado, na qualidade de fornecedor, um determinado banco comercial e, de outro, na qualidade de consumidor, uma pessoa qualquer, que contrate, objetivando uma destinação final, parece-nos

evidente

que

essa

relação

jurídica

se

caracterizará como relação de consumo.’

28. E mais subsídios proporciona o pensar de ANTONIO JANYR DALL’AGNOL JUNIOR:

‘Foram as instituições financeiras bancárias, sem dúvida, a partir da vigência da Lei nº 8.078, de 11.9.90, as que maior resistência ofereceram à idéia de que se

enquadravam

na

figura

de

fornecedor,

não

obstante a letra do art. 3º, § 2º.

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

De imediato, exibiram pareceres de

diferentes

juristas,

objetivando,

nos

processos,

com

recurso

ao

argumento

de

autoridade, ainda em voga, verem as relações de crédito em geral situadas para além do âmbito de incidência do CDC.

O tema, de imediato, passou à preocupação dos juristas e interessados, conforme se observa – apenas recordados os primeiros trabalhos e a título exemplificativo – de relatório apresentado pelo Prof. NEWTON DE

LUCCA,

em

reunião

ordinária

do

Instituto

Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, em sua sede, em São Paulo, no dia 09.10.91, ou do enfrentamento seguro do assunto pelos Profs. NELSON NERY JÚNIOR e CLÁUDIA LIMA MARQUES, em sede doutrinária.

A tese mais veiculada, em processos judiciais, é a que pretende, lembrada lição tradicional, a distinção entre operações e serviços bancários, para concluir que apenas os últimos estariam sob a égide do CDC.

A

resistência,

no

entanto,

não

tinha, e não tem razão de ser. Antes de mais, em face do disposto no art. 3º do Código, que não pode ser lido ignorando-se que é parte de conjunto normativo (e, obviamente, sua inserção no corpo de regras jurídicas que compõem o CDC).

O

que

ocorre,

não

raro,

é

a

desvinculada leitura do parágrafo segundo, como se de dispositivo isolado se cuidasse.

Elementarmente,

parágrafos

estão

inseridos no corpo da regra e se regem pelo caput.

Desse modo, não há como fixar-se no vocábulo ‘serviço’, solitariamente, que se encontra no parágrafo segundo, esquecendo que o termo nuclear do caput é ‘atividades’.

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

...............................................

O termo, como sabido, é amplo, dele se utilizando a doutrina, com freqüência,

justamente

para

abranger

as

atividades

principais dos bancos, justamente as operações bancárias, que se quer inatingíveis pelo CDC: ‘D’une façon générale, les banques ont rôle d’intermédiaire dans le système de paiements.

Leurs

‘principales

activités’

portent

sur

l’acceptacions des dépôts du public et l’octroi de prêts.’ (sem realce no original) – ensina NICOLE L’HEUREUX.

Depois, não fora isso, inatacáveis as considerações desenvolvidas pela doutrina, parte dela já recordada, e que, por certo, têm merecido a atenção dos que, sem partidarismo, se interessam pelo assunto.

...............................................

Por

óbvio,

às

instituições

financeiras, precipuamente as que habitualmente se relacionam com pessoas físicas e empresas de pequeno porte, incumbe atenção às regras do CDC – mas, a rigor, que mal há nisso? Sustentará alguém que tais regras jurídicas sejam, elas mesmas, abusivas?’

29. E o já longo lapso decorrido bem está a evidenciar a viabilidade da convivência harmônica entre o mercado financeiro e o Código de Defesa do Consumidor. Verifique-se que mesmo quando enumera e veda práticas consideradas abusivas, a Lei nº 8.078/1990 ressalva os usos e costumes, a justa causa, a legítima prática comercial, os casos regulados em leis especiais.

(...)”. ( fls. 1.051/1.060)

IX

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

Em suma, a defesa do consumidor constitui princípio constitucional, que se realiza mediante a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, mandado elaborar pela Constituição, ADCT, art. 48. Esse diploma legal, o Código de Defesa do Consumidor, não

interfere

com

o

Sistema

Financeiro

Nacional,

art.

192

da

Constituição, em termos institucionais, já que o Código limita-se a proteger e defender o consumidor, o que não implica, repete-se,

interferência

no

Sistema

Financeiro

Nacional.

Protegendo

e

defendendo

o

consumidor,

realiza

o

Código

o

princípio

constitucional. Atualmente, o Sistema Financeiro Nacional é regulado pela Lei 4.595/64, recebida pela C.F./88 como lei complementar naquilo em que ela regula e disciplina o Sistema, não existindo entre aquela lei e a Lei 8.078, de 1990 ⎯ Cód. de Defesa do Consumidor ⎯ antinomias. O Código de Defesa do Consumidor aplica-se às atividades bancárias da mesma forma que a essas atividades são aplicáveis, sempre que couber, o Cód. Civil, o Cód. Comercial, o Código Tributário Nacional, a Consolidação das Leis Trabalhistas e tantas outras leis.

X

A alegação no sentido de que a norma do § 2º do art. 3º da Lei 8.078/90 ⎯ “inclusive as de naturezabancária, financeira, de

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

crédito e securitária” ⎯ seria desarrazoada, ou ofensiva ao princípio da proporcionalidade, porque estaria tratando as entidades bancárias da mesma forma como trata os demais fornecedores de produtos e serviços, assim violadora de devido processo legal em termos substantivos ⎯ C.F., art. 5º, LIV ⎯ não tem procedência. Desarrazoado seria se o Código de Defesa do Consumidor discriminasse em favor das entidades bancárias. Aí, sim, porque inexistente fator justificador do discrímen, teríamos norma desarrazoada, ofensiva, por isso mesmo, ao substantivedue process of law, que hoje integra o Direito Constitucional positivo brasileiro (C.F., art. 5º, LIV).

XI

Ao cabo, merece reflexão maior a questão dos juros aplicáveis às operações relativas às atividades bancárias, tendo em vista o que está disposto no § 3º do art. 192 da Constituição, a estabelecer que as “as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano” e que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIn 4-DF, Relator o Ministro Sydney Sanches, decidiu não ser auto-aplicável, porque dependente da lei complementar referida no caput do art. 192, pelo que declarou constitucionais o parecer da

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

Consultoria Geral da República, aprovado pela Presidência da

República e circular do Banco Central, “o primeiro considerando não

auto-aplicável a norma do § 3º sobre juros reais de 12% ao ano, e a

segunda

determinando

a

observância

da

legislação

anterior

à

Constituição de 1988, até o advento da lei complementar reguladora

do Sistema Financeiro Nacional” (“DJ” de 25.6.93).

Assim a ementa do acórdão da mencionada ADIn 4-DF, Relator

o eminente Ministro Sydney Sanches:

“EMENTA:

-

Ação

Direta

de

Inconstitucionalidade. Taxa de juros reais até doze por cento ao ano (parágrafo 3º do art. 192 da Constituição Federal).

QUESTÕES PRELIMINARES SOBRE:

1º - impedimento de Ministros;

2º - ilegitimidade na representação do autor (Partido Político), no processo;

-

descabimento

da

ação

por

visar

à

interpretação de norma constitucional e não, propriamente, à declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo;

4º - impossibilidade jurídica do pedido, por impugnar ato não normativo (parecer SR nº 70, de 06.10.1988, da Consultoria Geral da República, aprovado pelo Presidente da República).

MÉRITO: eficácia imediata, ou não, da norma do parágrafo 3º do art. 192 da Constituição Federal, sobre a taxa de juros reais (12% ao ano).

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

Impedimento

de

um

dos

Ministros.

Não

impedimento de outro.

Demais

preliminares

rejeitadas,

por

unanimidade.

MÉRITO: ação julgada improcedente, por maioria de votos (declarada a constitucionalidade do ato normativo impugnado).

1. Ministro que oficiou nos autos do processo da ADI, como Procurador-Geral da República, emitindo

parecer

sobre

medida

cautelar,

está

impedido

de

participar, como membro da Corte, do julgamento final da ação.

2. Ministro que participou, como membro do Poder Executivo, da discussão de questões, que levaram à elaboração do ato impugnado na ADIn, não está, só por isso, impedido de participar do julgamento.

3. Havendo sido a procuração outorgada ao advogado signatário da inicial, por Partido Político, com representação no Congresso Nacional (art. 103, inc. VIII, da C.F.), subscrita por seu Vice-Presidente, no exercício da Presidência, e, depois, ratificada pelo Presidente, é regular a representação processual do autor.

4. Improcede a alegação preliminar, no sentido de que a ação, como proposta, visaria apenas à obtenção de

uma

interpretação

do

Tribunal,

sobre

certa

norma

constitucional, se, na verdade, o que se pleiteia, na inicial, é a declaração de inconstitucionalidade de certo parecer da Consultoria Geral da República, aprovado pelo Presidente da República e seguido de circular do Banco Central.

5. Como o parecer da Consultoria Geral da República (SR. nº 70, de 06.10.1988, D.O. de 07.10.1988), aprovado pelo Presidente da República, assumiu caráter normativo, por força dos artigos 22, parágrafo 2º, e 23 do Decreto nº 92.889, de 07.7.1986, e, ademais, foi seguido de circular do Banco Central, para o cumprimento da legislação anterior à Constituição de 1988 (e não do parágrafo 3º do art. 192 desta última), pode ele (o parecer normativo) sofrer impugnação, mediante ação direta

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

de inconstitucionalidade, por se tratar de ato normativo federal (art. 102, I, a, da C.F.).

6. Tendo a Constituição Federal, no único artigo em que trata do Sistema Financeiro Nacional (art. 192), estabelecido que este será regulado por lei complementar, com observância do que determinou no caput, nos seus incisos e parágrafos, não é de se admitir a eficácia imediata e isolada do disposto em seu parágrafo 3º, sobre taxa de juros reais (12% ao ano), até porque estes não foram conceituados. Só o tratamento global do Sistema Financeiro Nacional, na futura lei complementar, com a observância de todas as normas do caput, dos incisos e parágrafos do art. 192, é que permitirá a incidência da referida norma sobre juros reais e desde que estes também sejam conceituados em tal diploma.

7. Em conseqüência, não são inconstitucionais os atos normativos em questão (parecer da Consultoria Geral da República, aprovado pela Presidência da República e circular do Banco Central), o primeiro considerando não auto-aplicável a norma do parágrafo 3º sobre juros reais de 12% ao ano, e a segunda determinando a observância da legislação anterior à Constituição de 1988, até o advento da lei complementar reguladora do Sistema Financeiro Nacional.

8. Ação declaratória de inconstitucionalidade julgada improcedente, por maioria de votos.”

Essa questão, a dos juros reais de 12% ao ano, porque

expressamente referida no art. 192, § 3º, da Constituição, por isso

mesmo

integrante

do

Sistema

Financeiro

Nacional,

e

porque

considerada não de eficácia plena, ou não auto-aplicável, pelo

Supremo Tribunal, na citada ADIn 4-DF, põe-se fora do alcance do

Código de Defesa do Consumidor.

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

Quando do julgamento da ADIn 4-DF, fui voto vencido na

companhia dos Ministros Marco Aurélio, Paulo Brossard e Néri da

Silveira. Assim o voto que proferi na ocasião do citado julgamento:

“Senhor Presidente, os que sustentam que a norma do § 3º do art. 192 da Constituição é meramente programática, assim o fazem, ao que apreendi, sobre dois fundamentos: a) a eficácia do § 3º do art. 192 estaria condicionada à edição da Lei Complementar referida no caput do art. 192; enquanto essa lei não vier a lume, a norma do citado § 3º do art. 192 é de eficácia limitada, declaratória de princípios programáticos; b) a locução

‘taxa

de

juros

reais’

não

teria

sido

definida

juridicamente, o que impediria a imediata aplicação da norma limitadora dos juros.

Examinemos esses argumentos.

Os estudiosos de hermenêutica constitucional ensinam que as normas constitucionais que contenham vedações, proibições ou que declarem direitos são, de

regra,

de

eficácia

plena.

Assim,

no

Brasil,

contemporaneamente, a lição de José Afonso da Silva (‘Aplicabilidade das Normas Constitucionais’, Ed. Rev. dos Tribs., 2ª ed., 1982, pág. 89), na linha, aliás, da doutrina e da jurisprudência americanas, que Ruy Barbosa expôs, admiravelmente. Em voto que proferi neste Plenário, disse eu que a regra que vem do Direito americano é esta: as normas constitucionais que veiculam declarações de direito, imunidades e vedações são, de regra, auto-executáveis. Assim a lição de Ruy:

‘As proibições constitucionais e as

declarações

de

direitos

articuladas

nas

Constituições adicionam os arestos americanos, como dotadas, igualmente, de vigor imediato e anterior a qualquer explanação legislativa, as

isenções

constitucionalmente

decretadas.

‘Exemptions may be regarded as prohibitions’

(16

L.R.A.,

284,

not.).’

Ruy

Barbosa,

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

‘Comentários à Const. Brasileira’, coligidos por Homero Pires, 1933, II/485.

Thomas

M.

Cooley

resume

a

jurisprudência

americana a respeito do tema:

‘Pode-se dizer que uma disposição

constitucional

é

auto-executável

(self-

executing), quando nos fornece uma regra, mediante a qual se possa fruir e resguardar o direito outorgado, ou executar o dever imposto, e que não é auto-aplicável, quando meramente indica princípios, sem estabelecer normas, por cujo meio se logre dar a esses princípios vigor

de

lei.’

(T.

Cooley,

‘Treatise

on

the

Constitucional Limitations’, ap. Ruy Barbosa, ob. e loc. cits., pág. 495).

Celso Antônio Bandeira de Mello, escrevendo sobre a ‘Eficácia das Normas Constitucionais sobre Justiça

Social’,

registrou

que

o

critério

classificador

da

eficácia é a consistência e amplitude dos direitos imediatamente resultantes para os indivíduos. (Celso

Antônio

Bandeira

de

Mello,

‘Eficácia

das

Normas

Constitucionais sobre Justiça Social’, RDP, 57-58/233).

O § 3º do art. 192 da Constituição, Senhor Presidente, contém, sem dúvida, uma vedação. E contém, de outro lado, um direito, ou, noutras palavras, ele confere, também, um direto, um direito aos que operam no mercado financeiro. Em trabalho doutrinário que escreveu sobre a taxa de juros do § 3º do art. 192 da Constituição, lecionou o Desembargador Régis Fernandes de Oliveira:

‘Percebe-se, claramente, que a norma constitucional gerou um direito exercitável no círculo do sistema financeiro, criador de uma limitação. Está ela plenamente delimitada no

corpo

da

norma

constitucional,

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

independentemente de qualquer lei ou norma jurídica posterior. Bem se vê que ‘as taxas de

juros

reais,

nelas

incluídas

comissões

e

quaisquer

outras

remunerações

direta

ou

indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano...’ Segue a redação após o ponto e vírgula estabelecendo que o descumprimento do preceito será estabelecido em lei (ordinária, porque definidora de infração penal).

O

desfrute

de

tal

limitação

constitucional àqueles que lidam no mercado financeiro (qualquer do povo) é imediato. A

limitação

aos

que

operam

no

sistema,

emprestando dinheiro é imediata. Do direito de um nasce a obrigação do outro. A relação jurídica intersubjetiva que se instaura gera a perspectiva do imediato desfrute da limitação imposta’. (Régis Fernandes de Oliveira. ‘Taxa de Juros’, inédito. O autor enviou-me cópia do Trabalho).

Contém, já falamos, o citado § 3º, do art. 192, da Constituição, uma vedação: ‘as taxas de juros reais,

nelas

incluídas

das

comissões

e

quaisquer

outras

remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano’. Porque ela é uma norma proibitória ou vedatória, ela é de eficácia plena e aplicabilidade imediata, ou é ela uma norma auto-aplicável. E porque confere ela, também, um direito aos que operam no mercado financeiro, também por isso a citada norma é de eficácia plena. Não me refiro, evidentemente, à segunda parte do § 3º do art. 192, que sujeita a cobrança acima do limite a sanções penais, porque esse dispositivo não precisa ser trazido ao debate.

Mas não é só por isso, Senhor Presidente, que me convenci de que o citado dispositivo constitucional é auto-aplicável.

Há mais.

As normas constitucionais são, de regra, auto-

aplicáveis,

vale

dizer,

são

de

eficácia

plena

e

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

aplicabilidade imediata. Já foi o tempo em que predominava a doutrina no sentido de que seriam excepcionais as normas constitucionais que seriam, por si mesmas, executórias. Leciona José Afonso da Silva que, ‘hoje, prevalece entendimento diverso. A orientação doutrinária moderna é no sentido de reconhecer eficácia plena e aplicabilidade imediata à maioria das normas constitucionais, mesmo a grande parte daquelas de caráter sócio-ideológicas, as quais até bem recentemente não passavam de princípios programáticos. Torna-se cada vez mais concreta a outorga dos diretos e garantias sociais das constituições’. (José Afonso da Silva, ob. cit., pág. 76). Nem poderia ser de outra forma. É que o legislador constituinte não depende do legislador ordinário. Este é que depende daquele. Então, o que deve o intérprete fazer, diante de um texto

constitucional

de

duvidosa

auto-aplicabilidade,

é

verificar se lhe é possível, mediante os processos de integração, integrar a norma à ordem jurídica. Esses métodos ou processos de integração são conhecidos: a analogia, que consiste na aplicação a um caso não previsto por norma jurídica uma norma prevista para hipótese distinta, porém semelhante à hipótese não contemplada; o costume; os princípios gerais de direito e o juízo de eqüidade, que se distingue da jurisdição de eqüidade. De outro lado, pode ocorrer que uma norma constitucional se refira a instituto de conceito jurídico indeterminado. Isto tornaria inaplicável a norma constitucional? Não. É que a norma dependeria, apenas, de ‘interpretação capaz de precisar e concretizar o sentido de conceitos jurídicos indeterminados’, interpretação que daria à norma ‘sentido operante, atuante’, ensina o Professor e Desembargador José Carlos Barbosa Moreira, com a sua peculiar acuidade

jurídica

(José

Carlos

Barbosa

Moreira,

‘Mandado

de

Injunção’, in ‘Estudos Jurídicos’, Rio, 1991, pág. 41).

É o caso da ‘taxa de juros reais’ inscrita no § 3º do art. 192 da Constituição, que tem conceito jurídico indeterminado, e que, por isso mesmo, deve o juiz

concretizar-lhe

o

conceito,

que

isto

constitui

característica da função jurisdicional. Busco, novamente, a lição de J.C. Barbosa Moreira a dizer que ’todo conceito jurídico indeterminado é suscetível de concretização pelo juiz, como é o conceito de boa-fé, como é o conceito de bons costumes, como é o conceito de ordem pública e tantos outros com os quais estamos habituados a lidar em nossa tarefa cotidiana.’ (J.C. Barbosa Moreira, ob. e loc. cits.).

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

Não seria procedente, portanto, o segundo argumento dos que entendem que o § 3º do art. 192 não é auto-aplicável: a locução ‘taxa de juros reais’ não teria sido definida juridicamente, o que impediria a imediata aplicação da norma limitadora dos juros.

Celso Antônio Bandeira de Mello, no trabalho já mencionado, registra que ‘a imprecisão ou fluidez das palavras constitucionais não lhes retira a imediata

aplicabilidade

dentro

do

campo

induvidoso

de

sua

significação. Supor a necessidade de lei para delimitar este campo, implicaria outorgar à lei mais força do que à Constituição, pois deixaria sem resposta a seguinte pergunta: de onde a lei sacou a base significativa para dispor do modo em que o fez, ao regular o alcance do preceito constitucional? É puramente ideológica e não científica a tese que faz depender de lei a fruição dos poderes ou direitos configurados em termos algo fluidos.’ Cita, a seguir, em abono da tese, lição de Garcia de Enterria (Curso de Derecho Administrativo, Civitas, Madri, 1974, vol. I, pp. 293-294): ‘La tecnica de los conceptos juridicos indeterminados (que, no obstante su nombre, um tanto general, son conceptos de valor ou de experiencia utilizados por las Leyes) es común a todas las esferas del Derecho. Así en el Derecho Civil (buena fé, diligencia del buen padre de familia, negligencia, etc.), o en el Penal (nocturnidad, alevosia, abusos deshonestos, etc.), o en el Procesal (dividir la continuencia de la causa, conexión directa, pertinencia de los interrogatorios, medidas

adecuadas

para

promover

la

ejecución,

perjuicio

irreparable

etc.)

o

en

Mercantil

(interés

social,

sobrescimento general en los pagos, etc.)’ e conclui Celso Antônio Bandeira de Mello:

‘Ora bem, se em todos os ramos do Direito as normas fazem uso deste tipo de conceitos, sem que jamais fosse negado caber aos juízes fixar seu alcance nos casos

concretos o que está a demonstrar a possibilidade de sacar deles uma certa significação por que negar que possam fazê-lo quando se trata de extrair o cumprimento da

vontade

constitucional?

Por

que

imaginar

necessário que o Poder Legislativo disponha

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

sobre a matéria para, só então, considerado

Poder

Executivo

ou

terceiro

obrigado

a

respeitá-los em matéria de liberdades públicas

ou

de

direitos

sociais?’

(Celso

Antônio

Bandeira de Mello, ob. e loc. cits).

O Professor Eros Roberto Grau cuidou, também, do tema e anotou que ‘a linguagem jurídica, toda ela, apresenta zonas de penumbra e é, atual ou potencialmente, vaga e imprecisa’, convindo acentuar, entretanto, ‘que não há conceitos indeterminados, mas sim conceitos cujos termos são indeterminados’ e que ‘ao Poder Judiciário, em última instância, compete operar a determinação desses conceitos.’ (‘Direito, Conceitos e Normas Jurídicas’, págs. 184/186).

No que toca ao conceito de juros reais, acrescenta Eros Grau, em trabalho específico sobre a questão dos juros reais, que ‘toda a gente sabe não é preciso ser economista para tanto que juros reais são as quantias que ultrapassam o volume de inflação no período de sua contagem, delas descontadas incidências tributárias, as tarefas admitidas pelo Banco Central e as parcelas atribuídas a juros de mora.’ (Eros Roberto Grau, ‘As Normas Constitucionais Programáticas’, em ‘A Luta contra a Usura’, Ed. Graal, págs. 37/49).

E, no rumo do que linhas atrás ficou exposto, conclui que, ‘a dar-se crédito ao entendimento de que não tem aplicação o parágrafo 3º do art. 192 da Constituição, porque inexiste definição legal de juros reais’, por idêntico motivo não teriam aplicação outros preceitos constitucionais de conceitos também imprecisos, como ‘tratamento desumano ou degradante’ (art. 5º, III), ‘iminente perigo público’ (art. 5º, XXV), ‘consumidor’ (art. 5º, XXXII), ‘contraditório e ampla defesa’ (art. 5º, LV). (Eros Roberto Grau, ob. e loc. cits.).

Essas considerações, Senhor Presidente, me parecem acertadas. Na verdade, a imprecisão das palavras

inscritas

na

Constituição

não

lhes

retira

a

aplicabilidade, como bem anotou o Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, no trabalho mencionado. É que a concretização desses conceitos cabe ao juiz, é uma tarefa nossa.

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

A formulação do conceito de juros reais ou a concretização desse conceito não oferece, ao que penso,

maiores

dificuldades.

Juros

reais

diferem

de

juros

nominais. Os juros reais constituem efetiva ou real remuneração do capital. Assim, incidem eles sobre o capital corrigido monetariamente, por isso que a doutrina e a jurisprudência já estabeleceram que a correção monetária não constitui acréscimo, sendo mera atualização do capital. Em outras palavras, os juros reais são juros deflacionados, são os juros que se calculam desprezando-se a parcela referente à correção monetária.

Li, com o cuidado que se requer, e tendo em vista a responsabilidade que temos, cada um de nós, como juiz da Corte Suprema, os inúmeros pareceres que nos foram oferecidos, estando quase todos eles publicados na RDP 88 e 89. Na RDP 88 estão os pareceres de Hely Lopes Meirelles, Caio Tácito, José Frederico Marques, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Celso Bastos e Ives Gandra da Silva Martins (RDP 88, págs. 147 e segs.) Na RDP 89, encontram-se os pareceres de Rosah Russomano (pág. 63 e segs.), José Alfredo de Oliveira Baracho (págs. 71 e segs.) e Cid Heráclito de Queiroz (págs. 246 e segs.). A RDP 91 voltou a publicar o parecer do Prof. Caio Tácito (págs. 236 e segs.). São trabalhos jurídicos, todos eles, do melhor nível e fazem justiça à fama de que gozam esses eminentes juristas. Detive-me, especialmente, sobre o parecer do Prof. Caio Tácito, no ponto em que o eminente publicista, examinando o conceito jurídico de juros reais e sustentando que esse conceito é de difícil formulação, invoca, em apoio de sua conclusão, a lição de Irving Fischer, economista que escreveu, em 1930, obra que é considerada clássica ‘A Teoria do Juro’, e que foi traduzida no Brasil. Escreveu o Prof. Caio Tácito: ‘Em verdade, não há, em nosso Direito Positivo, um conceito de juros reais, que somente ingressa na terminologia legal com o advento do § 3º do art. 192 da nova Constituição. Irving Fischer, em obra clássica de 1930 (na qual desenvolveu a teoria do juro expressa no início do século), vulgarizou a distinção entre o juro monetário e o juro real: ‘Se o padrão monetário fosse sempre estável em relação aos bens, a taxa de juro, calculada em termos do dinheiro, seria a mesma como se calculada em termos de bens. Quando, porém, o dinheiro e os bens mudam em relação um ao outro em outras palavras, quando o padrão

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ADI 2.591 / DF

monetário valoriza ou desvaloriza em termos de bens os números que expressam as duas taxas de juro, uma calculada em termos de dinheiro e outra calculada em termos de bens, serão um tanto diferentes. Além do mais, a primeira, ou a

taxa

monetária,

a

única

cotada

no

mercado,

será

influenciada pela valorização ou desvalorização.’ (Caio Tácito, parecer, ‘O Art. 192 da Constituição Federal e seu parágrafo 3º’, RDP 88/151).

A complexidade do conceito dos juros reais

estaria,

está-se

ver,

na

instabilidade

do

padrão

monetário. O Prof. Caio Tácito, aliás, registra que a advertência de Fischer ‘antecipa o reconhecimento da correção monetária como um processo de atualização do poder aquisitivo da moeda aviltada pelo efeito da inflação.’ (ob. e loc. cits.). Ora, certo é que, na quadra atual, temos o mecanismo da correção monetária, que atualiza a moeda, correção aceita tanto pelo Governo quanto pelos entes privados, comerciantes, empresários e por todos os que lidam no mercado financeiro. Sendo assim, e porque afirmamos que juro real é o juro nominal deflacionado, perderia sentido o fator que emprestaria complexidade à formulação do conceito de juro real.

Em Ciência Econômica, registra o Juiz Sérgio Gischkow Pereira, forte em Antônio Carlos Marques de Matos (‘A Inflação Brasileira’, Vozes, 1987, pág. 74), ‘os vocábulos ‘valor nominal’ e ‘valor real’ são assim definidos: valor nominal é o valor tal e qual se apresenta; o valor real é o nominal deflacionado (se houver inflação), ou inflacionado (se houver deflação).’ E acrescenta o Juiz Ginschkow, alicerçado no magistério de Paul Singer (‘Curso de Introdução à Economia Política’, Forense, 11ª ed., 1987, págs. 105/107): ‘Dentro desta visão, a taxa de juros reais não é apenas constituída pelo juro puro ou básico, compreendido como remuneração pela renúncia à liquidez, mas abrange o elemento de risco e os custos da transação ou remuneração do intermediário.’ (‘A Luta contra a Usura’, citada, pág. 64).

Parece-me, Senhor Presidente, que somos fiéis à Constituição quando afirmamos que a taxa de juros reais, segundo está no § 3º do art. 192, é mesmo o juro nominal deflacionado; ou é o juro que se obtém a partir do capital corrigido monetariamente. Esse juro nominal deflacionado remunerará o capital e os custos permitidos, incluindo-se, evidentemente, os tributos que têm como contribuinte de

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ADI 2.591 / DF

direito o emprestador do dinheiro. Os tributos de que o tomador do empréstimo for o contribuinte de jure não estariam contidos no conceito de juros reais.

Ontem, Senhor Presidente, no discurso que fiz, nesta Corte, em memória do Ministro Adalício Nogueira, ressaltei a importância do método sociológico ou do elemento político-social na interpretação, de que Holmes, Benjamin Cardozo e Roscoe Pound foram grandes expositores, os dois primeiros na Corte Suprema americana e o terceiro na doutrina, especialmente na Filosofia do Direito.

Vale,

Senhor

Presidente,

a

invocação

do

elemento político-social na interpretação do § 3º do art. 192 da Constituição. O eminente advogado do autor da ação direta expôs da tribuna elementos políticos, sociológicos, que nós, juízes, sabemos que existem e que não podem ficar ao largo da questão quando o Supremo Tribunal, Corte Constitucional, profere um julgamento que tem muito de político, político, evidentemente, no exato sentido da palavra, no sentido grego do vocábulo.

Nós sabemos, Senhor Presidente, que as taxas de juros que estão sendo praticadas, hoje, no Brasil, são taxas que nenhum empresário é capaz de suportar. Nós sabemos que o fenômeno que se denomina, pitorescamente, de ‘ciranda financeira’, é que é a tônica, hoje, do mercado

financeiro,

engordando

os

lucros

dos

que

emprestam

dinheiro e empobrecendo a força do trabalho e do capital produtivo.

Tudo isso eu devo considerar e considero, Senhor Presidente, quando sou chamado, como juiz da Corte Constitucional, a dizer o que é a Constituição. Também

esses

elementos,

Senhor

Presidente,

levam-me,

interpretando o § 3º do art. 192 da Constituição de 1.988, a emprestar-lhe aplicabilidade imediata, eficácia plena.

Com essas considerações, peço vênia ao eminente Ministro Sydney Sanches, cujas opiniões temos o costume de respeitar, para divergir, aqui, de S. Exa.. E, divergindo, declaro a inconstitucionalidade do ato normativo objeto da ação.

Julgo, portanto, procedente a ação direta.”

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

XII

Fui voto vencido no citado julgamento. Não posso,

entretanto, arrostar o decidido pela Corte Suprema. Por isso, ponho-

me de acordo com o que propõe o Procurador-Geral da República:

“(...)

30. Entretanto, o pedido enunciado de fato

permite,

e

a

solução

do

problema

demanda,

uma

interpretação

conforme

à

Constituição

da

expressão

impugnada do art. 3º, § 2º, da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, de modo que reduza sua eficácia possível consoante suscitado no parecer conjunto do Exmº Sr. Ministro da Justiça e do eminente Procurador-Geral do Banco Central. É que a preservação da integralidade da norma em debate não pode servir para, como se queixa a requerente, encorajar decisões judiciais que, a pretexto de aplicar os princípios norteadores do Código de Defesa do Consumidor, terminem por invadir a esfera de incidência da lei complementar destinada a regular o sistema financeiro nacional.

31. Isso ocorre quando, provocado a dirimir conflito de interesses originado de relação de consumo, o Poder Judiciário ultrapassa os estritos limites da proteção do consumidor, interferindo diretamente em instrumentos da política monetária nacional, como a oferta de crédito e a estipulação das taxas de juros a cargo do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil, por força das disposições da Lei da Reforma Bancária, Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, em pleno vigor, a teor da conclusão do julgamento da ADIn nº 4-DF (Min. SYDNEY SANCHES, ‘DJ’ de 25.6.1993) e do disposto, sucessivamente, nas Leis nº 7.770, de 31 de maio de 1989; nº 7.892, de 24 de novembro de 1989; nº 8.127, de 20 de dezembro de 1990; nº 8.201, de 29 de junho de 1991; e nº 8.392, de 30 de dezembro de 1991. Convém assinalar, nesse contexto, que incumbe aos Bancos Centrais, ou órgãos

equivalentes,

em

todo

o

mundo,

exercer

atribuições

análogas às do Banco Central do Brasil, nesse campo, mesmo

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

em países como os Estados Unidos da América, com longa tradição de defesa do consumidor, mediante ações de

inúmeras

organizações

não

governamentais

perante

a

Justiça, cabendo, no caso, ao ‘Federal Reserve Board’ tal responsabilidade.

Ante o exposto, opino seja julgada procedente, em parte, a ação, para declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução do texto, da expressão ‘inclusive as

de

natureza

bancária,

financeira,

de

crédito

e

securitária’, inscrita no art. 3º, § 2º, da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 Código de Defesa do Consumidor , para, mediante interpretação conforme à Constituição, tal como preconizado pelo Ministro de Estado da Justiça, ALOYSIO NUNES FERREIRA, e pelo Procurador-Geral do Banco Central do Brasil, CARLOS EDUARDO DA SILVA MONTEIRO, afastar a exegese que inclua naquela norma do Código de Defesa do Consumidor ‘o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas

por

instituições

financeiras

no

desempenho

da

intermediação de dinheiro na economia, de modo a preservar a competência constitucional da lei complementar do Sistema Financeiro Nacional’ (fls. 1039/1040), incumbência atribuída ao Conselho Monetário Nacional e ao Banco Central do Brasil, nos termos dos arts. 164, § 2º, e 192, da Constituição da República.’

(...)”. (fls. 1.060/1.061)

Empresto, de conseguinte, à norma inscrita no § 2º do art.

3º da Lei 8.078/90 ⎯ “inclusive as de natureza bancária, financeira,

de crédito e securitária”⎯ interpretação conforme à Constituição,

para dela afastar a exegese que nela inclua a taxa dos juros das

operações bancárias, ou sua fixação em 12% ao ano, dado que essa

questão diz respeito ao Sistema Financeiro Nacional ⎯ C.F., art.

192, § 3º ⎯ tendo o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIn

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

4-DF, decidido que o citado § 3º do art. 192, da Constituição Federal, não é auto-aplicável, devendo ser observada a legislação anterior à C.F./88, até o advento da lei complementar referida no caput do mencionado art. 192, da Constituição Federal.

XIII

Nestes termos, julgo procedente, em parte, a ação direta de inconstitucionalidade.

Supremo Tribunal Federal

17/04/2002 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO FEDERAL

V O T O

O SENHOR MINISTRO NÉRI DA SILVEIRA: - Sr. Presidente.

Meu voto acompanha integralmente a linha do voto do Sr. Ministro-Relator.

Entendo, entretanto, dispensável a interpretação conforme. Há dois planos distintos. É interditada a aplicação do Código do Consumidor em se tratando daquelas matérias concernentes ao art. 192, da Constituição, para as quais a Lei Maior previu a edição de lei complementar. São aquelas matérias que respeitam à estrutura do sistema financeiro e ao funcionamento das instituições financeiras. São normas que a própria Constituição estipula ficarem sujeitas à regulação de lei complementar.

O Tribunal, por maioria - fui voto vencido - decidiu que a regra do § 3º do art. 192 da Constituição, se compreende no Sistema Financeiro Nacional, tanto que só será aplicável após a edição de uma lei única — pela leitura do voto predominante. Data

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

venia, não vejo, no particular, por que haja de ser uma lei complementar única para regular o sistema financeiro.

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM - Sr. Ministro Néri da Silveira, V. Exa. referiu um assunto que tem sido reiterativo. Várias vezes tenho ouvido, inclusive está no relatório, que o Tribunal teria decidido que essa lei complementar do Sistema
Financeiro teria de ser uma lei única.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – É uma passagem do voto do Ministro Sydney Sanches, que dá a entender isso.

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Repete-se isso como se fosse algo assente.

O SENHOR MINISTRO NÉRI DA SILVEIRA: – Estou apenas registrando que não vejo razão, para destacar a questão dos juros, pois o Tribunal afirmou que, no ponto, depende de lei complementar.

Se, portanto, o Tribunal, por maioria, decidiu que a matéria
relativa a taxas de juros reais é atinente ao Sistema Financeiro e, pois, sujeita à edição de lei complementar, sem a qual não é
invocável o § 3º do art. 192, da Lei Magna, já se compreenderia essa espécie no todo, na estrutura do voto do eminente Ministro-Relator.

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

S.Exa. concluiu que podem conviver os dois sistemas e estou de inteiro acordo com essa ilação.

Se, simplesmente, o Tribunal vier a julgar
improcedente a ação, nessa linha do voto do eminente Ministro-Relator, estabelece-se precisamente a distinção. O Código do
Consumidor só não pode disciplinar aquelas matérias que estão explicitamente definidas nos diferentes incisos do art. 192 e parágrafos, da Constituição, eis que, à sua disciplina, cumpre editar lei complementar. Apenas essas questões não podem ser objeto de disciplina no Código de Defesa do Consumidor.

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Vossa Excelência, Ministro, está na mesma linha que sustentava, ou seja, tudo aquilo que é disciplinável com base no art. 192 não pode ser objeto do Código do Consumidor, porque se exige lei complementar. Então, é melhor deixar assim do que se limitar à taxa de juros de doze por cento.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – O Código do Consumidor, ao contrário, é um instrumental para a observância da lei complementar.

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Daqui a pouco vão interpretar que alguns desses itens do art. 192 poderão dar
margem...

O SR. MINISTRO CARLOS VELLOSO (RELATOR)– Mas o Código do Consumidor não cuida de nenhum desses recursos, ao contrário, porque se cuidasse...

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – O Código do Consumidor não cuida, porém diz: as atividades em geral. Está no art. 3.

O SR. MINISTRO CARLOS VELLOSO (RELATOR)– Problema de fila, banheiro para consumidor, uma série de coisas que o consumidor deve exigir...

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Não é possível o Banco Central exigir que os banheiros tenham...

O SENHOR MINISTRO NÉRI DA SILVEIRA: – Se surgir um caso concreto, o Tribunal decidirá.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Propaganda enganosa.

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Parece-me que a única coisa em que eles não podem interferir é isso. Por essa razão estava sugerindo afastar tudo aquilo que fosse disciplinável pelo art. 192.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) –
Ministro Carlos Velloso, não lhe parece que o Código do Consumidor é um instrumental para a eficácia dos diplomas de regência, quanto à relação com o consumidor? É simples instrumental.

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Mas não é fundamental, por acaso?

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – O Código do Consumidor é observado a partir das leis de regência das matérias. Temos a lei complementar, no que dispuser até fora das balizas do artigo 192 da Carta, sobre algo que diga respeito à relação correntista/banco etc.

O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – O que na realidade ocorre é que se estabeleceu de modo genérico que há atividades bancárias. É preciso restringir isso e dizer que não são todas.

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – O ministro Néri da Silveira vai concluir o voto.

O SENHOR MINISTRO NÉRI DA SILVEIRA: – Meu voto, pura e simplesmente, julga improcedente a Ação Direta de
Inconstitucionalidade, de tal maneira que o Código do Consumidor continuará a ser aplicado, assim como vem sucedendo. Se surgir qualquer questão que possa implicar conflito do Código do
Consumidor, na sua aplicação, com o regime do Sistema Financeiro, com um dos pressupostos de sua estrutura e funcionamento do sistema, assim como previsto no art. 192, da Lei Maior, isso haverá de ser resolvido especificamente. Por exemplo, a questão afirmada pelo Ministro Moreira Alves, quanto ao horário, se isso seria uma matéria do Sistema Financeiro ou não; o Código do Consumidor não está
regulando essa espécie. Então, evidentemente, se surgir controvérsia a esse respeito, o Tribunal dirá se ela concerne ou não ao plano em foco.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Para isso é preciso lei complementar?

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Jornada de trabalho dos bancários...

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Concebo que isso tem tanta influência na política monetária...

O SENHOR MINISTRO NÉRI DA SILVEIRA: – Julgo improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade. Não dou interpretação conforme para julgá-la procedente em parte.

Supremo Tribunal Federal

TRIBUNAL PLENO

EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO FEDERAL

RELATOR ORIGINÁRIO : MIN. CARLOS VELLOSO RELATOR PARA O : MIN. EROS GRAU
ACÓRDÃO

REQUERENTE

: CONFEDERAÇÃO

NACIONAL

DO

SISTEMA

FINANCEIRO - CONSIF
ADVOGADOS : IVES GANDRA S. MARTINS E OUTROS REQUERIDO : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
REQUERIDO : CONGRESSO NACIONAL

Decisão : Após o voto do Senhor Ministro Carlos Velloso, Relator, emprestando ao § 2º do artigo 3º da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, interpretação conforme a Carta da República, para excluir da incidência a taxa dos juros reais nas operações bancárias, ou a sua fixação em 12% (doze por cento) ao ano, e do voto do Senhor Ministro Néri da Silveira, julgando improcedente o pedido formulado na inicial, solicitou vista o Senhor Ministro Nelson Jobim. Falaram, pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF, o Professor Ives Gandra da Silva Martins, e, pela Advocacia-Geral da União, o Dr. Walter do Carmo Barletta.

Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Plenário, 17.4.2002.

Presidência

do

Senhor

Ministro

Marco

Aurélio.

Presentes à sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa, Nelson Jobim e Ellen Gracie.

Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.

Luiz Tomimatsu
Coordenador

Supremo Tribunal Federal

22/02/2006 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO FEDERAL

PROPOSTA

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE) - Senhores Ministros, antes de proferir voto, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, admitido como amicus curiae pelo Ministro Carlos Velloso, ingressa com uma petição que diz, em linhas gerais: “..............................

Considerando-se a superveniência da aposentadoria do eminente Ministro Relator Carlos Velloso, há que se reconhecer a impossibilidade de realização do julgamento da ADI em epígrafe até que novo Ministro seja investido no cargo.

..............................”

E aqui vem a fundamentação; basicamente, ele pretende a retirada da ação sob o comento da pauta de julgamento até que novo Ministro assuma as suas funções.

Submeto ao Plenário o requerimento e, desde logo, pronuncio-me pelo seu indeferimento, uma vez que o Ministro Carlos Velloso esgotou seu voto. Portanto, não há necessidade de aguardar a designação do novo Ministro que o sucederá, pois este não poderá nem mesmo reconsiderar o voto do Ministro-Relator.

Supremo Tribunal Federal

22/02/2006 TRIBUNAL PLENO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO

FEDERAL

V O T O

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM - :

I – PARTE EXPOSITIVA:

1. A AÇÃO DIRETA:

A CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO SISTEMA FINANCEIRO – CONSIF –

pretende a declaração de inconstitucionalidade da expressão:

inclusive as de natureza bancária, financeira, de

crédito e securitária” (art. 3º, § 2º, da L. 8.078/901).

Alega afronta:

(a) ao art. 192, caput, II e IV, da CF, na redação

original (2);

1 L. 8.078, de 11 de setembro de 1990:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou

privada,

nacional

ou

estrangeira,

bem

como

os

entes

despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem,

criação, construção, transformação, importação, exportação,

distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de

serviços.

..............................

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de

consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária,

financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das

relações de caráter trabalhista.

2 CF/88:

Art. 192. O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, estruturado de forma a promover o

desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que

disporá, inclusive, sobre:

..............................

II - autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e

capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 13, de 1996)

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

(b) ao princípio do devido processo legal em sentido

substancial (CF, art. 5º, LIV3).

(EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR)

Alega, ainda, que a disciplina do SISTEMA FINANCEIRO

NACIONAL (SFN) somente pode ser objeto lei complementar (ADC 4,

SYDNEY SANCHES, DJ 25.6.19934).

(DISTINÇÃO ENTRE CONSUMIDOR E CLIENTE)

Sustenta, mais, que a CF teria feito diferença entre

consumidor e cliente de Instituição Financeira.

A CF teria dado tratamento normativo diverso para as duas

searas:

(a) O Direito ao Consumidor, no Capítulo I do Título

VII – art. 170, V.

(b) O SFN, no Capítulo IV do mesmo Título – art.

192.

Está na inicial:

IV - a organização, o funcionamento e as atribuições do BANCO Central e demais instituições financeiras públicas e privadas;

3 CF/88:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
..............................

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o

devido processo legal;

4 INICIAL, p. 12:
“..............................

31. Ora, se, conforme reconhecido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, as matérias pertinentes ao SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, abrangente das atividades bancárias, financeiras, de crédito e de seguros, hão de ser disciplinadas por lei complementar a teor do art. 192 da Constituição da República, e se, de acordo com o entendimento do mesmo Tribunal, a Lei n.º 4.595/64 foi recepcionada com esse status, - resta evidente que o § 2º do art. 3º da Lei n.º 8.078/90, ao pretender equiparar todas as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária a relações de consumo para o fim de regulá-las, padece de inconstitucionalidade por invadir área reservada, à lei complementar, sendo insusceptível de derrogar a lei recepcionada, que desfruta desse status.

..............................”

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

“..............................

39. É de se ressaltar, por exemplo, que as instituições financeiras não trabalham com dinheiro próprio, mas de terceiros. A pretensão de aplicar-lhes regras de consumo – que não se amoldam às peculiaridades das operações bancárias – pode atingir, de rigor, os correntistas e aplicadores que ofertam recursos ao sistema para serem repassados, mediante guarda ou aplicação, em vez de mantê-los guardados em casa ou no cofre das empresas. ... Por esta razão é que só o órgão encarregado de controlar o sistema financeiro, que é o BANCO Central, pode cuidar da fiscalização nessa matéria, que está disciplinada no art. 192 da

Constituição

Federal,

em

consonância

com

o

art.

164

da

Constituição Federal, e, não, no art. 170 da Constituição Federal.

..............................” (INICIAL – p. 9/10)

(PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE)

Suscita, por fim, a lesão ao princípio da
proporcionalidade (princípio do devido processo legal em sentido substancial).

Argumenta que dois setores de natureza e atividades tão diferentes não poderiam estar vinculados às mesmas regras de funcionamento e ao mesmo regime jurídico.

Soma-se a isso o fato de existir uma estrutura normativa e financeira própria para o setor bancário dos quais são exemplos o BANCO CENTRAL (BACEN), o CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL (CMN) e a L. 4.595/645).

5 INICIAL, p. 13:
“..............................

48. Ora, a regulação pela Lei n.º 8.078/90, conferindo o trato legal a tais atividades da mesma maneira que às demais atividades econômicas, que não ostentam as mesmas peculiaridades, não se mostra razoável, quer em face dessa sistemática constitucional, quer sob o aspecto material das operações celebradas no âmbito do sistema financeiro, violando o princípio do devido processo legal substantivo (art. 5º, LIV, da Constituição Federal).

..............................

50. No presente caso, para além de já existir regulamentação pertinente à defesa dos direitos dos usuários das instituições financeiras, expedida pelos órgãos de controle contemplados nos atos legislativos com eficácia de lei complementar, o que afasta o requisito da necessidade, a inadequação se revela quer por ser incabível procedê-la por meio da legislação ordinária, como é o caso da Lei n.º 8.078/90, quer por haver referida lei submetido temas tão distintos a disciplina idêntica.

..............................”

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF
2. PARECER DA PGR.

A PGR pede a declaração parcial de inconstitucionalidade, sem redução de texto, para, mediante interpretação conforme:

“..............................

... afastar a exegese que inclua naquela norma do CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ‘o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho de intermediação de dinheiro na economia, de modo a preservar a competência constitucional da lei complementar do SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL’...

..............................”

3. O VOTO DO RELATOR - CARLOS VELLOSO.

VELLOSO, Relator, faz considerações acerca do princípio constitucional de defesa do consumidor.

Para VELLOSO, o conflito entre a lei complementar do SFN e o CDC é meramente aparente.

O âmbito de aplicação do CDC é diverso e não interfere na estrutura institucional do SFN.

Com isso, seria permitida coexistência entre a lei complementar reguladora do setor financeiro e o CDC a sujeitar instituições bancárias, de crédito e de seguros.

VELLOSO conclui:

“..............................

IX. ..., o CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, não interfere com o SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, ..., em termos institucionais, já que o Código limita-se a proteger e

defender

o

consumidor,

o

que

não

implica,

repete-se,

interferência no SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. Protegendo e

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

defendendo

o

consumidor,

realiza

o

Código

o

princípio

constitucional. Atualmente, o SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL é regulado pela Lei 4.595/64, recebida pela C.F./88 como lei complementar naquilo em que ela regula e disciplina o Sistema, não existindo entre aquela lei e a Lei 8.078, de 1990 – Cód. De Defesa do Consumidor – antinomias. O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR aplica-se às atividades bancárias da mesma forma que a essas atividades são aplicáveis, sempre que couber, o Cód. Civil, o Cód. Comercial, o Código Tributário Nacional, a Consolidação das Leis Trabalhistas e tantas outras leis.

..............................” (VOTO – p. 30)

Para VELLOSO, entretanto, a questão referente aos juros

aplicáveis às operações bancárias é matéria que se coloca fora do

alcance do CDC.

Acompanha, nesse ponto, a jurisprudência do STF (ADI 4,

SYDNEY SANCHES, DJ 25.6.1993).

Adota o parecer da PGR:

“..............................

Empresto, de conseguinte, à norma inscrita no § 2º do art. 3º da Lei 8.078/90 – ‘inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária’ – interpretação conforme à Constituição, para dela afastar a exegese que nela inclua a taxa dos juros das operações bancárias, ou sua fixação em 12% ao ano, dado que essa questão diz respeito ao SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – C.F. art. 192, § 3º - tendo o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4-DF, decidido que o citado § 3º do art. 192, da Constituição Federal, não é auto-aplicável, devendo ser observada a legislação anterior à C.F./88, até o advento da lei complementar referida no caput do mencionado art. 192, da Constituição Federal.

..............................” (VOTO – p. 47)

Além de VELLOSO, votou NÉRI DA SILVEIRA.

Este julga improcedente a ação.

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

NÉRI considera que eventuais conflitos entre os dois

regimes deverão ser resolvidos caso a caso.

Ou seja, NERI não enfrentou o tema.

4. A POSIÇÃO DO STJ E DE OUTROS TRIBUNAIS.

Em 09.09.2004, o STJ editou a SÚMULA 297 com esta redação:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às

instituições financeiras.”

A SÚMULA é resultado do entendimento do STJ em cinco

julgamentos, que reproduziu em outros(6).

O caso mais abrangente é o RESP 106.888 (7).

A decisão final foi no sentido de reconhecer a RELAÇÃO DE

CONSUMO em todas as atividades bancárias.

Eis os argumentos:

(a) os titulares de cadernetas de poupança, muito

embora não paguem diretamente, remuneram indiretamente os

BANCOS por meio do uso que estes fazem do dinheiro dos

poupadores;

6 RESP 57.974, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 29.5.1995; RESP 106.888, rel. Min. César Asfor Rocha, DJ 5.8.2002; RESP 175.795, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 10.5.1999; RESP 298.369, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 25.8.2003; e RESP 387.805, rel. Minª. Nancy Andrighi, DJ 9.9.2002;
RESP 160.861, rel. Min. Costa Leite, DJ 3.8.1998; RESP 163.616, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 3.8.1998; RESP 47.146, rel. Min. Ruy Rosado, DJ 6.2.1995; etc).

7 O Min. CESAR ASFOR ROCHA, relator do RESP, bem expôs o objeto da questão decidida pela 2ª Seção:
Impende, contudo, estabelecer se o Código de Defesa do Consumidor incide sobre todas as

relações e contratos pactuados entre as instituições financeiras e seus clientes, como os depósitos em caderneta de

poupança, de que aqui se trata, ou se apenas na parte relativa à expedição de talonários, fornecimento de extratos, cobrança de contas, guarda de bens e outros serviços afins.” (Pág. 3 do voto).

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF
(b) o § 2º, do art. 3º do CDC expressamente prevê que são considerados serviços para os fins do Código os de natureza bancária, financeira e creditícia;
(c) afastar a aplicação do CDC a esse tipo de

relação

significaria

deixar

desamparado,

jurídico

e

judicialmente, todos os clientes e usuários bancários;
(d) a aplicação do CDC às cadernetas de poupança significaria dotar do poupador de instrumentos de proteção de uma aplicação financeira de “cunho nitidamente social”;
(e) a não aplicação do CDC às relações tipicamente bancárias poderia resultar na possibilidade de excessos e na

fixação

de

cláusulas

abusivas

nos

contratos

de

adesão

elaborados pelos BANCOS;

O STJ, portanto, concluiu no sentido de que têm natureza bancária todas as relações que envolvam a caderneta de poupança e as “tipicamente bancárias” como

“............................

concessão de crédito, em suas diversas formas:

mútuos

em

geral,

financiamentos

rural,

comercial, industrial ou para exportação,
contratos de câmbio,
empréstimos para capital de giro,
abertura de crédito em conta corrente e
abertura de crédito fixo, ou quaisquer outras modalidades do gênero.

.............................”

II – VOTO.

1. PRELIMINAR DE PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO DIRETA.

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF
Examino questão prejudicial.

A INICIAL indica os arts. 5º, LIV, e art. 192, incisos II

e IV.

O art. 192 disciplinava amplamente o regime do SFN.

Descia à minúcias.

Indicava os temas a serem tratados por lei complementar e

determinava a fixação do valor máximo de juros reais anuais (incisos

e § 2º, do art. 192).

Quanto

ao

§

2º,

o

SUPREMO

fixou

que

a

norma

constitucional não era auto-aplicável e dependia de regulamentação

(ADI 4).

Em maio de 2003, a EC 40 alterou o art. 192.

Reduziu-o para apenas um dispositivo:

Art. 192. O Sistema Financeiro Nacional, estruturado de

forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir

aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem,

abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis

complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do

capital estrangeiro nas instituições que o integram.

A questão, portanto, é saber se a revogação dos incisos

prejudica a ação.

Analiso.

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

Discute-se os limites de aplicação do CDC e a existência,

ou não, de fronteiras entre RELAÇÃO DE CONSUMO e SFN.

De um lado, está o campo que a CF indicou como princípio a

ser garantido pelo Estado:

- a defesa do consumidor (art. 5º, inciso XXXII8; e art. 170, V9).

Do outro, o SFN tem destaque no texto da CF, além de ser

setor fundamental para a estabilidade da moeda e fortalecimento da

economia.

O problema, portanto, não se limita às estritas fronteiras

do texto constitucional.

O regime jurídico aplicado aos BANCOS e ao SFN é tema

demasiadamente sensível do ponto de vista econômico, político e

social para ficar restrito a uma previsão constitucional de tom mais

analítico.

8 CF/88:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
..............................

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

9 CF/88:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
..............................

V - defesa do consumidor;

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF
Está a tratar de um tema fundamental, do ponto de vista institucional.

A revogação de grande parte do corpo do art. 192 demonstra

que

se

trata

de

assunto

de

grande

envergadura

político-

institucional.

Dos rigores e imutabilidade das normas constitucionais poderiam vir a prejudicar a regulamentação de um setor que, por conceito, é dinâmico e em constante evolução.

Em outras palavras, independente do enxugamento do art.

192, o problema dos limites de aplicação do CDC ao setor bancário se impõe.

Tudo

porque

se

está

diante

de

dois

valores

constitucionais:

- proteção do consumidor; e

- fortalecimento da economia, com desenvolvimento.

A interconexão de ambos os campos precisa ser definida.

Além disso, o art. 192, após a EC 40/2003, conservou a competência da lei complementar para regular o SFN.

Isso quer dizer que, do ponto de vista do processo legislativo, remanesce a impugnação de que lei ordinária não poderia regular atividade dos BANCOS por se tratar de tema de competência da norma complementar.

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF
Além do mais, a ação direta detém “causa de pedir aberta”.

Isso significa que, em regra, a impugnação de lei não se faz com base apenas no dispositivo constitucional apontado na INICIAL.

Ao

contrário,

a

declaração

de

constitucionalidade,

decorrente

da

improcedência

de

uma

ADI,

assegura

a

constitucionalidade da lei.

Esse é o entendimento do SUPREMO(10).

No caso, a constitucionalidade da aplicação do CDC ao setor bancário deverá ser analisada com base em toda a Constituição, independente da norma constitucional levantada como desobedecida.

Não

se

aplica

ao

caso,

a

jurisprudência,

também

consolidada, pela qual a revogação ou a alteração substancial da norma constitucional prejudica a ação(11).

É que, nesses casos, o tema versado diz respeito única e exclusivamente a determinado trecho ou dispositivo constitucional (por exemplo, regime do servidor público)

10 RE 357.576, MOREIRA ALVES, DJ 14.3.2003; ADI 1.749, JOBIM, DJ 15.4.2005;
ADI 1.756, MOREIRA ALVES, DJ 6.1.1998; ADIMC 1.606, MOREIRA ALVES, DJ 31.10.1997; ADI 2.009, MOREIRA ALVES, DJ 9.5.2003)

11 Por exemplo: ADI 909, JOBIM, DJ 6.6.2003;
ADI 1.674, SYDNEY SANCHES, DJ 6.6.2003;

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF
Essa relação unívoca inviabiliza a análise da ação direta em face de outras normas ou princípios constitucionais que, em relação ao ato questionado, seriam simplesmente impertinentes.

Em suma, quanto a essa preliminar, entendo que a ação deve prosseguir e ser conhecida porque:

(a) a nova versão do art. 192 ainda conservou a competência legislativa da lei complementar para tratar do SFN;

(b) a ação direta tem “causa petendi” aberta e, assim, a análise de constitucionalidade se faz com base em todo o ordenamento constitucional.

2. MÉRITO – ASPECTO JURÍDICO.

O problema da aplicação do CDC ao setor bancário permite abordagens sob diversas dimensões.

Tratarei da questão a partir do enfoque jurídico e do enfoque econômico.

2.1. O CONSUMO E A POUPANÇA.

Ponto fundamental para a solução do problema da aplicação do CDC aos BANCOS é a conceituação de CONSUMO e sua diferenciação do conceito de POUPANÇA.

Tais idéias são comumente tratadas como equivalentes quando analisadas relações entre PESSOAS e BANCOS.

No

entanto,

existem

diferenças

entre

as

duas

que

inviabiliza o tratamento sob o mesmo regime jurídico.

CONSUMO aplica-se a aquisição ou utilização de coisas ou serviços para a satisfação de um interesse pessoal ou de uma necessidade.

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

Subjacente à idéia de CONSUMO está a noção de uso de

coisa.

Todo o CONSUMO importa necessariamente em extinção,
desaparecimento, deterioração, depreciação ou transformação de coisa ou serviço pelo seu simples uso, mediato ou imediato, de modo a atender a alguma necessidade.

É o que acontece, em maior ou menor grau, com bens não-duráveis, como cigarro, comida, entretenimento, etc; ou duráveis, como vestuário e automóveis desde que sejam finais, acabados e adquiridos por consumo final.

POUPANÇA nos remete a outra noção.

Passa-se para a idéia de acumulação de capital, de excedente de recursos.

Trata-se daquela sobra, financeiramente auferível, que remanesce após a satisfação, por meio do consumo, das necessidades.

Nesse sentido, poupar e consumir são idéias de exclusão recíproca.

Poupar significa, por isso, renúncia ao consumo presente, como forma de acumular recursos para um consumo futuro, certo ou incerto.

2.2. CONSUMIDOR, POUPADOR e MUTUÁRIO.

Em decorrência, os conceitos de CONSUMIDOR e de POUPADOR são distintos.

O conceito de CONSUMIDOR está, é óbvio, associado à idéia de consumo.

Por isso, quer significar aquele que adquire ou utiliza coisa, transformando-a ou destruindo-a, com o fim de atender interesse próprio.

Por ser elemento essencial na configuração da RELAÇÃO DE CONSUMO – ao lado do conceito de FORNECEDOR(12) -, o próprio Código conceitua CONSUMIDOR (art. 2º).

12 L. 8.078/90 (CDC):

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

Caracteriza o CONSUMIDOR como qualquer

pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”(13).

Logo, o CONSUMIDOR é aquele que remunera o serviço ou compra o bem que será consumido, por isso destinatário final.

Ampliando a dimensão de análise, o CONSUMIDOR participa da economia por meio de atividade retributiva:

- pagamento diretamente vinculado e proporcional ao serviço que a ele será prestado ou ao bem por ele adquirido, como destinatário final.

O POUPADOR é aquele que, por escolha pessoal, não consome, mas conserva recurso, aplicando ou entesourando.

Na sociedade capitalista, a figura do POUPADOR está intimamente ligada à figura do próprio BANCO.

Isso porque o POUPADOR conserva seu capital por meio de depósitos nos BANCOS.

O dinheiro, entregue em depósito aos BANCOS, pelos
POUPADORES, acaba por ser utilizado para outros fins, especialmente para o empréstimo.

Dessa forma, o POUPADOR, em realidade, empresta a moeda e por esse “produto” recebe uma remuneração da instituição financeira.

O empréstimo rende juros aos BANCOS.

Parcela desses juros é utilizada para remunerar o POUPADOR.

O POUPADOR não paga ou remunera um produto ou serviço,

como o faz o CONSUMIDOR.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

13 L. 8.078/90 (CDC):
Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Supremo Tribunal Federal

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O POUPADOR é remunerado por meio de juros pela moeda que entregou.

O CONSUMIDOR se desfaz de moeda para satisfação de interesse particular.

Já o POUPADOR recebe mais moeda pela entrega de capital - nada paga, não remunera.

É remunerado.

Leio na doutrina:

“..............................

… sustentar que existe relação de consumo na
atividade de depósito de cadernetas de poupança parece fugir à lógica do razoável, à medida que não se poderia fugir da inelutável ilação de que estaria o BANCO recebendo duas
remunerações, uma pela captação (...) e outra pelo repasse, quando, em verdade, a remuneração é única e decorre do
pagamento dos juros e demais encargos do mútuo diretamente pelo tomador do empréstimo (o mutuário). O aplicador de
poupança não paga nada ao BANCO, nem direta, nem
indiretamente. Não cabe falar em remuneração indireta se não há o pagamento pela via indireta.

..............................” (14)

Da mesma forma que o CONSUMIDOR não se confunde com POUPADOR também não há identidade entre CONSUMIDOR e MUTUÁRIO.

O MUTUÁRIO é aquele que está do outro lado da intermediação financeira dos BANCOS.

São eles que pagam os juros aos BANCOS, que, por sua vez, remunerará os POUPADORES.

O MUTUÁRIO não se confunde com CONSUMIDOR porque não é destinatário final de um produto.

O colecionador de moedas, por exemplo, não é um MUTUÁRIO.

14 MARCO ANTONIO ZANELLATO: “Oposição entre poupança e consumo. Inaplicabilidade do CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR”. In: Revista de direito bancário e do mercado de capitais. Ano 2, nº 4. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, janeiro-abril de 1999, pág. 246;

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Ele adquire a moeda como mercadoria e, por isso, como destinatário final.

Os BANCOS concedem o crédito de forma a permitir que o MUTUÁRIO possa estabelecer RELAÇÕES DE CONSUMO com terceiros (construtoras, incorporadoras, proprietários de imóveis, etc.).

Leio GALENO LACERDA:

“..............................

Se, no contrato de depósito bancário, o banco-
depositário é devedor, e o cliente-depositante é credor, claro está que nele não se pode entrever uma relação de consumo, na qual, como é notório, o cliente-consumidor figura como
devedor, e o fornecedor do bem de consumo, como credor. Aliás, aberraria do bom senso a solução oposta, já que consumo e depósito são, por definição, antônimos. Repelem-se por
natureza e essência. Consumir o depósito tipifica, até, crime de depositário infiel. E consumir ‘serviço’ de depósito
violenta, sem dúvida, o senso comum.

..............................” (15)

Na verdade, a relação que se estabelece entre POUPADOR e BANCO e entre BANCO e MUTUÁRIO perfaz algumas etapas do ciclo do dinheiro ou da moeda que cumpre sua função com a simples circulação.

Não há ligação entre as OPERAÇÕES BANCÁRIAS e a idéia de CONSUMO.

Leio PAULO BROSSARD:

“..............................

... entre o consumidor assim definido por lei, e o cliente de um banco, enquanto tal, não há identidade, nem semelhança, da mesma forma que entre o consumo e o contrato bancário. Operações bancárias ou operações de crédito não dizem respeito ao consumo; ao contrário, envolvem aplicação de reservas poupadas, exatamente do que sobejou por não ter sido utilizado no consumo, ou seja, na satisfação de necessidades.

15 Ação civil pública e contrato de depósito em caderneta de poupança – impossibilidade do uso daquela via nessa matéria. O contrato de depósito é estranho às relações de consumo. Limites à legitimação do Ministério Público na ação civil pública. Os interesses difusos ou coletivos não abrangem os interesses ou direitos individuais homogêneos. In: Revista dos Tribunais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 84, vol. 715, maio de 1995, pág. 109;

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..............................” (16)

O

MUTUÁRIO

e

POUPADOR

integram

etapas

do

processo

econômico.

Variações de seus comportamentos - de procura de crédito ou de nível de recursos poupados - terão impacto imediato na circulação da moeda, na disponibilidade de recursos, na capacidade de investimento e, portanto, no próprio funcionamento da economia.

Já a RELAÇÃO DE CONSUMO claramente diz respeito a uma posição subjetiva individual ou individualizável.

Diz com uma relação que se exaure, em termos de proteção, à garantia do exercício da liberdade de escolha e da igualdade contratual.

A diferença não é meramente terminológica.

A RELAÇÃO DE CONSUMO se apresenta sob enfoque tipicamente subjetivo, de proteção do CONSUMIDOR, uma vez que a sua situação subjetiva se repete inúmeras vezes.

Sua proteção, segundo as bases do direito constitucional brasileiro, se faz em termos de direitos fundamentais.

A relação que o CONSUMIDOR estabelece com um agente econômico mais poderoso, em uma relação economicamente desigual, exige a maior proteção do Estado à parte hipossuficiente.

Já as relações concernentes ao ciclo da moeda têm natureza objetiva.

Dizem respeito, não só à relação do POUPADOR ou do MUTUÁRIO, tomados individualmente, mas aos reflexos dos
comportamentos econômicos desses milhares de agentes na própria economia.

O fundamento principal da regulamentação dessas relações é o próprio controle das bases da economia, assim como a fiscalização do nível de investimento realizado.

16 Defesa do consumidor – atividade do Ministério Público – incursão em operações bancárias e quebra de sigilo – impossibilidade de interferência. In: Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 84, vol. 718, agosto de 1995, pág. 90;

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Assim sendo, todos os cidadãos são invariavelmente
envolvidos, porque são diretamente influenciados pela forma como se dará a regulação do setor financeiro.

Por esse motivo o regime jurídico de proteção do CONSUMIDOR é diferente do regime do POUPADOR e do MUTUÁRIO.

3. A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR E A PROTEÇÃO DO POUPADOR E DO MUTUÁRIO.

3.1. DIFERENÇAS DOS REGIMES JURÍDICOS.

A diferença na composição e no funcionamento do sistema de proteção do CONSUMIDOR e de proteção do POUPADOR e do MUTUÁRIO não é meramente legal.

Tal distinção não advém de uma escolha política realizada pelo legislador.

Na verdade, a diferença de perspectiva segue uma lógica que vem das premissas de proteção de cada um dos sistemas.

Como já mencionado, a proteção das RELAÇÕES DE CONSUMO advém de uma necessidade de garantia de um conjunto de direitos do indivíduo, historicamente conquistado.

As RELAÇÕES DE CONSUMO, tal como as RELAÇÕES DE TRABALHO, apresentam-se como relações juridicamente igualitárias, a respeitar o conceito da igualdade formal, típica do Estado Liberal.

Entretanto, são claramente relações de desníveis econômicos, políticos e sociais.

Tais desníveis produzem condições para que a parte mais poderosa da relação possa exercer, abusivamente ou em excessos, sua autonomia contratual, sua liberdade negocial.

As RELAÇÕES DE CONSUMO exigem, portanto, atuação específica do Poder Público que passa, obrigatoriamente, por uma legislação protetiva.

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Essa perspectiva é evidente da leitura de alguns incisos

do art. 4º do CDC, ao estabelecer a POLÍTICA NACIONAL DE RELAÇÕES DE

CONSUMO( 17).

Não é difícil perceber que o CONSUMIDOR, por não ter o poder econômico do FORNECEDOR ou do PRODUTOR, tem sua liberdade negocial diminuída.

Na prática, é obrigado a se sujeitar às condições contratuais impostas pela parte mais forte.

Muitas vezes, é levado a se submeter a constrangimentos e

práticas abusivas por parte do estabelecimento comercial, não tendo

condições de exigir, na relação individual, por exemplo:

(a) alteração da embalagem do produto por falta de informações claras;

(b) alteração de cláusula por se tratar de contrato-padrão;

(c) instituição de departamento de atendimento ao consumidor na qual possa fazer reclamações e acompanhar as providências.

O CDC arrola, nesse sentido, uma extensa listagem de

práticas (art. 39 18) e de cláusulas contratuais abusivas (art. 51 19).

17 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
...............................

IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

18 L. 8.078/90 (CDC):
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

ADI 2.591 / DF

II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;
VII - repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;
VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);
IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;
X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.

XI – (Dispositivo incluído pela MPV nº 1.890-67, de 22.10.1999, transformado em inciso XIII, quando da converão na Lei nº 9.870, de 23.11.1999)
XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.

XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido.

19 L. 8.078/90 (CDC):
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;
III - transfiram responsabilidades a terceiros;

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O direito fundamental de proteção ao CONSUMIDOR procura compensar essas desigualdades fáticas.

Visa estabelecer maiores restrições a essa autonomia contratual do FORNECEDOR ou do PRODUTOR, restrições essas que o CONSUMIDOR não teria como fixá-las na relação concreta.

O direito do CONSUMIDOR tem origem histórico-filosófica, de proteção a direitos fundamentais com preocupação direta com a própria figura do CONSUMIDOR.

Já a proteção do POUPADOR e do MUTUÁRIO não toma por base a intenção de equiparar uma relação faticamente desigual.

Na verdade, a perspectiva é outra já que as condições de funcionamento do SFN dependem de regulação do Poder Público.

A preocupação é com toda a população.

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
V - (Vetado);
VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;
IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;
XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

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Busca-se a estabilidade econômica, a consolidação do sistema bancário, a redução do custo do dinheiro e a facilitação das condições de empréstimo e investimento, em fim, o desenvolvimento.

As figuras do POUPADOR e do MUTUÁRIO não são protegidas enquanto indivíduos na perspectiva histórica, mas enquanto peças fundamentais para o funcionamento da economia.

No consumo, a proteção do CONSUMIDOR se encerra nele mesmo.

No setor financeiro, a proteção do POUPADOR e do MUTUÁRIO integra a proteção da política econômica, que tem repercussões em toda a população.

Assim, no direito do consumo, os órgãos de proteção atuam como procuradores e defensores do direito difuso, coletivo ou individual homogêneo de todos os CONSUMIDORES.

O CDC cria um sistema de proteção nesse sentido.

Prevê a participação de diversos órgãos públicos e entidades privadas.

Cria instrumentos políticos e jurídicos para a concretização de uma política do consumo ( 20).

O chamado SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR (SNDC) é integrado pelo:

(1) DEPARTAMENTO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DPDC, vinculado à SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO do
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, que é órgão de coordenação da política de consumo; e

(2) os PROCONs estaduais (em número de 27) e municipais, com competência para garantir os direitos dos CONSUMIDORES por meio de providências, inclusive judiciais, para planejar, coordenar e executar a política de proteção local.

20 L. 8.078/90 (CDC):
Art. 105. Integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), os órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais e as entidades privadas de defesa do consumidor.

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Além desses órgãos previstos no CDC e no Decreto 2.181/97, é de se lembrar as DELEGACIAS DO CONSUMIDOR (DECONs), a atuação do MINISTÉRIO PÚBLICO e a participação de várias ONGs ( 21).

A filosofia própria de fiscalização e proteção do SFN exigiu a montagem de uma estrutura completamente diversa e segue princípios diferentes de controle.

Nessa seara, o objetivo é a proteção da população

brasileira por meio de uma política de acompanhamento e controle da

economia.

O interesse pessoal do POUPADOR e do MUTUÁRIO se inclui nessa perspectiva, o que se percebe a partir da legislação protetiva do chamado “CLIENTE BANCÁRIO” (Resolução 2.878, de 26.7.2001).

Assim, a proteção do SFN, ou, em outras palavras, a proteção da ECONOMIA e da própria POLÍTICA MONETÁRIA, se faz por meio dos órgãos e entidades públicas criadas especificamente para o fim de regular a atividade financeira e estabelecer os fundamentos da própria economia:

(1) o BANCO CENTRAL (BACEN) e

(2) o CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL (CMN).

O CMN é o órgão deliberativo mais importante do SFN e sua competência está estabelecida em lei (L. 4.595/64, art. 4º).

Dentre outras:

21 L. 8.078/90 (CDC):
Art. 5° Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o poder público com os seguintes instrumentos, entre outros:
I - manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita para o
consumidor carente;
II - instituição de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público;
III - criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo;
IV - criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas
Especializadas para a solução de litígios de consumo;
V - concessão de estímulos à criação e desenvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor.

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(1) desenvolver a política regulatória com o fim de zelar pela liquidez e pela solvência das instituições
financeiras;

(2) regular a constituição, funcionamento e fiscalização das entidades pertencentes ao Sistema; e

(3) orientar a aplicação de recursos das entidades financeiras para viabilizar desenvolvimento e crescimento da economia nacional ( 22).

Já o BACEN é o órgão executor da POLÍTICA MONETÁRIA e da

política de regulação do SFN (L. 4.595/64, art. 10).

Na lógica desse sistema, as decisões da CMN, bem como suas disposições normativas, são implementadas pelo BACEN.

Este edita resoluções tendo por base

(1) o resguardo da solvência bancária;

(2) a proteção contra a vulnerabilidade, assegurando liquidez e impedindo “corridas bancária”;

(3) a redução das falhas informacionais e da própria instabilidade estrutural do setor.

22 L. 4.595, de 31 de dezembro de 1964:
Art. 3º A política do Conselho Monetário Nacional objetivará:
I - Adaptar o volume dos meios de pagamento ás reais necessidades da economia nacional e seu processo de desenvolvimento;
..............................

IV - Orientar a aplicação dos recursos das instituições financeiras, quer públicas, quer privadas; tendo em vista propiciar, nas diferentes regiões do País, condições favoráveis ao desenvolvimento harmônico da economia nacional;
V - Propiciar o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos
financeiros, com vistas à maior eficiência do sistema de pagamentos e de
mobilização de recursos;
VI - Zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras;

Art. 4º Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República:
..............................

VII - Coordenar a política de que trata o art. 3º desta Lei com a de
investimentos do Governo Federal;
VIII - Regular a constituição, funcionamento e fiscalização dos que exercerem atividades subordinadas a esta lei, bem como a aplicação das penalidades previstas;

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Está em LOPES e ROSSETTI:

“..............................

Em síntese, dado esse elenco de atribuições, o BACEN pode ser considerado como:

BANCO dos BANCOS, à medida que recebe, com exclusividade, os depósitos compulsórios dos bancos comerciais, fornece empréstimos de liquidez e
redescontos para atender às necessidades imediatas das instituições financeiras e regulamenta o funcionamento dos serviços de compensação de cheque e outros papéis.

Superintendente do sistema financeiro
nacional, à medida que adapta seu desenvolvimento e os fundos e programas especiais por ele administrados às reais necessidades e transformações verificadas na economia do país, baixando normas, fiscalizando e
controlando as atividades das instituições financeiras, concedendo autorização para seu funcionamento e
decretando intervenções ou liquidação extrajudicial dessas instituições.

Executor da política monetária, à medida que regula a expansão dos meios de pagamento, elaborando o orçamento monetário e utilizando os instrumentos de política monetária (administração das taxas dos
recolhimentos compulsórios, dos redescontos de liquidez e das operações de compra e venda de títulos públicos no mercado aberto).

Banco emissor, à medida que detém o monopólio de emissão do papel-moeda e da moeda metálica e executa os serviços de saneamento do meio circulante.

Banqueiro do governo, à medida que financia o Tesouro Nacional, mediante a colocação de títulos
públicos, administra a dívida pública interna e externa, é depositário e administrador das reservas
internacionais do país e executa as operações ligadas a organismos financeiros internacionais.

...............................” ( 23)

De forma direta, tais questões relacionam-se com o nível

de recursos poupados, o que representa a solvência e liquidez do

sistema.

23Economia Monetária. 9ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 1999, pág. 446;

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Tem relação, também, com o nível de recursos tomados, o que representa o nível de investimentos a serem realizados, o custo do empréstimo e, portanto, o nível de crescimento da economia.

É evidente que a relação do MUTUÁRIO com o BANCO e do POUPADOR com o BANCO, por serem indiretamente instrumentos de política monetária, não se resume aos interesses individuais envolvidos:

- o interesse do mutuário em reduzir os juros que foram contratados e dos BANCOS em cobrar aqueles juros.

3.2. A DEFESA DO CLIENTE-BANCÁRIO.

Os pressupostos de defesa do CONSUMIDOR, de um lado, e do POUPADOR e do MUTUÁRIO, de outro, são tão diferentes nos regimes jurídicos a eles aplicados, que existe uma espécie de CÓDIGO DE DEFESA DO CLIENTE BANCÁRIO como forma de garantir os direitos desses indivíduos.

Trata-se da Resolução BACEN nº 2.878, de 26.07.2001.

Essa Resolução define deveres das instituições bancárias, tais como (art. 1º e incisos):

(1) transparências nas relações contratuais, garantindo prévio e integral conhecimento das cláusulas com destaque das que prevêem responsabilidade e penalidades;

(2) respostas tempestivas às consultas, reclamações e pedidos de informações dos clientes de maneira a sanar com brevidade e eficiência os problemas e as dúvidas informadas;

(3) clareza no formato dos contratos;

(4) entrega ao cliente de cópias dos documentos assinados, bem como de recibo de valores pagos;

(5) efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais causados aos seus clientes;

(6) obrigação das instituições de informar com clareza, por meio de afixação de avisos em suas dependências, as situações que poderão justificar recusas de cheques, boletos, fichas de compensação ou mesmo hipótese de não aceitação de pagamentos em geral (art. 2º), bem como número

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ADI 2.591 / DF

telefônico da Central de Atendimento ao Cliente do próprio BANCO e do número telefônico do BACEN para reclamações;

(7) obrigação das instituições de evidenciar aos clientes condições contratuais (responsabilidade na emissão de cheque, inscrição do Cadastro de Emitentes de cheques sem fundo; penalidades; tarifas; procedimento de encerramento de conta; multas, etc) (art. 3º e incisos);

(8) vedação de publicidade enganosa ou abusiva (art. 5º);

(9) dever de assegurar ao cliente a possibilidade de liquidação antecipada de débitos, parcial ou integralmente, com redução proporcional dos juros (art. 7º);

(10) dever de utilizar, em contratos e em avisos, terminologia clara e de fácil entendimento (art. 8º);

(11) atendimento prioritário a idosos, gestantes, lactantes, portadores de deficiência, pessoas com mobilidade reduzida, bem como a garantia de fácil acesso às agências e circulação interna adequada a todos os clientes (art. 9º e incisos);

(12) proibição de estabelecer maiores exigências para idosos e portadores de deficiência física ou visual em virtude dessa condição do que as exigências fixadas para os demais clientes (arts. 11 e 12);

(13) proibição de medidas administrativas internas que possam significar restrições de acesso amplo às
dependências públicas da instituição (art. 14);

(14) em saques de conta de depósito à vista do cliente, é proibido à instituição estabelecer prazo para postergar a conclusão da operação para o expediente seguinte (art. 16);

(15) proibição de venda casada (art. 17);

(16) proibição de:

(a) transferência de recursos de conta de depósito à vista ou conta de poupança para qualquer

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investimento, ou a realização de qualquer operação, sem a prévia anuência do cliente;

(b) prevalecer-se, em razão de idade, saúde, conhecimento, condição social ou econômica do cliente ou do usuário, para impor-lhe contrato, cláusula
contratual, operação ou prestação de serviço;

(c) elevar, sem justa causa, valor de tarifas, taxas, comissões ou qualquer contra-prestação de
serviços;

(d) aplicar fórmula ou índice de reajuste que não seja o previsto em lei;

(e) deixar de estipular prazo para o
cumprimento de seu próprio dever ou deixar essa fixação a seu unilateral critério;

(f) rescindir, suspender ou cancelar contrato, operação ou serviço, ou executar garantia fora das
hipóteses legais ou contratualmente previstas; e

(g) expor o cliente a constrangimento ou ameaça na cobrança de dívidas.

Algumas dessas proteções dizem respeito ao funcionamento da instituição e da prestação de serviços ao USUÁRIO, aqui
CONSUMIDOR.

Outras, protegem diretamente o CLIENTE (POUPADOR ou MUTUÁRIO) na relação subjetiva que estabelece com o BANCO.

De qualquer forma, o CLIENTE bancário está protegido por uma normatividade que regula diretamente a relação do cidadão com o BANCO, dentro do regime jurídico próprio e dos princípios que norteiam essa atividade.

Não existe, sob esse aspecto, diferenças de amparo do Poder Público na proteção do CONSUMIDOR e do POUPADOR e do MUTUÁRIO.

São situações garantidas sob diversos pressupostos:

(1) o do consumo, sob o pressuposto da compensação de uma relação desigual;

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(2) o dos recursos financeiros, sob o pressuposto da garantia da liquidez e solidez do sistema financeiro-
monetário, a estabilidade monetária e o desenvolvimento do país.

4. RELAÇÃO ENTRE POUPADOR OU MUTUÁRIO E POLÍTICA ECONÔMICA.

4.1. OS BANCOS E SUA FUNÇÃO NO SFN

Os BANCOS estão ligados à superação do antigo estágio de

escambo.

Tal superação se dá por ser o BANCO um elo entre agentes

econômicos deficitários(24) e agentes econômicos superavitários(25).

Historicamente,

portanto,

os

BANCOS

nasceram

de

um

processo lento de aproximação desses dois tipos de agentes.

Permitiram

que

os

recursos

que

sobrassem

dos

superavitários fossem utilizados pelos agentes deficitários.

Essa é a intermediação financeira - atividade típica dos

BANCOS.

A sua importância é a circulação monetária.

Ela

possibilita

que

a

poupança

se

transforme

em

investimento.

24 Pessoas que precisam de investimentos ou recursos já que os que gastam são em maior valor do que a renda correntemente recebida.

25 A soma das despesas e investimentos é menor do que a renda auferida.

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ADI 2.591 / DF

Facilita a produção de bens e serviços por meio do

abastecimento de recursos aos produtores e fabricantes.

Com

isso,

tornam-se

viáveis

o

crescimento

e

o

desenvolvimento econômico.

Leio LOPES e ROSSETTI:

“.............................

Na realidade, os intermediários financeiros só têm razão de ser quando se encontram agentes que desejam gastar mais do que seus rendimentos correntes, concomitantemente com outros que possuem rendimentos em excesso, relativamente às suas intenções de gasto, predispondo-se a trocar seus ativos monetários por ativos financeiros não monetários. Assim, os

intermediários

financeiros

colocam-se

entre

os

possíveis

mutuários, que acusam déficits orçamentários, e os possíveis mutuantes, que acusam superávits, dispondo-se os primeiros a arcar com os custos financeiros de sua opção por um dispêndio superior a seus rendimentos correntes, e os segundos a assumir os riscos inerentes à transformação de seus ativos monetários, líquidos por excelência, em ativos financeiros menos líquidos, mas rentáveis em termos reais.

..............................” (26)

Diversas

são

as

vantagens

dessa

atividade

de

intermediação:

(1) Dispensa o contato direto entre agentes.

É

extremamente

improvável,

salvo

em

situações

fáticas muito especiais, que os agentes deficitários aceitem

tomar

empréstimos

nas

mesmas

condições

que

agentes

superavitários se disponham a concedê-los.

A intermediação financeira diminui incertezas, cria padrões de condutas nos empréstimos, desenvolve uma classe

26 LOPES & ROSSETTI. Economia monetária. São Paulo. Ed. Atlas, pág. 408;

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profissional que estabiliza essa atividade já que a desenvolve em escala, o que a permite criar condições de empréstimos muito mais viáveis e regras mais adequadas (27).

(2) Minimiza os custos e os riscos no sistema sócio-

econômico.

Uma operação financeira tem seu custo calculado não apenas com base nos elementos internos do contrato ou nos riscos da intenção ou situação do tomador.

Esse cálculo também leva em conta contingências não dependentes dos agentes - desastres naturais, crise econômica geral, infortúnios, etc.

A intermediação financeira reduz esses custos já que o aparecimento de uma classe profissional diversifica a atividade aumenta as regiões abrangidas, o que força a redução do custo relativo da operação.

(3) Facilita o encontro de capital disponível.

Com a intermediação financeira, o agente deficitário tem condições mais adequadas de encontrar excedentes no momento de sua necessidade.

(4) Aumenta o acesso ao mercado financeiro.

A intermediação possibilita, com mais facilidade e rapidez, que grandes montantes de excedentes monetários se transformem em ativos financeiros e permite que pequenas poupanças sejam utilizadas em investimentos.

Do outro lado, a possibilidade de tomada de grandes empréstimos viabiliza investimentos e a possibilidade da tomada de empréstimos diminutos permite o aumento do consumo de bens, móveis e imóveis, e serviços.

(5) Flexibilização dos critérios de empréstimo.

27 STANFORD, Jon. Papel dos intermediários financeiros. In: Moeda, bancos e atividades econômicas. São Paulo: Atlas, 1976, pág. 55;

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A

diversificação

da

atividade

de

intermediação

financeira

possibilita

um

exame

macro

de

critérios

de

rentabilidade e retorno que permite a flexibilização e a facilitação no oferecimento de recursos.

4.2. BANCOS E POLÍTICA MONETÁRIA.

Diante dessas funções, fica fácil perceber a importância

da

atividade

bancária

para

a

POLÍTICA

MONETÁRIA

e

para

a

estabilidade da própria economia.

A POLÍTICA MONETÁRIA e a POLÍTICA FISCAL formam a POLÍTICA ECONÔMICA do país.

É por meio da POLÍTICA MONETÁRIA que as Autoridades Monetárias controlam a liquidez total do sistema econômico.

Com uma POLÍTICA MONETÁRIA RESTRITIVA, a quantidade de moeda no mercado é reduzida, visando desaquecer a economia, ceteris paribus, levando a redução dos preços.

Utilizada dessa forma restritiva, a POLÍTICA MONETÁRIA serve como instrumento de combate às pressões inflacionárias.

uma

POLÍTICA

MONETÁRIA

EXPANSIONISTA

aumenta

a

quantidade de moeda no mercado com o objetivo de incrementar a demanda e incentivar o crescimento econômico.

A opção entre uma e outra dessas políticas é uma decisão de governo.

Esse é o debate no Brasil de hoje.

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ADI 2.591 / DF

Uns sustentam a redução da taxa de juros para incrementar o desenvolvimento.

Outros alertam para as pressões inflacionárias.

A opção constitui-se em uma decisão de governo.

Constitui-se na formulação, pelo Governo, da POLÍTICA MONETÁRIA.

Para a consecução dos objetivos macroeconômicos fixados pela política adotada, as Autoridades Monetárias e Financeiras detêm, basicamente, de sete instrumentos principais:

(1) incentivo ou restrição ao crédito; (2) compra ou venda de títulos públicos; (3) depósitos compulsórios;
(4) taxa de redesconto;
(5) taxa de juros;
(6) emissão de moeda; e
(7) administração das reservas cambiais.

Dentre tais instrumentos, a TAXA DE JUROS tem se mostrado, historicamente, a mais eficaz e a mais utilizada no mundo.

4.3. TAXA DE JUROS COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA MONETÁRIA.

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ADI 2.591 / DF
A TAXA DE JUROS é uma ferramenta de alta eficácia no controle do nível de atividade.

A

elevação

TAXA

DE

JUROS

acarreta

uma

redução

da

quantidade de moeda na economia (liquidez) e conseqüente retração do consumo e da própria inflação.

Já a redução dos juros tende a estimular a atividade econômica, impulsionando o consumo e a produção.

O BACEN, tendo a POLÍTICA MONETÁRIA como mecanismo para administrar a liquidez da economia, se a inflação for a meta, irá fazer suas escolhas de modo a obter o melhor resultado possível.

Quando a meta for a inflação, tem o BACEN duas opções de política de estabilidade:

(1) o câmbio fixo; e

(2) a própria TAXA DE JUROS.

A TAXA DE JUROS acabou sendo a opção preferida como instrumento de controle da inflação, uma vez que a utilização da âncora cambial requer um elevado volume de reservas internacionais em moeda forte.

O COMITÊ DE POLÍTICA MONETÁRIA (COPOM) foi instituído em 20.06.1996, com o objetivo de estabelecer as diretrizes da POLÍTICA MONETÁRIA.

Cabe ao COPOM a definição da TAXA DE JUROS MÉDIA dos financiamentos diários, com lastro em títulos federais, apurados no SISTEMA ESPECIAL DE LIQUIDAÇÃO E CUSTÓDIA – SELIC.

A criação do COPOM buscou proporcionar maior transparência e um ritual adequado ao processo decisório da autoridade monetária.

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Seguiu-se o exemplo do que já era adotado pelo FEDERAL OPEN MARKET COMMITTEE – FOMC –, do FEDERAL RESERVE, nos Estados Unidos, e pelo CENTRAL BANK COUNCIL, do BUNDESBANK, na Alemanha.

Tal procedimento também foi adotado, em 06/1998, pelo BANK OF ENGLAND, com a criação do seu MONETARY POLICY COMMITTEE – MPC –, assim como pelo BANCO CENTRAL EUROPEU desde a criação do EURO, em 01/1999.

O BANCO CENTRAL dos ESTADOS UNIDOS (FED), com a
credibilidade adquirida sob o comando de PAUL VOLCKER e ALAN
GREENSPAN, tem utilizado a TAXA DE JUROS como mecanismo atenuador do ciclo econômico, sem colocar em risco o controle inflacionário.

Outros BANCOS CENTRAIS, como o BANCO DA INGLATERRA, CANADÁ, NOVA ZELÂNDIA, AUSTRÁLIA, MÉXICO E CHILE, adotaram o regime de METAS DE INFLAÇÃO.

A POLÍTICA MONETÁRIA no BRASIL, estabelecida a partir de 1999, passou a seguir esse regime.

Nele o BACEN deve utilizar a TAXA DE JUROS como
instrumento básico para fazer com que a inflação, medida pelo IPCA (IBGE), fique dentro da meta estabelecida.

Há uma meta central e um intervalo de variação em torno do qual a inflação pode se situar.

Desde que o governo adotou o sistema de METAS DE INFLAÇÃO e o CÂMBIO FLUTUANTE, a TAXA DE JUROS é o principal instrumento usado para conter a pressão sobre os preços.

Assim, o objetivo da POLÍTICA MONETÁRIA atual é o controle da inflação através da variação da TAXA DE JUROS.

Esta é a opção política do governo atual.

Na teoria econômica há consenso de que existe uma correlação negativa entre TAXA DE JUROS e CRESCIMENTO ECONÔMICO.

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ADI 2.591 / DF

Uma elevação da TAXA DE JUROS determinará um menor crescimento da economia e vice-versa.

Por outro lado, é também consenso que elevadas taxas de inflação geram perdas no nível de bem-estar da população, seja pelo aumento das desigualdades sociais, seja pela geração de incertezas quanto ao futuro.

Portanto, é tarefa da autoridade monetária encontrar o ponto de equilíbrio entre um crescimento sustentado de longo prazo e taxas reduzidas de inflação.

Para atingir esse objetivo o BACEN optou por ajustar a TAXA DE JUROSBÁSICA.

O REGIME DE METAS DE INFLAÇÃO funciona da seguinte forma:

(1) explicitam-se as metas de inflação para os anos seguintes;

(2) divulgam-se trimestralmente as projeções de inflação; e

(3) detalham-se, nas atas das reuniões, as formas de reação do BACEN.

O COPOM atua a partir de uma avaliação da tendência futura da inflação.

As projeções são obtidas utilizando-se as informações disponíveis, tanto quantitativas, processadas através de modelos

estruturais,

simulações

e

outras

medidas

estatísticas,

como

qualitativas.

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ADI 2.591 / DF

4.4. AS TAXAS DE JUROS NO MERCADO BRASILEIRO.

A TAXA BÁSICA DE JUROS, estabelecida pelo BACEN através do COPOM, é o referencial da TAXA DE JUROS que o governo utiliza para se financiar, junto ao mercado, através da emissão de títulos públicos.

Ela serve de base para outras TAXAS DE JUROS praticadas no país.

MARSHALL, citado por KEYNES, enfatiza que:

“..............................

‘O juro, sendo o preço pago pelo uso do capital em qualquer mercado, tende a um nível de equilíbrio tal que a procura agregada de capital no dito mercado, a essa taxa de juros, seja igual ao estoque agregado que nele venha ocorrer à mesma taxa.

...............................” (28)

Assim sendo, as TAXAS DE JUROS de mercado são determinadas a partir da TAXA BÁSICA DE JUROS da economia, estabelecida pelo COPOM, adicionada de um SPREAD BANCÁRIO.

Pergunta-se:

Qual a ligação entre a TAXA DE JUROS BÁSICA e a TAXA DE JUROS DE MERCADO (aquela cobrada pelos BANCOS)?

Na verdade, a TAXA DE JUROS DE MERCADO representa o custo de oportunidade29 do BANCO, posto aqui pela TAXA DE JUROS BÁSICA, adicionada de custos operacionais, risco e lucro.

1992.

28 KEYNES, JOHN MAYNARD. Teoria Geral do Emprego, do Juros e da Moeda, p. 143. Ed. Atlas,

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A TAXA DE JUROS BÁSICA, ou seja, aquela que o Governo paga

nos seus títulos, representa o preço do capital para o BANCO.

Conforme tabela 1, anexa, tem-se que, em todos os países,

as TAXA DE JUROS de crédito às empresas e às pessoas físicas são

superiores à taxa básica.

Isso demonstra que as demais taxas praticadas no mercado

são uma derivação desta última.

Por sua vez, o SPREAD BANCÁRIO reflete o custo operacional

dos agentes financeiros, seu lucro e seu risco (taxa média de

inadimplência).

Ou seja, o SPREAD BANCÁRIO constitui-se na diferença entre

as

taxas

de

empréstimos

praticadas

pelos

BANCOS

ou

agentes

financeiros junto aos tomadores de crédito (MUTUÁRIOS, por exemplo)

e a taxa de captação, que é a taxa à qual os BANCOS tomam

recursos(30).

O SPREAD BANCÁRIO visa não só cobrir os custos das

operações financeiras e, portanto, as despesas relativas à atividade

de intermediação financeira, mas também proporcionar uma margem

líquida para o intermediário financeiro.

Vários fatores podem levar a um SPREAD BANCÁRIO elevado.

29 O custo de oportunidade pode ser entendido como o custo alternativo de investir o capital em qualquer outro negócio. BURCH, E. EarL & NENBY, em seu livro, MiItf R. Oportunity and Incremental cost: attempt to define in systems terms: a
commerry. The Accounting Review, 49(1): 118-123, January, 197k p. 119, custo de oportunidade pode ser definido como a renda líquida que pode ser auferida em determinado investimento a partir do seu melhor uso alternativo.

30 Por simplificação adotou-se a hipótese de que os BANCOS tomam recursos à mesma taxa do governo (Selic). No entanto, embora estas taxas guardem uma alta correlação com a taxa Selic a captação dos BANCOS tende a apresentar uma taxa superior àquela praticada pelo governo federal. Na tabela II, do anexo I, observa-se que do total de operações de crédito no mercado o governo federal é o maior tomador com 67,25% do total.

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ADI 2.591 / DF
Na TAXA DE JUROS cobrada o BANCO contabiliza:

(a) prestações atrasadas;
(b) inadimplência;
(c) risco de crédito em função do mercado e da conjuntura econômica;
(d) cunha fiscal; e
(e) a própria expectativa de inflação.

Em estudo de dezembro de 2005(31) sobre a composição do SPREAD BANCÁRIO no Brasil, a FIPECAFI(32) mostrou a seguinte distribuição percentual:
1)Inadimplência – 13%

2)Despesas com pessoal – 10%

3)Despesas estruturais – 24%

4)Tributos – 08%

5)Custo de captação (juros aos aplicadores) – 36%

6)Lucro líquido – 09%
Assumindo que a TAXA DE JUROS dos financiamentos é determinada pela SELIC, adicionado um SPREAD BANCÁRIO, tem-se que:

TJM = SELIC + SPREAD BANCÁRIO
Onde:
TJM = Taxa de juros de financiamento ao mutuário

31 Dados publicados no Jornal VALOR ECONÔMICO, Caderno Finanças, pág. C1, de 13.12.2005; 32 Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras

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ADI 2.591 / DF

Tem-se, assim, que parcela significativa dos juros é

determinada através da TAXA DE JUROS BÁSICA, estabelecida pelo

COPOM.

Por isso, os juros não podem ser fixados de forma

independente à POLÍTICA MONETÁRIA do País.

Constata-se, assim, que a relação do BANCO com o POUPADOR

e o MUTUÁRIO integra a política econômica, extravasando os limites

da relação subjetiva.

Na RELAÇÃO DE CONSUMO não há essa dimensão objetiva.

Nesta - na RELAÇÃO DE CONSUMO - a proteção do CONSUMIDOR é

tomada individualmente.

Relatório que analisa a POLÍTICA MONETÁRIA do Brasil deixa

claro que a TAXA DE JUROS é um instrumento tal política.

Constata-se desse Relatório, que a TAXA DE JUROS depende

de inúmeras variáveis e que não pode ter seus limites fixados de

forma dissociada da política macroeconômica.

Leio:

“...............................

No tocante ao cenário externo, a política monetária estará fortemente dependente da confirmação ou não da retomada do crescimento mundial no segundo semestre. Dado que as economias da União Européia continuam emitindo sinais de maior debilidade e a economia japonesa aprofunda cada vez mais sua recessão, o crescimento mundial será guiado pelo desempenho da economia norte-americana. Vale destacar, então, o crescimento

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de 0,2% do PIB dos EUA no quarto trimestre de 2001 depois de queda de 1,3% no terceiro trimestre. Este crescimento foi

sustentado

essencialmente

pelos

gastos

públicos,

principalmente

os

gastos

militares

com

a

guerra

no

Afeganistão.

................................

Como visto, o comportamento da taxa nominal de câmbio é que tem sido ‘favorável’, relativamente aos cenários mais pessimistas, dando certa folga ao Banco Central. E este é o problema. A política monetária (se novos apertos de juros serão ou não necessários) está muito dependente do que vai acontecer com o câmbio no futuro. Este, por sua vez, depende não apenas do desempenho das exportações brasileiras, mas também do cenário externo (Argentina e EUA) e da liquidez mundial. Como as projeções do Banco Central, considerando-se juros constantes a 19% a.a., já apontam para uma inflação acima da meta central deste ano (que é de 3,5%), e as expectativas e mercado, que estão em 4,8%, aproximam-se do limite superior da meta (5,5%), não parece haver muito espaço para a redução da taxa nominal de juros neste início do ano, como ficou claro com a decisão do Copom de janeiro de 2001 em mantê-la no patamar de 19% a.a.

...............................” (33)

Observa-se que, muitas vezes, a POLÍTICA MONETÁRIA está

subordinada a condicionantes alheios à vontade das Autoridades

Monetárias de seu próprio país, imagine então, no que concerne às

regras estabelecidas no CDC.

Um exemplo é o nível das TAXAS DE JUROS praticadas em

outros países.

Se as taxas de outros países sobem, dado o mesmo nível de

risco mundial, os títulos brasileiros tornam-se menos atraentes ao

investidor.

33 O que esperar da política monetária brasileira em 2002? Pedro Garcia Duarte, Revista Autor, Ano II - nº 8 / Fevereiro de 2002

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ADI 2.591 / DF
Em conseqüência, o BACEN deverá elevar os juros a patamares tais que evitem a fuga de capitais e a conseqüente desvalorização da moeda nacional.

(Lembro que a Autoridade Monetária entende de não fixar regras de controle de capitais).

Por

conseguinte,

uma

desvalorização

cambial

poderia

desencadear um processo inflacionário, uma vez que a desvalorização da moeda nacional faria com que os consumidores domésticos pagassem mais caro não apenas por produtos importados, mas também por aqueles que tivessem seus preços determinados no mercado internacional.

Os fatores que permeiam a política macroeconômica de um país, entre eles a TAXA DE JUROS, são questões mutáveis no tempo.

Como tal deve ter a flexibilidade adequada exigida pelas flutuações conjunturais e estar, portanto, subordinada ao órgão regulador e com competência institucional de implementar tal política.

As instituições financeiras, especialmente os BANCOS e instituições de crédito, negociam basicamente com a moeda e crédito.

Realizam uma atividade de repasse dos recursos nelas depositados e por elas captados.

Tal

mecanismo

está

estreitamente

relacionado

com

a

POLÍTICA MONETÁRIA e não é factível estabelecer limites desalinhados desta, uma vez que a TAXA DE JUROS praticada pelo governo é o referencial básico dos BANCOS.

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4.5. LIMITES DE TAXA DE JUROS AO CONSUMIDOR EM OUTROS

PAÍSES (34).

Examino a situação em diferentes países quanto à imposição

ou não de limites à TAXA DE JUROS.

Nota-se que alguns países adotam limites.

No entanto, tais limites têm como base exclusiva decisões

do

órgão

executor

da

POLÍTICA

MONETÁRIA

de

acordo

com

as

circunstâncias e conjunturas econômicas do momento.

Não há pré-fixação ou petrificação de TAXA DE JUROS por

meio de lei, uma vez que essa prática é incompatível com o dinamismo

e a flutuação dessa área da economia.

(A) França

Na França há controles.

A taxa máxima é determinada pela Autoridade Monetária a cada quadrimestre, sendo ela de até 133,33% das taxas médias praticadas no mercado.

Há três diferentes tetos.

A taxa mais alta é a aplicada para os empréstimos de pequeno valor de até €1.524 - cerca de 20% no 1º quadrimestre de 2004.

O BANQUE DE FRANCE é o responsável, tanto pelo
levantamento das taxas médias praticadas no mercado, quanto pela fiscalização no que diz respeito ao cumprimento dos tetos.

34 Os dados e informações constantes desse item foram extraídos do Relatório de Agosto de 2004 da DTI (Department of Trade and Industry), do governo Ingles: “The effect of interest rate controls in other countries”. http://www.dti.gov.uk/ccp/topics1/consumer_finance.htm.

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A atual estrutura da taxa de usura está determinada em lei.

(B) Alemanha

A Alemanha tem uma forte tradição de controle dos serviços financeiros.

Na Alemanha também não há um teto único.

Existem diferentes limites para cada tipo específico de TAXA DE JUROS.

A RULE OF THUMB proíbe a cobrança de taxas superiores ao dobro da taxa média praticada pelo mercado para aquele tipo de operação.

O levantamento mensal das taxas médias praticadas é responsabilidade do BUNDESBANK.

No caso das taxas aos mutuários domésticos, em 2003, as taxas variaram de 6,9% a.a. a 7,9% a.a. para os empréstimos e de 10,2% a.a. a 10,8% a.a. para limite de conta corrente.

(C) Reino Unido

Em 1974, o Reino Unido removeu os controles sobre as TAXA DE JUROS.

Atualmente ainda não há limite para as TAXAS DE JUROS a serem cobradas, porém discute-se a possível implementação de uma “lei da usura”.

(D) Estados Unidos

Não há mais uma legislação federal impondo restrições ou regulamentações às TAXA DE JUROS.

Esse tema fica sob responsabilidade de cada Estado.

Em vários estados há um limite às TAXA DE JUROS.

Essa regulação, na maioria das vezes, consta em leis estaduais.

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Há grandes diferenças quanto ao nível de regulação, variando desde estados muito reguladores até estados que não adotam tal política.

Nos últimos 30 anos, gradualmente, alguns estados vêm removendo os controles sobre as TAXA DE JUROS.

Por outro lado, nesse mesmo período, vem aumentando o número de estados que passaram a adotar tetos especiais para pequenos empréstimos (em geral até US$2.000).

Atualmente a maioria dos estados possui um baixo grau de regulação (22 deles), mas os estados mais importantes como
Califórnia, Texas e Nova Iorque ainda possuem um grau mediano de regulação.

(E) Chile

O Chile também possui controle.

A TAXA DE JUROS MÁXIMA CONVENCIONAL (TIMC) corresponde a 150% da média das taxas cobradas no mercado.

No entanto, não há teto único.

Existem 08 taxas que se diferenciam de acordo com as características da operação realizada (tipo de operação, valor e prazo).

A TIMC, por exemplo, para operações não reajustáveis, em moeda nacional, com prazo superior a 90 dias e valores de no máximo 200 unidades de fomento (cerca de US$ 6.100,00) está em 42,12% a.a.

A fixação da TIMC é realizada pela SUPERINTENDÊNCIA DE BANCOS E INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS (SBIF), um órgão do governo chileno.

(F) CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Como se vê, existem limitadores das TAXAS DE JUROS
cobradas pelas instituições financeiras, especialmente nas linhas de créditos mais populares.

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ADI 2.591 / DF
Mesmo em países onde atualmente não ocorre esse tipo de controle já existe movimentação no sentido de criação desse mecanismo.

É o caso do REINO UNIDO e dos ESTADOS UNIDOS.

Nos ESTADOS UNIDOS os estados estão anulando suas leis da usura, mas criando instrumentos que defendam os pequenos tomadores de empréstimos.

Os instrumentos de controle são criados mais com o objetivo de inibir práticas abusivas individuais, do que definir uma taxa a ser praticada.

Mesmo em países que adotam a política de controle das TAXAS DE JUROS, o mercado continua sendo o responsável, em última instância, por sua determinação.

É importante lembrar que os exemplos trazidos enfocam países desenvolvidos, com economia forte e, portanto, com baixo nível de dependência das flutuações econômicas internacionais.

Fundamental destacar que o limite da TAXA DE JUROS ao MUTUÁRIO, seja ele qual for, não pode ser fixado aleatoriamente.

A sua fixação tem que ser vinculada a POLÍTICA MONETÁRIA estabelecida pelo Governo e ter o seu acompanhamento e fiscalização pela Autoridade Monetária.

4.6. POSSÍVEIS CONSEQÜÊNCIAS DA APLICAÇÃO DO CDC ÀS OPERAÇÕES TÍPICAS DO SFN.

Antes de mais nada, sabe-se que os agentes econômicos atuam de forma a maximizar lucros e a reduzir prejuízos.

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Essa lógica se aplica ao mercado bancário.

Como vimos, a TAXA DE JUROS cobrada pelo BANCO do MUTUÁRIO e a paga pelo BANCO ao DEPOSITÁRIO são fixadas a partir de um conjunto de fatores tendo como elemento principal o valor da TAXA BÁSICA DE JUROS.

Se o teto de cobrança dos juros não estiver atrelado à

POLÍTICA

MONETÁRIA

do

governo,

existiria

claramente

um

“descasamento” entre o que o BANCO tem a receber (ativo) e o que se obrigou a pagar (passivo).

O dinheiro necessário a equilibrar essa equação viria de outras fontes, tais como tarifas bancárias, que teriam que ser majoradas, ou mesmo da necessidade de subsídio público para tal equilíbrio.

Na

hipótese,

o

ônus

recairia

sobre

o

usuário,

o

contribuinte ou ambos.

Do

contrário,

a

própria

atividade

bancária

estaria

inviabilizada.

Pergunta-se:

O que aconteceria se o CDC se aplicasse a essa espécie de operação?

Em primeiro lugar, componentes importantes do processo econômico estariam a ser formulados por agentes sem competência para tal – PROCONS, etc.

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A

POLÍTICA

ECONÔMICA,

na

vida

democrática,

é

da

competência das autoridades governamentais.

É o Governo o responsável pela formulação dessa política.

A legitimação para tal vem da vitória nas eleições.

Entender-se de outra forma, é comprometer a atividade

financeira no Brasil.

Mesmo que haja, durante curto período, estabilidade das

regras econômicas, a fixação de teto por agentes não comprometidos

com a POLÍTICA MONETÁRIA causaria imediatamente a restrição abrupta

ao crédito.

O raciocínio é simples.

O SPREAD BANCÁRIO expressa o nível de risco da operação.

Se as regras forem instáveis e não conhecidas a priori, os

BANCOS passarão a emprestar dinheiro somente a clientes que

apresentem

sinais

óbvios

de

possibilidade

de

pagamento

dos

empréstimos.

Em outras palavras, apenas terão condições de conseguir

empréstimos bancários, para a realização de investimentos privados,

aqueles que, de certo modo, não precisem de dinheiro.

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF
A grande maioria da população brasileira – aquela que realmente precisa de dinheiro emprestado – não vai alcançar os níveis de exigência para fazer jus ao empréstimo.

Assim, a medida que viria para proteger a população mais necessitada estaria, na verdade, a prejudicá-la.

Visto

por

outro

ângulo,

a

limitação

dos

juros,

desvinculada

da

POLÍTICA

MONETÁRIA,

reduziria

os

níveis

de

investimentos de forma drástica.

Isso desaqueceria a economia e limitaria possibilidade de crescimento econômico.

Poderíamos chegar a patamar de recessão com o encolhimento do nível de atividade econômica.

Outra forma dos BANCOS compensarem as perdas com a limitação da TAXA DE JUROS desvinculada da política monetária, seria por meio do aumento das tarifas bancárias.

Outra vez se percebe que a medida seria extremamente danosa a quem mais precisa dos serviços bancários no seu dia-a-dia.

Finalmente, a última possibilidade equivaleria a um retrocesso em matéria de administração do sistema financeiro.

É

que,

diante

dos

prejuízos,

os

BANCOS

somente

conseguiriam se manter com a ajuda de recursos públicos.

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF
O subsídio público da atividade bancária praticamente retiraria a autonomia dos BANCOS e tornaria o próprio governo responsável direto por toda a movimentação financeira do país.

Ao

invés

de

regulador

e

fiscalizador

da

atividade

financeira, o Estado passaria a ser o seu único participante.

Diante das prováveis conseqüências, a aplicação do CDC aos BANCOS em OPERAÇÕES BANCÁRIAS - típicas do sistema financeiro - seria deletério também do ponto de vista econômico e social.

4.7. CONCLUSÃO.

Fica claro que a TAXA DE JUROS é um instrumento de POLÍTICA MONETÁRIA e como tal deve estar atrelada às políticas das Autoridades Monetárias.

Em realidade, a regulação do mercado se justifica pela sua íntima relação com a POLÍTICA MONETÁRIA e com a própria estabilidade e fortalecimento da moeda.

Nesse sentido, no Brasil, com sua economia ainda em processo de amadurecimento e fortalecimento, é necessário que as Autoridades Monetárias e Financeiras estejam atentas às variações econômicas e às flutuações internacionais de forma a dar resposta operacional imediata para a conservação do nível de segurança da economia.

Por isso, para esse tipo de operação financeira, o mercado é regulado por uma política dinâmica formulada pela Autoridade Monetária, com base na legislação do SFN.

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

A

atribuição

de

competência,

no

âmbito

do

SFN,

a

autoridades não monetárias, inclusive não estatais, conduziria a

restrição abrupta do crédito.

Por tudo isso o CDC não tem aplicação às OPERAÇÕES

BANCÁRIAS TÍPICAS do SFN, especialmente quando envolvam fixação,

limites e cobrança de juros.

5. O CDC E OS BANCOS.

A restrição da aplicação do CDC se limita às OPERAÇÕES

TÍPICAS do SFN.

A par disso, pergunta-se:

Existiriam outras operações realizadas pelos BANCOS que deveriam observar os princípios e os dispositivos do CDC?

5.1. OPERAÇÕES BANCÁRIAS E SERVIÇOS BANCÁRIOS. DISTINÇÕES.

O problema diz respeito, diretamente, à interpretação do §

2º do art. 3º do CDC, ao dispor que serviço é:

“... qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”

Pergunto:

É possível a identificação de ATIVIDADES BANCÁRIAS

NÃO

TÍPICAS

do

sistema

financeiro

e,

portanto,

que

equiparariam os BANCOS a prestadores de serviço?

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF
A resposta negativa a essa pergunta somente poderia gerar a declaração de inconstitucionalidade de parte desse dispositivo.

Entretanto, uma gama de serviços prestados pelos BANCOS à CLIENTE e USUÁRIO não se configura como relações financeiras relativas a investimentos e depósitos, que estão sob a guarda e o controle da Autoridade Monetária.

Há casos em que o BANCO, de fato, presta um serviço autônomo tal como outro prestador qualquer e, por isso, recebe remuneração específica por esse serviço.

Em outras palavras, há serviços que podem ser prestados independentemente da relação monetário-financeira do BANCO com o POUPADOR ou MUTUÁRIO - relações relativas à moeda e ao crédito.

Em muitos casos, o BANCO presta serviços em concorrência com outras entidades que não tenham natureza financeira, como o serviço de pagamento ou recebimento de salário.

Está em SERGIO CARLOS COVELLO:

“............................

A classificação tradicional e, ao mesmo tempo, mais acolhida na prática bancária é aquela que divide as operações de Banco, de conformidade com o crédito, em fundamentais e assessórias.

As operações fundamentais, ou típicas, são as que implicam a intermediação do crédito, função precípua dos Bancos, que, como vimos, recolhem dinheiro de uns para concedê-lo a outros.

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

Dividem-se em passivas (as que têm por objeto a procura e provisão de fundos, sendo assim denominadas por importarem em ônus e obrigações para o Banco, que, na relação jurídica, se torna devedor) e ativas (as que visam à colocação e ao emprego desses fundos; por meio dessas operações, o Banco se torna credor do cliente).

Constituem

operações passivas

os depósitos, as

contas correntes, os redescontos, enquanto as principais operações ativas são os empréstimos, os financiamentos, as aberturas de crédito, os descontos, os créditos documentários, as antecipações, etc.

As operações acessórias ou neutras (assim chamadas por não implicarem nem a concessão nem o recebimento do crédito) possuem significação menor para os Bancos, que só as realizam com o fito de atrair clientela. Definem-se como verdadeiras prestações de serviço: custódia de valores, caixa de segurança, cobrança de títulos e outras.

.............................” (35)

Trata-se da diferença entre OPERAÇÕES BANCÁRIAS e SERVIÇOS

BANCÁRIOS.

As OPERAÇÕES BANCÁRIAS consistem em transferência de moeda

(circulação monetária) ou de crédito, que se sustentam na confiança

e na administração de riscos.

As OPERAÇÕES BANCÁRIOS, portanto, são as típicas do SFN e

tem importante impacto na POLÍTICA MONETÁRIA e econômica do país.

São tais operações que garantem, em uma dimensão macro, a

circulação monetária, a estabilidade do poder aquisitivo da moeda, o

nível de investimentos e a própria estabilidade da economia.

35 COVELLO, Sergio Carlos. Contratos bancários. 4ª edição. São Paulo: Editora Leud, 2001, pág. 38;

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

Já os SERVIÇOS BANCÁRIOS dizem respeito a obrigações de

fazer, que são executadas pelos BANCOS sem vinculação com a POLÍTICA

MONETÁRIA.

Os SERVIÇOS BANCÁRIOS se prestam a atender diversos

interesses dos clientes.

É com base nesses serviços que os BANCOS, geralmente,

cobram tarifas já que a prestação não se confunde com o objeto de

atividade própria da instituição.

Leio GALENO LACERDA:

“............................

(...) a atividade bancária se desdobra em duas

categorias

distintas:

uma,

a

principal,

consistente

em

operações, e outra, secundária, caracterizada pela prestação dos serviços. As operações têm por objeto o dinheiro, ou créditos que se traduzem em dinheiro; os serviços, ao contrário, atendem a interesses acessórios do cliente, como cofres de aluguel, cobrança de títulos etc.

.............................

6. Se o dinheiro não pode ser objeto de consumo porque não se ajusta ao conceito ‘destinatário final’ que caracteriza o consumidor (art. 2º do CDC), nem por isso certos ‘serviços’ que lidam com dinheiro deixam de integrar o mercado de consumo. Por isso, no art. 3º, § 2º, o CDC admite ensejem consumo serviços de natureza bancária, financeira e crédito e securitária. Quais serão essas atividades? Aquelas que não tenham o dinheiro como destinatário final, por exemplo, a custódia de valores, a emissão e compra e venda de títulos, os

negócios

de

bolsa,

as

caixas

de

aluguel,

as remessas

financeiras, e tantos outros serviços pelos quais o fornecedor cobra do cliente uma taxa remuneratória.

.............................” (36)

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF
Diante da separação conceitual, é fácil perceber que as

OPERAÇÕES

BANCÁRIAS,

por

serem

operações

financeiras,

estão

submetidas ao controle do BACEN e os CLIENTES BANCÁRIOS, para essas operações, estão submetidos a sistema próprio de proteção.

Dentre as OPERAÇÕES BANCÁRIAS sob a fiscalização da Autoridade Monetária estão, por exemplo:

(a) depósito (dentre os quais a própria poupança, depósitos à vista, obrigatórios, à prazo – CDB/RDB, vinculados, e outros);
(b) empréstimo e financiamentos;
(c) abertura de crédito;
(d) descontos;
(e) cessão de créditos;
(f) operações de câmbio;
(g) crédito documentário, etc.

os

SERVIÇOS

BANCÁRIOS,

por

serem

atividades

desatreladas do sistema financeiro - não tendo por objeto dinheiro ou crédito - estão submetidos à incidência dos dispositivos do CDC e de outras normas pertinentes.

Os CLIENTES BANCÁRIOS dessas atividades são equiparados a CONSUMIDORES e são protegidos também pelos órgãos oficiais de defesa do consumidor e pela atuação do Ministério Público.

Dentre tais SERVIÇOS BANCÁRIOS, alguns são compensados diretamente por meio da cobrança de tarifas, por exemplo:

36 GALENO LACERDA. Direito Comercial, Obrigações e Contratos. Vol. III. Rio de Janeiro: Editora Forense, pág. 14;

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

(a) custódia de valores;

(b) caixa de aluguel;

(c) cobrança de títulos, etc.

Outros não são diretamente compensados com tarifas.

No entanto, se incluem dentre as ATIVIDADES ou SERVIÇOS

corriqueiros dos estabelecimentos bancários, muito embora não

envolvam sua atividade fim (operações com crédito e dinheiro).

É o caso, por exemplo,

(a) da política de acesso dos usuários à agência

bancária;

(b) da consulta em terminais;

(c) da obrigação dos bancos de apresentar

informações claras e objetivas acerca de seus serviços, etc.

Assim, verifica-se que a tarifa é importante critério

identificador dos SERVIÇOS BANCÁRIOS submetidos ao CDC.

Entretanto, não é o único.

Isso porque existem outras atividades dos BANCOS que não

são compensadas diretamente pela tarifa, mas apenas de maneira

indireta já que integram o cálculo geral de custos do BANCO.

De qualquer forma, a remuneração pela tarifa constitui

claramente compensação pela prestação de um serviço e caracteriza o

CLIENTE ou USUÁRIO como CONSUMIDOR.

5.2. OS SERVIÇOS E ATIVIDADES BANCÁRIAS.

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF
Diante dessa separação, cabe identificar quais relações são típicos SERVIÇOS BANCÁRIOSa caracterizar RELAÇÃO DE CONSUMO.

Por definição, são todas as relações que não envolvam empréstimos e créditos.

São os SERVIÇOS em que se cobra tarifa, direta ou indiretamente.

Em elenco não exaustivo, são SERVIÇOS com cobrança direta de tarifa:

(a) sustação de cheques;
(b) aluguel de cofres para custódia de valores ou objetos confidenciais;
(c) venda e utilização do cartão magnético, bem como sua substituição nos casos de roubo ou perda;
(d) devolução do cheque por insuficiência de fundos; (e) inclusão ou exclusão de nome no SPC ou CCF; (f) fornecimento de talonário de cheque e o valor cobrado por folha por mês;
(g) fornecimento de cópia do extrato bancário;
(h) cobrança de títulos de terceiros, por conta do cliente, quando inexiste garantia;
(i) venda de seguro;
(j) remessa de dinheiro ao exterior;
(k) administração de fundos ou de patrimônio;
(l) negócios em bolsa;

São exemplos de SERVIÇOS ou ATIVIDADES dos BANCOS pelos quais não se cobra tarifa, mas que estão submetidas ao CDC:

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

(a)

atendimento

ao

cliente

e

ao

usuário

por

telefone, via internet ou o auto-atendimento;

(b) organização do atendimento pelos caixas na agência (tempo de espera na fila, números de funcionários para esse atendimento, etc);

(c) fornecimento de informações acerca da conta corrente e de eventuais investimentos;

(d) acesso e restrição de acesso às agências bancárias, bem como o respeito a atendimento prioritário a certas situações;

(e) cumprimento das propagandas anunciadas;

(f) consulta em terminais;

Essas atividades são de natureza não-financeira.

Nelas o BANCO é meramente um PRESTADOR DE SERVIÇO.

Enquadra-se na previsão do art. 2º do CDC.

Por isso, os USUÁRIOS ou CLIENTES envolvidos nesse tipo de

SERVIÇO BANCÁRIO estão protegidos pelas garantias do CDC.

6. CONCLUSÃO.

Caminho para conclusão.

Certas atividades desenvolvidas pelos BANCOS - OPERAÇÕES

BANCÁRIAS- não estão adstritas ao CDC.

São operações que se enquadram dentro do SFN e que são

importantes

componentes

dos

rumos

da

política

econômica,

de

competência da Autoridade Monetária.

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF
São operações reguladas pelas Autoridades Monetárias - CMN e o BACEN.

Nem por isso, entretanto, são relações desprovidas de proteção.

Os MUTUÁRIOS e POUPADORES estão protegidos por um sistema próprio.

Muito embora seja uma proteção que tenha como norte a própria estabilidade da moeda e a política de crescimento econômico, o aspecto subjetivo e individual também é resguardado.

Exemplo claro dessa proteção própria, exercida pelo BACEN, é a Resolução nº 2.878, de 26 de julho de 2001 (o chamado CÓDIGO DE DEFESA DO CLIENTE BANCÁRIO).

O

CDC

é

uma

legislação

moderna

e

sua

promulgação

representou importante evolução no tratamento das relações de consumo no Brasil.

Entretanto, o CDC tem objeto e sujeitos especiais que balizam sua aplicação.

É um erro o entendimento de que o CDC tem uma aplicação universal, como se todas as relações jurídicas estabelecidas tivessem a natureza de relações de consumo.

Lembro que o SUPREMO já reconheceu o exagero e a inconstitucionalidade de se ampliar, de forma desproporcional, a

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

incidência do CDC ou a tratá-lo com dimensão de importância

equiparável à própria Constituição.

O SUPREMO fez isso, por exemplo, quando fixou que as

relações

entre

Poder

Público

e

contribuinte

tinham

natureza

tributária e não de consumo(37).

Insisto que o CDC é legislação que visa compensar

desigualdades materiais fáticas de maneira a equilibrar, social e

economicamente, as partes envolvidas em uma RELAÇÃO DE CONSUMO.

Sua aplicação universal poderia, ao contrário, construir

desigualdades inaceitáveis ou estabelecer nichos de privilégios em

determinados setores econômicos.

Leio PAULO BROSSARD:

“............................

A lei de defesa do consumidor, como seu nome está a

dizer, objetiva a proteção da pessoa que busca a satisfação

direta

das

suas

necessidades,

no

que

diz

respeito

à

alimentação, vestuário, habitação, transporte, luz, água,

telefone, diversão, lazer ... mas não tem aplicação a todos os

possíveis conflitos do convívio humano, nem autoriza uma

operação global sobre todas as atividades sociais, como não

transforma o Ministério Público numa espécie de VISITADOR

GERAL DO SANTO OFÍCIO.

.............................” (38)

37 RE 195.056, CARLOS VELLOSO, DJ 30.5.2003;
RE 206.781, MARCO AURÉLIO, DJ 29.6.2001;
RE 248.191, CARLOS VELLOSO, DJ 25.10.2002;
AI 382.298 – Agr, GILMAR MENDES, DJ 28.5.2004.

38 PAULO BROSSARD. Defesa do consumidor – atividade do Ministério Público – Incursão em operações bancárias e quebra de sigilo – Impossibilidade de interferência. In: Revista dos Tribunais, ano 84, agosto de 1995, vol. 718, pág. 89;

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF
Assim sendo, no campo do setor bancário, financeiro e securitário, o CDC tem também sua aplicação em SERVIÇOS DE NATUREZA NÃO-FINANCEIRA que exemplificativamente foram listados neste voto.

Acompanho VELLOSO, com referência final mais ampla.

No entanto, creio que tal referência está contida no extraordinário voto de VELLOSO, posto que foi pronunciado ainda na vigência da redação original do art. 192, em especial seu então § 3º.

Julgo procedente, em parte, a ação.

Concluo com a linguagem de VELLOSO.

“Empresto ... à norma inscrita no § 2º do art. 3º da Lei 8.078/90 – ‘inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária’ – interpretação conforme à Constituição, para dela afastar a exegese que nela inclua” as OPERAÇÕES BANCÁRIAS.

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

7. ANEXO

TABELA 1 – TAXAS DE JUROS E DE INFLAÇÃO INTERNACIONAIS.

Taxa básica de Juros (% a.a.)¹

Taxa de juros ao
consumidor (% a.a.)

IPC – 2004 (% a.a)

EUA

3,50

5,6²

2,68

Japão

0,02

1,49²

-0,01

Área do Euro

2,00

3,9²

1,67

Reino Unido

4,50

5,23²

2,96

Canadá

2,50

5,7²

1,83

Chile

3,75

5,24

1,05

Brasil

19,75

56,85

6,27

¹ Dados referentes ao dia 15/08/2005.

² Taxas referentes aos corporade bonds em 22/03/2005. Fonte: Ipea; The Economist, fevereiro de 2005; Valor Econômico, 16 de agosto de 2005.

TABELA 2 – SISTEMA DE CRÉDITO BRASILEIRO¹

DISCRIMINAÇÃO

VALOR (em R$ bilhões)

% do
Total

Volume de títulos públicos
transacionados

1.064,5

67,25%

Volume de crédito

518,3

32,75%

Setor Privado

432,4

27,32%

Setor Público

19,5

1,23%

Outros

66,4

4,20%

TOTAL DO CRÉDITO

1.582,8

100,00%

Taxa média de juros

Pessoas jurídicas

42,0

-

Pessoas físicas

64,7

-

¹ Dados referentes ao mês de mai/2005. Fonte: BACEN e Tesouro Nacional.

Supremo Tribunal Federal

22/02/2006 TRIBUNAL PLENO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO

FEDERAL

INCIDÊNCIAS AO VOTO-VISTA

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE)

I – FAÇO UM BREVE RELATÓRIO

1. ALEGAÇÕES DA REQUERENTE

A CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO SISTEMA FINANCEIRO – CONSIF – pretende a declaração de inconstitucionalidade da expressão:
“inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária” (art. 3º, § 2º, da L. 8.078/901).

Alega afronta:
(a) ao art. 192, caput, II e IV, da CF, na redação original (2);
(b) ao princípio do devido processo legal em sentido substancial (CF, art. 5º, LIV3).

EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR

1 L. 8.078, de 11 de setembro de 1990:
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

..............................

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

2 CF/88:
Art. 192. O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre: ..............................

II - autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 13, de 1996)
IV - a organização, o funcionamento e as atribuições do BANCO Central e demais instituições financeiras públicas e privadas;

3 CF/88:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
..............................

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

Alega, ainda, que a disciplina do SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (SFN) somente pode ser objeto de lei complementar (ADI 4, SYDNEY SANCHES, DJ 25.6.19934).

DISTINÇÃO ENTRE CONSUMIDOR E CLIENTE
Sustenta, mais, que a CF teria feito diferença entre consumidor e cliente de Instituição Financeira.

A CF teria dado tratamento normativo diverso para as duas searas: (a) O Direito ao Consumidor, no Capítulo I do Título VII – art. 170, V.

(b) O SFN, no Capítulo IV do mesmo Título – art. 192.

Está na inicial:

“..............................

39. É de se ressaltar, por exemplo, que as instituições financeiras não trabalham com dinheiro

próprio, mas de terceiros. A pretensão de aplicar-lhes regras de consumo – que não se amoldam às

peculiaridades das operações bancárias – pode atingir, de rigor, os correntistas e aplicadores que

ofertam recursos ao sistema para serem repassados, mediante guarda ou aplicação, em vez de mantê-

los guardados em casa ou no cofre das empresas. ... Por esta razão é que só o órgão encarregado de

controlar o sistema financeiro, que é o BANCO Central, pode cuidar da fiscalização nessa matéria,

que está disciplinada no art. 192 da Constituição Federal, em consonância com o art. 164 da

Constituição Federal, e, não, no art. 170 da Constituição Federal. ..............................” (INICIAL – p. 14/15).

PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Suscita, por fim, a lesão ao princípio da proporcionalidade (princípio do devido processo legal em sentido substancial).

Argumenta que os dois setores de natureza e atividades tão diferentes não poderiam estar vinculados às mesmas regras de funcionamento e ao mesmo regime jurídico.

Soma-se a isso o fato de existir uma estrutura normativa e financeira própria para o setor bancário dos quais são exemplos o BANCO CENTRAL (BACEN), o CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL (CMN) e a L. 4.595/645).

4 INICIAL, p. 12:
“..............................

31. Ora, se, conforme reconhecido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, as matérias pertinentes ao

SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, abrangente das atividades bancárias, financeiras, de crédito e de seguros, hão de

ser disciplinadas por lei complementar a teor do art. 192 da Constituição da República, e se, de acordo com o

entendimento do mesmo Tribunal, a Lei n.º 4.595/64 foi recepcionada com esse status, - resta evidente que o § 2º do art. 3º

da Lei n.º 8.078/90, ao pretender equiparar todas as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária a

relações de consumo para o fim de regulá-las, padece de inconstitucionalidade por invadir área reservada à lei

complementar, sendo insusceptível de derrogar a lei recepcionada, que desfruta desse status.

..............................”
5 INICIAL, p. 17:
“..............................

48. Ora, a regulação pela Lei n.º 8.078/90, conferindo o trato legal a tais atividades da mesma maneira que às demais

atividades econômicas, que não ostentam as mesmas peculiaridades, não se mostra razoável, quer em face dessa

sistemática constitucional, quer sob o aspecto material das operações celebradas no âmbito do sistema financeiro,

violando o princípio do devido processo legal substantivo (art. 5º, LIV, da Constituição Federal).

..............................

50. No presente caso, para além de já existir regulamentação pertinente à defesa dos direitos dos usuários das

instituições financeiras, expedida pelos órgãos de controle contemplados nos atos legislativos com eficácia de lei

complementar, o que afasta o requisito da necessidade, a inadequação se revela quer por ser incabível procedê-la por

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

2. PARECER DA PGR.

A PGR pede a declaração parcial de inconstitucionalidade, sem redução de texto, para, mediante interpretação conforme:
“..............................

... afastar a exegese que inclua naquela norma do CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ‘o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho de intermediação de dinheiro na economia, de modo a preservar a competência constitucional da lei complementar do SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL’...

..............................”

3. O VOTO DO RELATOR - CARLOS VELLOSO.

VELLOSO, Relator, faz considerações acerca do princípio constitucional de defesa do consumidor.

Para VELLOSO, o conflito entre a lei complementar do SFN e o CDC é meramente aparente. O âmbito de aplicação do CDC é diverso e não interfere na estrutura institucional do SFN.

Com isso, seria permitida coexistência entre a lei complementar reguladora do setor financeiro e o CDC a sujeitar instituições bancárias, de crédito e de seguros.

VELLOSO conclui:
“..............................

IX. ..., o CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, não interfere com o SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, ..., em termos institucionais, já que o Código limita-se a proteger e defender o consumidor, o que não implica, repete-se, interferência no SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. Protegendo e defendendo o consumidor, realiza o Código o princípio constitucional. Atualmente, o SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL é regulado pela Lei 4.595/64, recebida pela C.F./88 como lei complementar naquilo em que ela regula e disciplina o Sistema, não existindo entre aquela lei e a Lei 8.078, de 1990 – Cód. De Defesa do Consumidor – antinomias. O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR aplica-se às atividades bancárias da mesma forma que a essas atividades são aplicáveis, sempre que couber, o Cód. Civil, o Cód. Comercial, o Código Tributário Nacional, a Consolidação das Leis Trabalhistas e tantas outras leis.

..............................” (VOTO – p. 30)
Para VELLOSO, entretanto, a questão referente aos juros aplicáveis às operações bancárias é matéria que se coloca fora do alcance do CDC.

Acompanha, nesse ponto, a jurisprudência do STF (ADI 4, SYDNEY SANCHES, DJ 25.6.1993).

Adota o parecer da PGR:
“..............................

Empresto, de conseguinte, à norma inscrita no § 2º do art. 3º da Lei 8.078/90 – ‘inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária’ – interpretação conforme à Constituição, para dela afastar a exegese que nela inclua a taxa dos juros das operações bancárias, ou sua fixação em 12% ao ano, dado que essa questão diz respeito ao SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – C.F. art.

meio da legislação ordinária, como é o caso da Lei n.º 8.078/90, quer por haver referida lei submetido temas tão distintos a disciplina idêntica.
..............................”

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

192, § 3º - tendo o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4-DF, decidido que o citado § 3º

do art. 192, da Constituição Federal, não é auto-aplicável, devendo ser observada a legislação

anterior à C.F./88, até o advento da lei complementar referida no caput do mencionado art. 192, da

Constituição Federal.

..............................” (VOTO – p. 47).

Além de VELLOSO, votou NÉRI DA SILVEIRA.

Este julga improcedente a ação.

NÉRI considera que eventuais conflitos entre os dois regimes deverão ser resolvidos caso a caso. Ou seja, NERI não enfrentou o tema.

4. A POSIÇÃO DO STJ E DE OUTROS TRIBUNAIS.

Em 09.09.2004, o STJ editou a SÚMULA 297 com esta redação:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”
A SÚMULA é resultado do entendimento do STJ em cinco julgamentos, que reproduziu em outros(6).

O caso mais abrangente é o RESP 106.888 (7).

A decisão final foi no sentido de reconhecer a RELAÇÃO DE CONSUMO em todas as atividades bancárias.

Eis os argumentos:
(a) os titulares de cadernetas de poupança, muito embora não paguem diretamente, remuneram indiretamente os BANCOS por meio do uso que estes fazem do dinheiro dos poupadores;
(b) o § 2º, do art. 3º do CDC expressamente prevê que são considerados serviços para os fins do Código os de natureza bancária, financeira e creditícia;
(c) afastar a aplicação do CDC a esse tipo de relação significaria deixar desamparado, jurídico e judicialmente, todos os clientes e usuários bancários;
(d) a aplicação do CDC às cadernetas de poupança significaria dotar o poupador de instrumentos de proteção de uma aplicação financeira de “cunho nitidamente social”;
(e) a não aplicação do CDC às relações tipicamente bancárias poderia resultar na possibilidade de excessos e na fixação de cláusulas abusivas nos contratos de adesão elaborados pelos BANCOS; O STJ, portanto, concluiu no sentido de que têm natureza bancária todas as relações que envolvam a caderneta de poupança e as “tipicamente bancárias” como:

“............................

concessão de crédito, em suas diversas formas: mútuos em geral, financiamentos rural,

comercial, industrial ou para exportação,contratos de câmbio,empréstimos para capital de giro,

6 RESP 57.974, rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ 29.5.1995; RESP 106.888, rel. Min. CÉSAR ASFOR ROCHA, DJ 5.8.2002; RESP 175.795, rel. Min. WALDEMAR ZVEITER, DJ 10.5.1999; RESP 298.369, rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ 25.8.2003; e RESP 387.805, rel. Minª. NANCY ANDRIGHI, DJ 9.9.2002; RESP 160.861, rel. Min. COSTA LEITE, DJ 3.8.1998; RESP 163.616, rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ 3.8.1998; RESP 47.146, rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ 6.2.1995; etc).

7 O Min. CESAR ASFOR ROCHA, relator do RESP, bem expôs o objeto da questão decidida pela 2ª Seção: “Impende, contudo, estabelecer se o Código de Defesa do Consumidor incide sobre todas as relações e

contratos pactuados entre as instituições financeiras e seus clientes, como os depósitos em caderneta de poupança,

de que aqui se trata, ou se apenas na parte relativa à expedição de talonários, fornecimento de extratos, cobrança de contas, guarda de bens e outros serviços afins.” (Pág. 3 do voto).

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abertura de crédito em conta corrente e abertura de crédito fixo, ou quaisquer outras modalidades do

gênero.

.............................”

Examino, em primeiro lugar, depois de feita essa exposição inicial, a questão prejudicial.

II – VOTO.

1. PRELIMINAR DE PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO DIRETA.

Examino a questão prejudicial.

A inicial indica os arts. 5º, LIV, e art. 192, incisos II e IV.

O art. 192 disciplinava amplamente o regime do SFN.

Descia às minúcias.

Indicava os temas a serem tratados por lei complementar e determinava a fixação do valor máximo de juros reais anuais (incisos e § 3º, do art. 192).

Quanto ao § 3º, o SUPREMO fixou que a norma constitucional não era auto-aplicável e dependia de regulamentação (ADI 4).

Em maio de 2003, a EC 40 alterou o art. 192.

Reduziu-o para apenas um dispositivo:

“Art. 192. O Sistema Financeiro Nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento

equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem,

abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão,

inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.”

Abro um parêntese para dizer aos Ministros que esse artigo decorreu de uma versão da imprensa, ADI nº 4, em que decidimos que teria de ser uma lei complementar para regular tudo. E disso, acabaram mencionando leis complementares, o que não era verdade, mas ficou – digamos - rendido, como se fosse a posição do Tribunal.

“A questão, portanto, é saber se a revogação dos incisos - e parágrafos - prejudica a ação.

Analiso.

Discutem-se os limites de aplicação do CDC e a existência, ou não, de fronteiras entre RELAÇÃO DE CONSUMO e SFN.

De um lado, está o campo que a CF indicou como princípio a ser garantido pelo Estado: - a defesa do consumidor (art. 5º, inciso XXXII8; e art. 170, V9).

8 CF/88:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
..............................

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

9 CF/88:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

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Do outro, o SFN tem destaque no texto da CF, além de ser setor fundamental para a estabilidade da moeda e fortalecimento da economia.

O problema, portanto, não se limita às estritas fronteiras do texto constitucional.

O regime jurídico aplicado aos BANCOS e ao SFN é tema demasiadamente sensível do ponto de vista econômico, político e social, para ficar restrito a uma previsão constitucional de tom mais analítico.

Está a tratar de um tema fundamental, do ponto de vista institucional.

A revogação de grande parte do corpo do art. 192 demonstra que se trata de assunto de grande envergadura político-institucional.

Os rigores e a imutabilidade das normas constitucionais poderiam vir a prejudicar a regulamentação de um setor que, por conceito, é dinâmico e em constante evolução.

Em outras palavras, independente do enxugamento do art. 192, o problema dos limites de aplicação do CDC ao setor bancário se impõe.

Tudo porque se está diante de dois valores constitucionais: - proteção do consumidor; e
- fortalecimento da economia, com desenvolvimento.

A interconexão de ambos os campos precisa ser definida.

Além disso, o art. 192, após a EC 40/2003, conservou a competência da lei complementar para regular o SFN.

Isso quer dizer que, do ponto de vista do processo legislativo, remanesce a impugnação de que lei ordinária não poderiaregular a atividade dos BANCOS, por se tratar de tema de competência da norma complementar.

Além do mais, a ação direta detém “causa de pedir aberta”.

Isso significa que, em regra, a impugnação de lei não se faz com base apenas no dispositivo constitucional apontado na INICIAL.

Ao contrário, a declaração de constitucionalidade, decorrente da improcedência de uma ADI, assegura a constitucionalidade da lei.

Esse é o entendimento do SUPREMO(10).

No caso, a constitucionalidade da aplicação do CDC ao setor bancário deverá ser analisada com base em toda a Constituição, independente da norma constitucional levantada como desobedecida.

Não se aplica ao caso, a jurisprudência, também consolidada, pela qual a revogação ou a alteração substancial da norma constitucional prejudica a ação(11).

É que, nesses casos, o tema versado diz respeito única e exclusivamente a determinado trecho ou dispositivo constitucional (por exemplo, regime do servidor público)
Essa relação unívoca inviabiliza a análise da ação direta em face de outras normas ou princípios constitucionais que, em relação ao ato questionado, seriam simplesmente impertinentes.

..............................

V - defesa do consumidor;

10 RE 357.576, MOREIRA ALVES, DJ 14.3.2003;
ADI 1.749, JOBIM, DJ 15.4.2005;
ADI 1.756, MOREIRA ALVES, DJ 6.11.1998;
ADIMC 1.606, MOREIRA ALVES, DJ 31.10.1997;
ADI 2.009, MOREIRA ALVES, DJ 9.5.2003)

11 Por exemplo: ADI 909, JOBIM, DJ 6.6.2003;
ADI 1.674, SYDNEY SANCHES, DJ 28.5.99;

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Em suma, quanto a essa preliminar, entendo que a ação deve prosseguir e ser conhecida porque: (a) a nova versão do art. 192 ainda conservou a competência legislativa da lei complementar para tratar do SFN;
(b) a ação direta tem “causa petendi” aberta e, assim, a análise de constitucionalidade se faz com base em todo o ordenamento constitucional.

Destaco a matéria e ouço os Colegas. Há alguma objeção?

2. MÉRITO – ASPECTO JURÍDICO.

O problema da aplicação do CDC ao setor bancário permite abordagens sob diversas dimensões. Tratarei da questão a partir do enfoque jurídico e do enfoque econômico.

2.1. O CONSUMO E A POUPANÇA.

Ponto fundamental para a solução do problema da aplicação do CDC aos BANCOS é a conceituação de CONSUMO e sua diferenciação do conceito de POUPANÇA.

Tais idéias são comumente tratadas como equivalentes quando analisadas relações entre PESSOAS e BANCOS.

No entanto, existem diferenças entre as duas que inviabiliza o tratamento sob o mesmo regime jurídico.

Consumo aplica-se a aquisição ou utilização de coisas ou serviços para a satisfação de um interesse pessoal ou de uma necessidade.

Subjacente à idéia de CONSUMO está a noção de uso de coisa.

Todo o CONSUMO importa necessariamente em extinção, desaparecimento, deterioração, depreciação ou transformação de coisa ou serviço pelo seu simples uso, mediato ou imediato, de modo a atender a alguma necessidade.

É o que acontece, em maior ou menor grau, com bens não-duráveis, como cigarro, comida, entretenimento, etc; ou duráveis, como vestuário e automóveis desde que sejam finais, acabados e adquiridos por consumidor final.

Já POUPANÇA nos remete a outra noção.

Passa-se para a idéia de acumulação de capital, de excedente de recursos.

Trata-se daquela sobra, financeiramente auferível, que remanesce após a satisfação, por meio do consumo, das necessidades.

Nesse sentido, poupar e consumir são idéias de exclusão recíproca.

Poupar significa, por isso, renúncia ao consumo presente, como forma de acumular recursos para um consumo futuro, certo ou incerto.

2.2. CONSUMIDOR, POUPADOR E MUTUÁRIO.

Em decorrência, os conceitos de CONSUMIDOR e de POUPADOR são distintos.

O conceito de consumidor está, é óbvio, associado à idéia de consumo.

Por isso, quer significar aquele que adquire ou utiliza coisa, transformando-a ou destruindo-a, com o fim de atender interesse próprio.

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Por ser elemento essencial na configuração da RELAÇÃO DE CONSUMO – ao lado do conceito de fornecedor(12) -, o próprio Código conceitua consumidor (art. 2º).

Caracteriza o consumidor como qualquer

“pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”(13).

Logo, o consumidor é aquele que remunera o serviço ou compra o bem que será consumido, por isso destinatário final.

Ampliando a dimensão de análise, o consumidor participa da economia por meio de atividade retributiva:
- pagamento diretamente vinculado e proporcional ao serviço que a ele será prestado ou ao bem por ele adquirido, como destinatário final.

O poupador é aquele que, por escolha pessoal, não consome, mas conserva recurso, aplicando ou entesourando.

Na sociedade capitalista, a figura do poupador está intimamente ligada à figura do próprio BANCO.

Isso porque o poupador conserva seu capital por meio de depósitos nos BANCOS.

O dinheiro, entregue em depósito aos BANCOS, pelos POUPADORES, acaba por ser utilizado para outros fins, especialmente para o empréstimo.

Dessa forma, o POUPADOR, em realidade, empresta a moeda e por esse “produto” recebe uma remuneração da instituição financeira.

O empréstimo rende juros aos BANCOS.

Parcela desses juros é utilizada para remunerar o POUPADOR.

O POUPADOR não paga ou remunera um produto ou serviço, como o faz o CONSUMIDOR. O POUPADOR é remunerado por meio de juros pela moeda que entregou.

O CONSUMIDOR se desfaz de moeda para satisfação de interesse particular.

Já o POUPADOR recebe mais moeda pela entrega de capital - nada paga, não remunera. É remunerado.

Leio na doutrina:

“..............................

… sustentar que existe relação de consumo na atividade de depósito de cadernetas de poupança

parece fugir à lógica do razoável, à medida que não se poderia fugir da inelutável ilação de que

estaria o BANCO recebendo duas remunerações, uma pela captação (...) e outra pelo repasse,

quando, em verdade, a remuneração é única e decorre do pagamento dos juros e demais encargos do

mútuo diretamente pelo tomador do empréstimo (o mutuário). O aplicador de poupança não paga

nada ao BANCO, nem direta, nem indiretamente. Não cabe falar em remuneração indireta se não há o

pagamento pela via indireta.

..............................” (14).

12 L. 8.078/90 (CDC):
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

13 L. 8.078/90 (CDC):
Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

14 ZANELLATO, Marco Antonio.Oposição entre poupança e consumo. Inaplicabilidade do CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. In: Revista de direito bancário e do mercado de capitais. Ano 2, nº 4. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, janeiro-abril de 1999, pág. 246;

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Da mesma forma que o CONSUMIDOR não se confunde com POUPADOR também não há identidade entre CONSUMIDOR e MUTUÁRIO.

O MUTUÁRIO é aquele que está do outro lado da intermediação financeira dos BANCOS.

São eles que pagam os juros aos BANCOS, que, por sua vez, remunerará os POUPADORES.

O MUTUÁRIO não se confunde com CONSUMIDOR porque não é destinatário final de um produto.

O colecionador de moedas, por exemplo, não é um MUTUÁRIO.

Ele adquire a moeda como mercadoria e, por isso, como destinatário final.

Os BANCOS concedem o crédito de forma a permitir que o MUTUÁRIO possa estabelecer RELAÇÕES DE CONSUMO com terceiros (construtoras, incorporadoras, proprietários de imóveis, etc.).

Leio GALENO LACERDA:
“..............................

Se, no contrato de depósito bancário, o banco-depositário é devedor, e o cliente-depositante é credor, claro está que nele não se pode entrever uma relação de consumo, na qual, como é notório, o cliente-consumidor figura como devedor, e o fornecedor do bem de consumo, como credor. Aliás, aberraria do bom senso a solução oposta, já que consumo e depósito são, por definição, antônimos. Repelem-se por natureza e essência. Consumir o depósito tipifica, até, crime de depositário infiel. E consumir ‘serviço’ de depósito violenta, sem dúvida, o senso comum.

..............................” (15)”

Não há que se pensar em consumo de serviço de depósito.

“Na verdade, a relação que se estabelece entre POUPADOR e BANCO e entre BANCO e MUTUÁRIO perfaz algumas etapas do ciclo do dinheiro ou da moeda que cumpre sua função com a simples circulação.

Não há ligação entre as OPERAÇÕES BANCÁRIAS e a idéia de CONSUMO.

Leio PAULO BROSSARD:
“..............................

... entre o consumidor assim definido por lei, e o cliente de um banco, enquanto tal, não há identidade, nem semelhança, da mesma forma que entre o consumo e o contrato bancário. Operações bancárias ou operações de crédito não dizem respeito ao consumo; ao contrário, envolvem aplicação de reservas poupadas, exatamente do que sobejou por não ter sido utilizado no consumo, ou seja, na satisfação de necessidades.

..............................” (16)

O MUTUÁRIO e POUPADOR integram etapas do processo econômico.

15 LACERDA, Galeno. Ação civil pública e contrato de depósito em caderneta de poupança – impossibilidade do uso daquela via nessa matéria. O contrato de depósito é estranho às relações de consumo. Limites à legitimação do Ministério Público na ação civil pública. Os interesses difusos ou coletivos não abrangem os interesses ou direitos individuais homogêneos. In: Revista dos Tribunais. Ano 84, vol. 715, maio de 1995. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, pág.

109;
16 BROSSARD, Paulo. Defesa do consumidor – atividade do Ministério Público – incursão em operações bancárias e quebra de sigilo – impossibilidade de interferência. In: Revista dos Tribunais. Ano 84, vol. 718, agosto de 1995. São Paulo: Revista dos Tribunais, pág. 90;

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Variações de seus comportamentos - de procura de crédito ou de nível de recursos poupados - terão impacto imediato na circulação da moeda, na disponibilidade de recursos, na capacidade de investimento e, portanto, no próprio funcionamento da economia.

Já a RELAÇÃO DE CONSUMO claramente diz respeito a uma posição subjetiva individual ou individualizável.

Diz com uma relação que se exaure, em termos de proteção, à garantia do exercício da liberdade de escolha e da igualdade contratual.

A diferença não é meramente terminológica.

A RELAÇÃO DE CONSUMO se apresenta sob enfoque tipicamente subjetivo, de proteção do CONSUMIDOR, uma vez que a sua situação subjetiva se repete inúmeras vezes.

Sua proteção, segundo as bases do direito constitucional brasileiro, se faz em termos de direitos fundamentais.

A relação que o CONSUMIDOR estabelece com um agente econômico mais poderoso, em uma relação economicamente desigual, exige a maior proteção do Estado à parte hipossuficiente.
Já as relações concernentes ao ciclo da moeda têm natureza objetiva.

Dizem respeito não só à relação do POUPADOR ou do MUTUÁRIO, tomados
individualmente, mas aos reflexos dos comportamentos econômicos desses milhares de agentes na própria economia.

O fundamento principal da regulamentação dessas relações é o próprio controle das bases da economia, assim como a fiscalização do nível de investimento realizado.

Assim sendo, todos os cidadãos são invariavelmente envolvidos, porque são diretamente influenciados pela forma como se dará a regulação do setor financeiro.

Por esse motivo o regime jurídico de proteção do CONSUMIDOR é diferente do regime do POUPADOR e do MUTUÁRIO.

3. A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR E A PROTEÇÃO DO POUPADOR E DO MUTUÁRIO.

3.1. DIFERENÇAS DOS REGIMES JURÍDICOS.

A diferença na composição e no funcionamento do sistema de proteção do CONSUMIDOR e de proteção do POUPADOR e do MUTUÁRIO não é meramente legal.

Tal distinção não advém de uma escolha política realizada pelo legislador.

Na verdade, a diferença de perspectiva segue uma lógica que vem das premissas de proteção de cada um dos sistemas.

Como já mencionado, a proteção das RELAÇÕES DE CONSUMO advém de uma necessidade de garantia de um conjunto de direitos do indivíduo, historicamente conquistado.

As RELAÇÕES DE CONSUMO, tal como as RELAÇÕES DE TRABALHO, apresentam-se como relações juridicamente igualitárias, a respeitar o conceito da igualdade formal, típica do Estado Liberal.

Entretanto, são claramente relações de desníveis econômicos, políticos e sociais.

Tais desníveis produzem condições para que a parte mais poderosa da relação possa exercer, abusivamente ou em excesso, sua autonomia contratual, sua liberdade negocial.

As RELAÇÕES DE CONSUMO exigem, portanto, atuação específica do Poder Público, que passa, obrigatoriamente, por uma legislação protetiva.

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Essa perspectiva é evidente da leitura de alguns incisos do art. 4º do CDC, ao estabelecer a POLÍTICA NACIONAL DE RELAÇÕES DE CONSUMO(17).

Não é difícil perceber que o CONSUMIDOR, por não ter o poder econômico do FORNECEDOR ou do PRODUTOR, tem sua liberdade negocial diminuída.

Na prática, é obrigado a se sujeitar às condições contratuais impostas pela parte mais forte.

Muitas vezes, é levado a se submeter a constrangimentos e práticas abusivas por parte do estabelecimento comercial, não tendo condições de exigir, na relação individual, por exemplo: (a) alteração da embalagem do produto por falta de informações claras;
(b) alteração de cláusula por se tratar de contrato-padrão;
(c) instituição de departamento de atendimento ao consumidor na qual possa fazer reclamações e acompanhar as providências.

Abro um parêntese para lembrar que essa relação consumidor/fornecedor, ou mesmo distribuidor, se agravou muito fortemente com as cadeias de grandes lojas. Antigamente, em cada cidade, o proprietário da loja estava lá e resolvia o problema da reclamação do consumidor. Hoje, você trata com gerentes que não têm nenhuma possibilidade. Daí porque a relevância do Código de Defesa e dos organismos de defesa para a proteção, principalmente nesse sistema, de maximização das operações de venda, sobretudo de consumo direto à população, em especial a linha branca de eletrodomésticos.

O CDC arrola, nesse sentido, uma extensa listagem de práticas (art. 3918) e de cláusulas contratuais abusivas (art. 5119).

17 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
...............................

IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

18 L. 8.078/90 (CDC):
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço; IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;
VII - repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos; VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro); IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;
X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.

XI – (Dispositivo incluído pela MPV nº 1.890-67, de 22.10.1999, transformado em inciso XIII, quando da converão na Lei nº 9.870, de 23.11.1999)

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O art. 39, I, da Lei nº 8.078/90 tratava de venda casada, que era muito comum. Quando tínhamos os mecanismos de congelamento e de aumento de preço, vendia-se um guaraná junto com qualquer outra coisa; ou, nos próprios Bancos, quando, ao vender serviços, o gerente exigia também a compra de um seguro, porque ele tinha uma participação, o que era muito comum. Você fazia um financiamento e, ao mesmo tempo, tinha de fazer um seguro. Como fazia o mutualismo privado que fornecia o seguro e ao mesmo tempo exigia o pagamento de um financiamento, etc. Havia vários modelos.

II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
O direito fundamental de proteção ao CONSUMIDOR procura compensar essas desigualdades fáticas.

Visa estabelecer (fornecer) maiores restrições a essa autonomia contratual do FORNECEDOR ou do PRODUTOR, restrições estas que o CONSUMIDOR não teria como fixar na relação concreta.

O direito do CONSUMIDOR tem origem histórico-filosófica, de proteção a direitos fundamentais com preocupação direta com a própria figura do CONSUMIDOR.

Já a proteção do POUPADOR e do MUTUÁRIO não toma por base a intenção de equiparar uma relação faticamente desigual.

Na verdade, a perspectiva é outra, já que as condições de funcionamento do SFN dependem de regulação do Poder Público.

A preocupação é com toda a população.

XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.

XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido.

19 L. 8.078/90 (CDC):
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;
III - transfiram responsabilidades a terceiros;
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
V - (Vetado);
VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;
VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;
IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

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Busca-se a estabilidade econômica, a consolidação do sistema bancário, a redução do custo do dinheiro e a facilitação das condições de empréstimo e investimento, em fim, o desenvolvimento.

As figuras do POUPADOR e do MUTUÁRIO não são protegidas enquanto indivíduos na perspectiva histórica, mas enquanto peças fundamentais para o funcionamento da economia.

No consumo, a proteção do CONSUMIDOR se encerra nele mesmo.

No setor financeiro, a proteção do POUPADOR e do MUTUÁRIO integra a proteção da política econômica, que tem repercussões em toda a população.

Assim, no direito do consumo, os órgãos de proteção atuam como procuradores e defensores do direito difuso, coletivo ou individual homogêneo de todos os CONSUMIDORES.

O CDC cria um sistema de proteção nesse sentido.

Prevê a participação de diversos órgãos públicos e entidades privadas.

Cria instrumentos políticos e jurídicos para a concretização de uma política do consumo (20).

O chamado SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR (SNDC) é integrado pelo:
(1) DEPARTAMENTO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DPDC, vinculado à SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO do MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, que é órgão de coordenação da política de consumo; e
(2) os PROCONs estaduais (em número de 27) e municipais, com competência para garantir os direitos dos CONSUMIDORES por meio de providências, inclusive judiciais, para planejar, coordenar e executar a política de proteção local.

Além desses órgãos previstos no CDC e no Decreto 2.181/97, é de se lembrar as DELEGACIAS DO CONSUMIDOR (DECONs), a atuação do MINISTÉRIO PÚBLICO e a participação de várias ONGs (21).

A filosofia própria de fiscalização e proteção do SFN exigiu a montagem de uma estrutura completamente diversa, e segue princípios diferentes de controle.

Nessa seara, o objetivo é a proteção da população brasileira por meio de uma política de acompanhamento e controle da economia.

O interesse pessoal do POUPADOR e do MUTUÁRIO se inclui nessa perspectiva, o que se percebe a partir da legislação protetiva do chamado “CLIENTE BANCÁRIO” (Resolução 2.878, de 26.7.2001).

Assim, a proteção do SFN, ou, em outras palavras, a proteção da ECONOMIA e da própria POLÍTICA MONETÁRIA, se faz por meio dos órgãos e entidades públicas criadas especificamente para o fim de regular a atividade financeira e estabelecer os fundamentos da própria economia:

20 L. 8.078/90 (CDC):
Art. 105. Integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC, os órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais e as entidades privadas de defesa do consumidor.

21 L. 8.078/90 (CDC):
Art. 5° Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o poder público com os seguintes instrumentos, entre outros:
I - manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente;
II - instituição de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público;
III - criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo;
IV - criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a solução de litígios de consumo; V - concessão de estímulos à criação e desenvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor.

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(1) o BANCO CENTRAL (BACEN) e
(2) o CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL (CMN).

O CMN é o órgão deliberativo mais importante do SFN e sua competência está estabelecida em lei (L. 4.595/64, art. 4º).

Dentre outras:
(1) desenvolver a política regulatória com o fim de zelar pela liquidez e pela solvência das instituições financeiras;
(2) regular a constituição, funcionamento e fiscalização das entidades pertencentes ao Sistema; e (3) orientar a aplicação de recursos das entidades financeiras para viabilizar desenvolvimento e crescimento da economia nacional (22).

Onde o Conselho Monetário, então, fixa formas diretivas e indutoras da economia, no que diz respeito à aplicação dos recursos dos poupadores que depositaram nos bancos.

Já o BACEN é o órgão executor da POLÍTICA MONETÁRIA e da política de regulação do SFN (L. 4.595/64, art. 10).

Na lógica desse sistema, as decisões da CMN, bem como suas disposições normativas, são implementadas pelo BACEN.

Este edita resoluções tendo por base:
(1) o resguardo da solvência bancária;
(2) a proteção contra a vulnerabilidade, assegurando liquidez e impedindo “corridas bancária”; (3) a redução das falhas informacionais e da própria instabilidade estrutural do setor.

Está em LOPES e ROSSETTI:

“..............................

Em síntese, dado esse elenco de atribuições, o BACEN pode ser considerado como:

BANCO dos BANCOS, à medida que recebe, com exclusividade, os depósitos compulsórios dos bancos comerciais, fornece empréstimos de liquidez e redescontos para atender às necessidades

imediatas das instituições financeiras e regulamenta o funcionamento dos serviços de compensação de

cheque e outros papéis.

Superintendente do sistema financeiro nacional, à medida que adapta seu desenvolvimento e os fundos e programas especiais por ele administrados às reais necessidades e transformações

verificadas na economia do país, baixando normas, fiscalizando e controlando as atividades das

22 L. 4.595, de 31 de dezembro de 1964:
Art. 3º A política do Conselho Monetário Nacional objetivará:
I - Adaptar o volume dos meios de pagamento ás reais necessidades da economia nacional e seu processo de desenvolvimento;
..............................

IV - Orientar a aplicação dos recursos das instituições financeiras, quer públicas, quer privadas; tendo em vista propiciar, nas diferentes regiões do País, condições favoráveis ao desenvolvimento harmônico da economia nacional;
V - Propiciar o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos financeiros, com vistas à maior eficiência do sistema de pagamentos e de mobilização de recursos;
VI - Zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras;

Art. 4º Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República: ..............................

VII - Coordenar a política de que trata o art. 3º desta Lei com a de investimentos do Governo Federal;
VIII - Regular a constituição, funcionamento e fiscalização dos que exercerem atividades subordinadas a esta lei, bem como a aplicação das penalidades previstas;

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instituições financeiras, concedendo autorização para seu funcionamento e decretando intervenções

ou liquidação extrajudicial dessas instituições.

Executor da política monetária, à medida que regula a expansão dos meios de pagamento, elaborando o orçamento monetário e utilizando os instrumentos de política monetária (administração

das taxas dos recolhimentos compulsórios, dos redescontos de liquidez e das operações de compra e

venda de títulos públicos no mercado aberto).

Banco emissor, à medida que detém o monopólio de emissão do papel-moeda e da moeda metálica e executa os serviços de saneamento do meio circulante.

Banqueiro do governo, à medida que financia o Tesouro Nacional, mediante a colocação de títulos públicos, administra a dívida pública interna e externa, é depositário e administrador das

reservas internacionais do país e executa as operações ligadas a organismos financeiros

internacionais.

...............................” (23).

De forma direta, tais questões relacionam-se com o nível de recursos poupados, o que representa a solvência e liquidez do sistema.

Tem relação, também, com o nível de recursos tomados, o que representa o nível de investimentos a serem realizados, o custo do empréstimo e, portanto, o nível de crescimento da economia.

É evidente que as relações do MUTUÁRIO e do POUPADOR com o BANCO, por serem indiretamente instrumentos de política monetária, não se resumem aos interesses individuais envolvidos - o interesse do mutuário em reduzir os juros que foram contratados e dos BANCOS em cobrar aqueles juros.

3.2. A DEFESA DO CLIENTE-BANCÁRIO.

Os pressupostos de defesa do CONSUMIDOR, de um lado, e do POUPADOR e do MUTUÁRIO, de outro, são tão diferentes nos regimes jurídicos a eles aplicados, que existe uma espécie de CÓDIGO DE DEFESA DO CLIENTE BANCÁRIO como forma de garantir os direitos desses indivíduos.

Trata-se da Resolução BACEN (à que já me referi) nº 2.878, de 26.07.2001.

Essa Resolução define deveres das instituições bancárias, tais como (art. 1º e incisos):
(1) transparências nas relações contratuais, garantindo prévio e integral conhecimento das cláusulas com destaque das que prevêem responsabilidade e penalidades;
(2) respostas tempestivas às consultas, reclamações e pedidos de informações dos clientes de maneira a sanar com brevidade e eficiência os problemas e as dúvidas informadas;
(3) clareza no formato dos contratos;
(4) entrega ao cliente de cópias dos documentos assinados, bem como de recibo de valores pagos;
(5) efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais causados aos seus clientes; (6) obrigação das instituições de informar com clareza, por meio de afixação de avisos em suas dependências, as situações que poderão justificar recusas de cheques, boletos, fichas de compensação ou mesmo hipótese de não aceitação de pagamentos em geral (art. 2º), bem como número telefônico da

23 LOPES, João do Carmo e ROSSETTI, José Paschoal. Economia monetária. 9ª ed. São Paulo: Ed. Atlas, 1999, pág. 446;

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Central de Atendimento ao Cliente do próprio BANCO e do número telefônico do BACEN para reclamações;
(7) obrigação das instituições de evidenciar aos clientes condições contratuais (responsabilidade na emissão de cheque, inscrição do Cadastro de Emitentes de cheques sem fundo; penalidades; tarifas; procedimento de encerramento de conta; multas, etc) (art. 3º e incisos);
(8) vedação de publicidade enganosa ou abusiva (art. 5º);
(9) dever de assegurar ao cliente a possibilidade de liquidação antecipada de débitos, parcial ou integralmente, com redução proporcional dos juros (art. 7º);
(10) dever de utilizar, em contratos e em avisos, terminologia clara e de fácil entendimento (art.

8º);
(11) atendimento prioritário a idosos, gestantes, lactantes, portadores de deficiência, pessoas com mobilidade reduzida, bem como a garantia de fácil acesso às agências e circulação interna adequada a todos os clientes (art. 9º e incisos);
(12) proibição de estabelecer maiores exigências para idosos e portadores de deficiência física ou visual em virtude dessa condição do que as exigências fixadas para os demais clientes (arts. 11 e 12); (13) proibição de medidas administrativas internas que possam significar restrições de acesso amplo às dependências públicas da instituição (art. 14);
(14) em saques de conta de depósito à vista do cliente, é proibido à instituição estabelecer prazo para postergar a conclusão da operação para o expediente seguinte (art. 16);
(15) proibição de venda casada (art. 17);
(16) proibição de:
(a) transferência de recursos de conta de depósito à vista ou conta de poupança para qualquer investimento, ou a realização de qualquer operação, sem a prévia anuência do cliente;
(b) prevalecer-se, em razão de idade, saúde, conhecimento, condição social ou econômica do cliente ou do usuário, para impor-lhe contrato, cláusula contratual, operação ou prestação de serviço; (c) elevar, sem justa causa, valor de tarifas, taxas, comissões ou qualquer contra-prestação de serviços;
(d) aplicar fórmula ou índice de reajuste que não seja o previsto em lei;
(e) deixar de estipular prazo para o cumprimento de seu próprio dever ou deixar essa fixação a seu unilateral critério;
(f) rescindir, suspender ou cancelar contrato, operação ou serviço, ou executar garantia fora das hipóteses legais ou contratualmente previstas; e
(g) expor o cliente a constrangimento ou ameaça na cobrança de dívidas.

Fiz uma relação daquilo que está no chamado Código de Defesa do Cliente Bancário.

Algumas dessas proteções dizem respeito ao funcionamento da instituição e da prestação de serviços ao USUÁRIO, aqui CONSUMIDOR.

Ou seja, temos, neste elenco, uma série de previsões que dizem respeito ao usuário do banco que, aqui, é tratado seguramente como consumidor.

Outras dessas disposições protegem diretamente o CLIENTE (POUPADOR ou MUTUÁRIO) na relação subjetiva que estabelece com o BANCO.

Então, temos duas situações distintas: a do poupador e do mutuário cliente, que estaria sujeito às normas do sistema, e aqueles usuários de bancos, considerados clientes, mas que têm uma relação de consumo.

De qualquer forma, o CLIENTE bancário está protegido por uma normatividade que regula diretamente a relação do cidadão com o BANCO, dentro do regime jurídico próprio e dos princípios que norteiam essa atividade.

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Não existe, sob esse aspecto, diferenças de amparo do Poder Público na proteção do CONSUMIDOR, do POUPADOR e do MUTUÁRIO.

São situações garantidas sob diversos pressupostos:
(1) o do consumo, sob o pressuposto da compensação de uma relação desigual; Vemos relação de consumo nos serviços bancários.

(2) o dos recursos financeiros, sob o pressuposto da garantia da liquidez e solidez do sistema financeiro-monetário, a estabilidade monetária e o desenvolvimento do país.

Significam, aqui, as operações bancárias.

4. RELAÇÃO ENTRE POUPADOR OU MUTUÁRIO E POLÍTICA ECONÔMICA.

4.1. OS BANCOS E SUA FUNÇÃO NO SFN

Os BANCOS estão ligados à superação do antigo estágio de escambo.

Tal superação se dá por ser o BANCO um elo entre agentes econômicos deficitários(24) e agentes econômicos superavitários(25).

Historicamente, portanto, os BANCOS nasceram de um processo lento de aproximação desses dois tipos de agentes.

Permitiram que os recursos que sobrassem dos superavitários fossem utilizados pelos agentes deficitários.

Essa é a intermediação financeira - atividade típica dos BANCOS.

A sua importância é a circulação monetária.

Ela possibilita que a poupança se transforme em investimento.

Facilita a produção de bens e serviços por meio do abastecimento de recursos aos produtores e fabricantes.

Com isso, tornam-se viáveis o crescimento e o desenvolvimento econômico.

Leio LOPES e ROSSETTI:

“.............................

Na realidade, os intermediários financeiros só têm razão de ser quando se encontram agentes

que desejam gastar mais do que seus rendimentos correntes, concomitantemente com outros que

possuem rendimentos em excesso, relativamente às suas intenções de gasto, predispondo-se a trocar

seus ativos monetários por ativos financeiros não monetários. Assim, os intermediários financeiros

colocam-se entre os possíveis mutuários, que acusam déficits orçamentários, e os possíveis mutuantes,

que acusam superávits, dispondo-se os primeiros a arcar com os custos financeiros de sua opção por

um dispêndio superior a seus rendimentos correntes, e os segundos a assumir os riscos inerentes à

transformação de seus ativos monetários, líquidos por excelência, em ativos financeiros menos

líquidos, mas rentáveis em termos reais.

..............................” (26)
Diversas são as vantagens dessa atividade de intermediação: (1) Dispensa o contato direto entre agentes.

24 Pessoas que precisam de investimentos ou recursos, já que gastam em maior valor do que a renda correntemente recebida.

25 A soma das despesas e investimentos é menor do que a renda auferida.

26 LOPES, João do Carmo e ROSSETTI, José Paschoal. Economia monetária. 9ª ed. São Paulo: Ed. Atlas, 1999, pág. 408;

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É extremamente improvável, salvo em situações fáticas muito especiais, que os agentes deficitários aceitem tomar empréstimos nas mesmas condições que agentes superavitários se disponham a concedê-los.

A intermediação financeira diminui incertezas, cria padrões de condutas nos empréstimos, desenvolve uma classe profissional que estabiliza essa atividade, já que a desenvolve em escala, o que a permite criar condições de empréstimos muito mais viáveis e regras mais adequadas (27).

(2) Minimiza os custos e os riscos no sistema sócio-econômico.

Uma operação financeira tem seu custo calculado não apenas com base nos elementos internos do contrato ou nos riscos da intenção ou situação do tomador.

Esse cálculo também leva em conta contingências não dependentes dos agentes - desastres naturais, crise econômica geral, infortúnios, etc.

A intermediação financeira reduz esses custos, já que o aparecimento de uma classe profissional diversifica a atividade e aumenta as regiões abrangidas, o que força a redução do custo relativo da operação.

(3) Facilita o encontro de capital disponível.

Com a intermediação financeira, o agente deficitário tem condições mais adequadas de encontrar excedentes no momento de sua necessidade.

(4) Aumenta o acesso ao mercado financeiro.

A intermediação possibilita, com mais facilidade e rapidez, que grandes montantes de excedentes monetários se transformem em ativos financeiros e permite que pequenas poupanças sejam utilizadas em investimentos.

Do outro lado, a possibilidade de tomada de grandes empréstimos viabiliza investimentos e a possibilidade da tomada de empréstimos diminutos permite o aumento do consumo de bens, móveis e imóveis, e serviços.

(5) Flexibilização dos critérios de empréstimo.

A diversificação da atividade de intermediação financeira possibilita um exame macro de critérios de rentabilidade e retorno, que permite a flexibilização e a facilitação no oferecimento de recursos.

4.2. BANCOS E POLÍTICA MONETÁRIA.

Diante dessas funções, fica fácil perceber a importância da atividade bancária para a POLÍTICA MONETÁRIA e para a estabilidade da própria economia.

A POLÍTICA MONETÁRIA e a POLÍTICA FISCAL formam a POLÍTICA ECONÔMICA do país.

É por meio da POLÍTICA MONETÁRIA que as Autoridades Monetárias controlam a liquidez total do sistema econômico.

Com uma POLÍTICA MONETÁRIA RESTRITIVA, a quantidade de moeda no mercado é reduzida, visando desaquecer a economia, ceteris paribus, levando a redução dos preços.
Ou seja, a oferta de moeda reduz; segura-se, portanto, eventual aumento de preços.

Utilizada dessa forma restritiva, a POLÍTICA MONETÁRIA serve como instrumento de combate às pressões inflacionárias.

27 STANFORD, Jon. Papel dos intermediários financeiros. In: Moeda, BANCOS e atividades econômicas. São Paulo: Atlas, 1976, pág. 55;

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Já uma POLÍTICA MONETÁRIA EXPANSIONISTA aumenta a quantidade de moeda no mercado com o objetivo de incrementar a demanda e incentivar o crescimento econômico. É importante ter presente a opção.

A opção entre uma política monetária restritiva e uma política monetária expansionista é uma decisão de Governo.

Esse é o debate no Brasil de hoje.

Uns sustentam a redução da taxa de juros para incrementar o desenvolvimento.

Outros alertam para as pressões inflacionárias.

A opção constitui-se em uma decisão de Governo.

Criticável ou não, mas é uma decisão de governo.

Constitui-se na formulação, pelo Governo, da POLÍTICA MONETÁRIA.

Para a consecução dos objetivos macroeconômicos fixados pela política adotada, as Autoridades Monetárias e Financeiras detêm, basicamente, de sete instrumentos principais:
(1) incentivo ou restrição ao crédito;
(2) compra ou venda de títulos públicos;
(3) depósitos compulsórios;
(4) taxa de redesconto;
(5) taxa de juros;
(6) emissão de moeda; e
(7) administração das reservas cambiais.

São exatamente esses os sete instrumentos principais de manejo na política monetária.

Dentre tais instrumentos, a TAXA DE JUROS tem se mostrado, historicamente, a mais eficaz e a mais utilizada no mundo.

4.3. TAXA DE JUROS COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA MONETÁRIA.

A TAXA DE JUROS é uma ferramenta de alta eficácia no controle do nível de atividade.

A elevação TAXA DE JUROS acarreta uma redução da quantidade de moeda na economia (liquidez) e conseqüente retração do consumo e da própria inflação.

Já a redução dos juros tende a estimular a atividade econômica, impulsionando o consumo e a produção.

E, aqui, vem o ponto político sério de que duas metas de política econômica são possíveis: ou a meta é a inflação, ou a meta possa ser o desenvolvimento.

O BACEN, tendo a POLÍTICA MONETÁRIA como mecanismo para administrar a liquidez da economia, se a inflação for a meta irá fazer suas escolhas de modo a obter o melhor resultado possível. No sentido da graduação da taxa de juros para reduzir o aquecimento da economia.

Quando a meta for a inflação, tem o BACEN duas opções de política de estabilidade: (1) o câmbio fixo; e
(2) a própria TAXA DE JUROS.

A TAXA DE JUROS acabou sendo a opção preferida como instrumento de controle da inflação, uma vez que a utilização da âncora cambial requer um elevado volume de reservas internacionais em moeda forte.

Ou seja, mexer, estabelecer uma banda cambial e controlar a inflação pela via da taxa de câmbio importa em grandes aportes de moeda estrangeira forte à disposição. Então, a opção internacional tem de ser dada; e aqui, no Brasil, principalmente, tem se dada pelo manejo da taxa de juros.

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ADI 2.591 / DF

O COMITÊ DE POLÍTICA MONETÁRIA (COPOM) foi instituído em 20.06.1996, com o objetivo de estabelecer as diretrizes da POLÍTICA MONETÁRIA.

Cabe ao COPOM a definição da TAXA DE JUROS MÉDIA dos financiamentos diários, com lastro em títulos federais, apurados no SISTEMA ESPECIAL DE LIQUIDAÇÃO E CUSTÓDIA – SELIC.

Esta é a função básica do COPOM, administrar a definição da taxa de juros médios para efeito de fixar os lastros dos títulos federais base da SELIC. Alguns repetem muito a SELIC, mas nem todos sabem que significa o Sistema Especial de Liquidação e Custódia
A criação do COPOM buscou proporcionar maior transparência e um ritual adequado ao processo decisório da autoridade monetária.

Seguiu-se o exemplo do que já era adotado pelo FEDERAL OPEN MARKET COMMITTEE – FOMC –, do FEDERAL RESERVE, nos Estados Unidos, e pelo CENTRAL BANK COUNCIL, do BUNDESBANK, na Alemanha.

Tal procedimento também foi adotado, em 06/1998, pelo BANK OF ENGLAND, com a criação do seu MONETARY POLICY COMMITTEE – MPC –, assim como pelo BANCO CENTRAL EUROPEU desde a criação do EURO, em 01/1999.

O BANCO CENTRAL dos ESTADOS UNIDOS (FED), com a credibilidade adquirida sob o comando de PAUL VOLCKER e ALAN GREENSPAN, tem utilizado a TAXA DE JUROS como mecanismo atenuador do ciclo econômico, sem colocar em risco o controle inflacionário.

Observem bem que a posição do FED é, exatamente, o controle do ciclo econômico. Tem como perspectiva o desenvolvimento, mas como um risco – digamos -, como um casamento para o controle inflacionário.

Outros BANCOS CENTRAIS, como o BANCO DA INGLATERRA, CANADÁ, NOVA ZELÂNDIA, AUSTRÁLIA, MÉXICO E CHILE, adotaram o regime de METAS DE INFLAÇÃO. Ou seja, operaram numa outra solução.

A POLÍTICA MONETÁRIA no BRASIL, estabelecida a partir de 1999, passou a seguir esse regime.

Nele o BACEN deve utilizar a TAXA DE JUROS como instrumento básico para fazer com que a inflação, medida pelo IPCA (IBGE), fique dentro da meta estabelecida.

Há uma meta central e um intervalo de variação em torno do qual a inflação pode se situar.

Desde que o governo adotou o sistema de METAS DE INFLAÇÃO e o CÂMBIO
FLUTUANTE, a TAXA DE JUROS é o principal instrumento usado para conter a pressão sobre os preços.

Assim, o objetivo da POLÍTICA MONETÁRIA atual é o controle da inflação através da variação da TAXA DE JUROS.

Esta é a opção política do governo atual.

Na teoria econômica há consenso de que existe uma correlação negativa entre TAXA DE JUROS e CRESCIMENTO ECONÔMICO.

Uma elevação da TAXA DE JUROS determinará um menor crescimento da economia e vice-versa.

Por outro lado, é também consenso que elevadas taxas de inflação geram perdas no nível de bem-estar da população, seja pelo aumento das desigualdades sociais, seja pela geração de incertezas quanto ao futuro.

Portanto, é tarefa da autoridade monetária encontrar o ponto de equilíbrio entre um crescimento sustentado de longo prazo e taxas reduzidas de inflação.

Para atingir esse objetivo, o BACEN optou por ajustar a TAXA DE JUROSBÁSICA.

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

O REGIME DE METAS DE INFLAÇÃO funciona da seguinte forma: (1) explicitam-se as metas de inflação para os anos seguintes;
(2) divulgam-se trimestralmente as projeções de inflação; e
(3) detalham-se, nas atas das reuniões, as formas de reação do BACEN.

O COPOM atua a partir de uma avaliação da tendência futura da inflação.

As projeções são obtidas utilizando-se as informações disponíveis, tanto quantitativas, processadas através de modelos estruturais, simulações e outras medidas estatísticas, como qualitativas.

4.4. AS TAXAS DE JUROS NO MERCADO BRASILEIRO.

A TAXA BÁSICA DE JUROS, estabelecida pelo BACEN através do COPOM, é o referencial da TAXA DE JUROS que o governo utiliza para se financiar, junto ao mercado, através da emissão de títulos públicos.

Ela serve de base para outras TAXAS DE JUROS praticadas no país.

Fiz essa digressão, exatamente, sobre a formulação da taxa de juros e a opção do Brasil de hoje em relação ao combate à inflação, para mostrar que a taxa básica de juros, fixada pelo COPOM, repercute na taxa de juros praticada pelo país, porque a taxa básica de juros define o preço dos valores dos títulos públicos lançados no mercado.

MARSHALL, citado por KEYNES, enfatiza que:

“..............................

‘O juro, sendo o preço pago pelo uso do capital em qualquer mercado, tende a um nível de

equilíbrio tal que a procura agregada de capital no dito mercado, a essa taxa de juros, seja igual ao

estoque agregado que nele venha ocorrer à mesma taxa. ...............................” (28)

Assim sendo, as TAXAS DE JUROS de mercado são determinadas a partir da TAXA BÁSICA DE JUROS da economia, estabelecida pelo COPOM, adicionada de um SPREAD BANCÁRIO.

Aqui está a base. A taxa de juros de mercado depende da taxa de juros básica da economia mais um “spread”.

Pergunta-se:
Qual a ligação entre a TAXA DE JUROS BÁSICA e a TAXA DE JUROS DE MERCADO (aquela cobrada pelos BANCOS)?

Na verdade, a TAXA DE JUROS DE MERCADO representa o custo de oportunidade29 do BANCO, posto aqui pela TAXA DE JUROS BÁSICA, adicionada de custos operacionais, risco e lucro.

Ou invisto em compra de papéis de títulos públicos, ou empresto ao setor privado, e o custo de oportunidade está exatamente no diferencial de cada um.

A TAXA DE JUROS BÁSICA, ou seja, aquela que o Governo paga nos seus títulos, representa o preço do capital para o BANCO.

Conforme tabela 1, anexa, tem-se que, em todos os países, as TAXA DE JUROS de crédito às empresas e às pessoas físicas são superiores à taxa básica.

28 KEYNES, John Maynard. Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda, Ed. Atlas, 1992, p. 143;
29 O custo de oportunidade pode ser entendido como o custo alternativo de investir o capital em qualquer outro negócio. BURCH, E. EarL & NENBY, em seu livro, MiItf R. Oportunity and Incremental cost: attempt to define in systems terms: a commerry. The Accounting Review, 49(1): 118-123, January, 197k p. 119, custo de oportunidade pode ser definido como a renda líquida que pode ser auferida em determinado investimento a partir do seu melhor uso alternativo.

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ADI 2.591 / DF

Isso demonstra que as demais taxas praticadas no mercado são uma derivação desta última.

Por sua vez, o SPREAD BANCÁRIO reflete o custo operacional dos agentes financeiros, seu lucro e seu risco (taxa média de inadimplência).

Ou seja, o SPREAD BANCÁRIO constitui-se na diferença entre as taxas de empréstimos praticadas pelos BANCOS ou agentes financeiros junto aos tomadores de crédito (MUTUÁRIOS, por exemplo) e a taxa de captação, que é a taxa à qual os BANCOS tomam recursos(30).

O SPREAD BANCÁRIO visa não só cobrir os custos das operações financeiras e, portanto, as despesas relativas à atividade de intermediação financeira, mas também proporcionar uma margem líquida para o intermediário financeiro.

Vários fatores podem levar a um SPREAD BANCÁRIO elevado.

Na TAXA DE JUROS cobrada, o BANCO contabiliza:
(a) prestações atrasadas;
(b) inadimplência;
(c) risco de crédito em função do mercado e da conjuntura econômica; (d) cunha fiscal; e
(e) a própria expectativa de inflação.

Em estudo de dezembro de 2005(31) sobre a composição do SPREAD BANCÁRIO no Brasil, a FIPECAFI(32) mostrou a seguinte distribuição percentual:
1)Inadimplência – 13%
2)Despesas com pessoal – 10%
3)Despesas estruturais – 24%
– 08%
4)Tributos 5)Custo de captação (juros aos aplicadores) – 36%
6)Lucro líquido – 09%
Assumindo que a TAXA DE JUROS dos financiamentos é determinada pela SELIC, adicionado um SPREAD BANCÁRIO, tem-se que:
TJM = SELIC + SPREAD BANCÁRIO
Onde:
TJM = Taxa de juros de financiamento ao mutuário
Tem-se, assim, que parcela significativa dos juros é determinada através da TAXA DE JUROS BÁSICA, estabelecida pelo COPOM.

Por isso, os juros não podem ser fixados de forma independente da POLÍTICA MONETÁRIA do País.

Ele é a base de toda a matemática de cálculo.

Constata-se, assim, que a relação do BANCO com o POUPADOR e o MUTUÁRIO integra a política econômica, extravasando os limites da relação subjetiva.

Na RELAÇÃO DE CONSUMO não há essa dimensão objetiva.

30 Por simplificação adotou-se a hipótese de que os BANCOS tomam recursos à mesma taxa do governo (SELIC). No entanto, embora estas taxas guardem uma alta correlação com a taxa SELIC a captação dos BANCOS tende a apresentar uma taxa superior àquela praticada pelo governo federal. Na tabela II, do anexo I, observa-se que do total de operações de crédito no mercado o governo federal é o maior tomador com 67,25% do total.

31 Dados publicados no Jornal VALOR ECONÔMICO, Caderno Finanças, pág. C1, de 13.12.2005;

32 Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras

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ADI 2.591 / DF

Nesta - na RELAÇÃO DE CONSUMO - a proteção do CONSUMIDOR é tomada individualmente.

Relatório que analisa a POLÍTICA MONETÁRIA do Brasil deixa claro que a TAXA DE JUROS é um instrumento de tal política.

Constata-se desse Relatório, que a TAXA DE JUROS depende de inúmeras variáveis e que não pode ter seus limites fixados de forma dissociada da política macroeconômica.

E aqui está, Ministro Pertence, a grande diferença: a de que, aqui, a regra constitucional fixava uma taxa de juros dissociada da política econômica, daí, porque, durante todo o tempo, inclusive aquele no qual eu estive na Câmara dos Deputados, foi inviável produzir-se a lei complementar relativa ao Sistema Financeiro, porque não havia como casar essa situação.

Lerei o Relatório de 2002, que mostra, numa leitura em 2006, que temos a visão das coisas.

Leio:
“...............................

No tocante ao cenário externo, a política monetária estará fortemente dependente da confirmação ou não da retomada do crescimento mundial no segundo semestre.”

Foi o que aconteceu: houve uma retomada do crescimento, e nós tivemos uma retomada das vendas externas do País, mesmo com a âncora cambial baixando. A taxa de câmbio baixou, mas não influenciou a inflação, porque os preços internacionais aumentaram.

“Dado que as economias da União Européia continuam emitindo sinais de maior debilidade e a economia japonesa aprofunda cada vez mais sua recessão, o crescimento mundial será guiado pelo desempenho da economia norte-americana. Vale destacar, então, o crescimento de 0,2% do PIB dos EUA no quarto trimestre de 2001 depois de queda de 1,3% no terceiro trimestre. Este crescimento foi sustentado essencialmente pelos gastos públicos, principalmente os gastos militares com a guerra no Afeganistão
................................”

Com a guerra no Afeganistão, à época; depois, com a guerra do Golfo; e, posteriormente, com a guerra do Iraque.

“Como visto, o comportamento da taxa nominal de câmbio é que tem sido ‘favorável’, relativamente aos cenários mais pessimistas, dando certa folga ao Banco Central. E este é o problema. A política monetária (se novos apertos de juros serão ou não necessários) está muito dependente do que vai acontecer com o câmbio no futuro. Este, por sua vez, depende não apenas do desempenho das exportações brasileiras, mas também do cenário externo (Argentina e EUA) e da liquidez mundial. Como as projeções do Banco Central, considerando-se juros constantes a 19% a.a., já apontam para uma inflação acima da meta central deste ano (que é de 3,5%), e as expectativas e mercado, que estão em 4,8%, aproximam-se do limite superior da meta (5,5%), não parece haver muito espaço para a redução da taxa nominal de juros neste início do ano, como ficou claro com a decisão do Copom de janeiro de 2001 em mantê-la no patamar de 19% a.a.

...............................” (33)”

E, aí, nos tivemos a evolução a chegar na taxa de juros de hoje.

33 DUARTE, Pedro Garcia. O que esperar da política monetária brasileira em 2002? Revista Autor, Ano II - nº 8 / Fevereiro de 2002

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ADI 2.591 / DF

Observa-se que, muitas vezes, a POLÍTICA MONETÁRIA está subordinada a condicionantes alheios à vontade das Autoridades Monetárias de seu próprio país, imagine-se então, no que concerne às regras estabelecidas no CDC.

O que deixa claro que aquele voluntarismo que muitas vezes assistimos em relação ao tratamento das questões econômicas, como se bastasse um mero decreto de alguém reduzindo taxa de juros, isso é possível, considerando as circunstâncias do desconhecimento dessas situações econômicas.

Um exemplo é o nível das TAXAS DE JUROS praticadas em outros países.

Se as taxas de outros países sobem, dado o mesmo nível de risco mundial, os títulos brasileiros tornam-se menos atraentes ao investidor.

Em conseqüência, o BACEN deverá elevar os juros a patamares tais que evitem a fuga de capitais e a conseqüente desvalorização da moeda nacional.

E, aqui, vem um problema, também, de natureza de política econômica e de decisão de Governo.

Lembro que as Autoridades Monetárias entendem de não fixar regras de controle de capitais.

Isto é um grande debate entre os economistas de hoje, se há ou não necessidade de regras de controle de capitais.

Recordo que o extraordinário economista Luiz Gonzaga Belluzzo sustenta a necessidade de regras de controle de capitais; já outros economistas sustentam o contrário. E a opção de Governo foi exatamente a de não estabelecer regras de controle cambiais.

Por conseguinte, uma desvalorização cambial poderia desencadear um processo inflacionário, uma vez que a desvalorização da moeda nacional faria com que os consumidores domésticos pagassem mais caro não apenas por produtos importados, mas também por aqueles que tivessem seus preços determinados no mercado internacional.

Os fatores que permeiam a política macroeconômica de um país, entre eles a TAXA DE JUROS, são questões mutáveis no tempo. Tal política deve ter a flexibilidade adequada, exigida pelas flutuações conjunturais, e estar, portanto, subordinada ao órgão regulador e com competência institucional de implementá-la.

As instituições financeiras, especialmente os BANCOS e instituições de crédito, negociam basicamente com a moeda e crédito.

Realizam uma atividade de repasse dos recursos nelas depositados e por elas captados.

Tal mecanismo está estreitamente relacionado com a POLÍTICA MONETÁRIA e não é factível estabelecer limites desalinhados desta, uma vez que a TAXA DE JUROS praticada pelo governo é o referencial básico dos BANCOS.

4.5. LIMITES DE TAXA DE JUROS AO CONSUMIDOR EM OUTROS PAÍSES (34).

Resolvi fazer um levantamento, exatamente, pela discussão que, no Brasil, se trava sobre essa questão da taxa de juros, em brecar, inclusive, nessa demanda.

Examino a situação em diferentes países quanto à imposição ou não de limites à TAXA DE JUROS, matéria que discutimos muito aqui no Brasil.

Nota-se que alguns países adotam limites.

E, aqui, é a observação fundamental da pesquisa que fiz.

No entanto, tais limites têm como base exclusiva decisões do órgão executor da POLÍTICA MONETÁRIA de acordo com as circunstâncias e conjunturas econômicas do momento.

34 Os dados e informações constantes desse item foram extraídos do Relatório de Agosto de 2004 da DTI (Department of Trade and Industry), do governo Ingles: “The effect of interest rate controls in other countries”.
http://www.dti.gov.uk/ccp/topics1/consumer_finance.htm.

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ADI 2.591 / DF

Não há pré-fixação ou petrificação de TAXA DE JUROS por meio de lei, que é a pretensão que tínhamos na Constituição de 1988, uma vez que essa prática é incompatível com o dinamismo e a flutuação dessa área da economia.

(A) França
Na França há controles.

A taxa máxima é determinada pela Autoridade Monetária a cada quadrimestre, sendo ela de até 133,33% das taxas médias praticadas no mercado.

Há três diferentes tetos.

A taxa mais alta é a aplicada para os empréstimos de pequeno valor de até €1.524 - cerca de 20% no 1º quadrimestre de 2004.

O BANQUE DE FRANCE é o responsável, tanto pelo levantamento das taxas médias praticadas no mercado, quanto pela fiscalização no que diz respeito ao cumprimento dos tetos. A atual estrutura da taxa de usura está determinada em lei.

(B) Alemanha
A Alemanha tem uma forte tradição de controle dos serviços financeiros.

Na Alemanha também não há um teto único.

Existem diferentes limites para cada tipo específico de TAXA DE JUROS.

A RULE OF THUMB proíbe a cobrança de taxas superiores ao dobro da taxa média praticada pelo mercado para aquele tipo de operação.

O levantamento mensal das taxas médias praticadas é responsabilidade do BUNDESBANK.

No caso das taxas aos mutuários domésticos, em 2003, as taxas variaram de 6,9% a.a. a 7,9% a.a. para os empréstimos e de 10,2% a.a. a 10,8% a.a. para limite de conta corrente.

(C) Reino Unido
Na Inglaterra, em 1974, caíram as limitações de taxas de juros.

Atualmente ainda não há limite para as TAXAS DE JUROS a serem cobradas, porém discute-se a possível implementação de uma “lei da usura”.

(D) Estados Unidos
Não há mais uma legislação federal impondo restrições ou regulamentações às TAXAS DE JUROS.

Esse tema fica sob responsabilidade de cada Estado.

Em vários estados há um limite às TAXAS DE JUROS.

Essa regulação, na maioria das vezes, consta em leis estaduais.

Há grandes diferenças quanto ao nível de regulação, variando desde estados muito reguladores até estados que não adotam tal política.

Aqui surge a distinção entre estados do norte e os do sul dos Estados Unidos em relação ao tratamento político do sistema.

Nos últimos 30 anos, gradualmente, alguns estados vêm removendo os controles sobre as TAXAS DE JUROS.

Por outro lado, nesse mesmo período, vem aumentando o número de estados que passaram a adotar tetos especiais para pequenos empréstimos (em geral até US$2.000).

Ou seja, até dois mil dólares, alguns estados estão estabelecendo teto, mas sempre baseados na decisão da autoridade monetária.

Atualmente a maioria dos estados possui um baixo grau de regulação (22 deles), mas os estados mais importantes como Califórnia, Texas e Nova Iorque ainda possuem um grau mediano de regulação.

(E) Chile

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ADI 2.591 / DF

O Chile também possui controle.

A TAXA DE JUROS MÁXIMA CONVENCIONAL (TIMC) corresponde a 150% da média das taxas cobradas no mercado.

No entanto, não há teto único.

Existem 08 taxas que se diferenciam de acordo com as características da operação realizada (tipo de operação, valor e prazo).

A TIMC, por exemplo, para operações não reajustáveis, em moeda nacional, com prazo superior a 90 dias e valores de no máximo 200 unidades de fomento (cerca de US$ 6.100,00) está em 42,12% a.a.

A fixação da TIMC é realizada pela SUPERINTENDÊNCIA DE BANCOS E INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS (SBIF), um órgão do governo chileno.

Isso mostra, ou retira de discussão, com exemplos internacionais, que é possível haver taxas diferenciadas de juros fixadas. O fundamental é que a limitação dessas taxas tem sempre uma variável básica – debaixo do cálculo inicial -: a taxa básica da economia, fixada pela autoridade monetária. Logo, se essa fixação houvesse, ela teria de ser sempre ligada à autoridade monetária.

(F) CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Como se vê, existem limitadores das TAXAS DE JUROS cobradas pelas instituições financeiras, especialmente nas linhas de créditos mais populares.

Mesmo em países onde atualmente não ocorre esse tipo de controle, já existe movimentação no sentido de criação desse mecanismo.

É o caso do REINO UNIDO e dos ESTADOS UNIDOS.

Nos ESTADOS UNIDOS os estados estão anulando suas leis da usura, mas criando instrumentos que defendam os pequenos tomadores de empréstimos.

Os instrumentos de controle são criados mais com o objetivo de inibir práticas abusivas individuais, do que definir uma taxa a ser praticada.

Mesmo em países que adotam a política de controle das TAXAS DE JUROS, o mercado continua sendo o responsável, em última instância, por sua determinação.

É importante lembrar que os exemplos trazidos enfocam países desenvolvidos, com economia forte e, portanto, com baixo nível de dependência das flutuações econômicas internacionais.

Fundamental destacar que o limite da TAXA DE JUROS ao MUTUÁRIO, seja ele qual for, não pode ser fixado aleatoriamente.

A sua fixação tem que ser vinculada a POLÍTICA MONETÁRIA estabelecida pelo Governo e ter o seu acompanhamento e fiscalização pela Autoridade Monetária.

4.6. POSSÍVEIS CONSEQÜÊNCIAS DA APLICAÇÃO DO CDC ÀS OPERAÇÕES TÍPICAS DO SFN.

Antes de mais nada, sabe-se que os agentes econômicos atuam de forma a maximizar lucros e a reduzir prejuízos.

Essa lógica se aplica ao mercado bancário.

Como vimos, a TAXA DE JUROS cobrada pelo BANCO do MUTUÁRIO e a paga pelo BANCO ao DEPOSITÁRIO são fixadas a partir de um conjunto de fatores tendo como elemento principal o valor da TAXA BÁSICA DE JUROS.

Se o teto de cobrança dos juros não estiver atrelado à POLÍTICA MONETÁRIA do governo, existiria claramente um “descasamento” entre o que o BANCO tem a receber (ativo) e o que se obrigou a pagar (passivo).

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Se o descasamento ocorrer por critérios que não sejam a política monetária, o dinheiro necessário a equilibrar essa equação viria de outras fontes, tais como tarifas bancárias, que teriam que ser majoradas, ou mesmo da necessidade de subsídio público para tal equilíbrio.

Lembro aos Colegas o que ocorreu com o famoso Banco Nacional de Habitação, no qual se manteve o pagamento do Fundo de Garantia de Serviço com uma taxa de juros determinada e, depois, os mutuários começaram a dizer que só poderiam pagar os seus empréstimos em relação à variação salarial.

Aí houve um descasamento brutal, e sabemos, hoje, do enorme rombo que representa o chamado “Fundo de Variações e de Compensações Salariais” do Banco Central.

Lembro que diversos personagens brasileiros se utilizaram disso. Eu próprio, Ministro Pertence, tive um grande negócio porque fiz um financiamento para construção de uma casa própria em Santa Maria - não poderia ser Sabará, evidentemente - pelo Banco Nacional de Habitação, que, na época, representava 50% do valor. Quando comecei a pagar, era relativo a nove salários mínimos o meu pagamento mensal; quando terminei o pagamento, já na condição de deputado, pagava 30% do salário mínimo vigente à época. No final, houve um saldo do meu débito, lançado sobre o Fundo, de R$130 mil, à época. Eu tive uma vantagem em moeda forte: ganhei em cima do dinheiro do trabalhador – vejam bem, não contribui para o Fundo de Garantia, pois advogado não contribuía para Fundo –, beneficiando-me com 230 mil dólares em relação ao descasamento entre a política de pagamento e a política de remuneração do investimento.

O que aconteceu aqui? Acabou tudo isso caindo na mão do contribuinte. Provavelmente alguns Colegas também passaram por essa experiência.

Como acabei de relatar a minha experiência pessoal, na hipótese, o ônus recairia sobre o usuário, o contribuinte ou ambos. Do contrário, a própria atividade bancária estaria inviabilizada.

Pergunta-se:
O que aconteceria se o CDC se aplicasse a essa espécie de operação?

Operação típica da atividade bancária: empréstimo de dinheiro.

Em primeiro lugar, componentes importantes do processo econômico estariam a ser formulados por agentes sem competência para tal – PROCONS, etc.

Estaríamos atribuindo aos PROCONS essa possibilidade de entrar nas taxas de juros e nos negócios bancários específicos.

A POLÍTICA ECONÔMICA, na vida democrática, é da competência das autoridades governamentais.

É o Governo o responsável pela formulação dessa política.

A legitimação para tal vem da vitória nas eleições.

Ou seja, a legitimação decorre disso: subiu ao governo, decida; e ele tem legitimidade pelo período de quatro anos na formulação.

Entender-se de outra forma, é comprometer a atividade financeira no Brasil.

Mesmo que haja, durante curto período, estabilidade das regras econômicas, a fixação de teto por agentes não comprometidos com a POLÍTICA MONETÁRIA causaria imediatamente a restrição abrupta ao crédito.

O raciocínio é simples.

O SPREAD BANCÁRIO expressa o nível de risco da operação.

Se as regras forem instáveis e não conhecidas a priori, os BANCOS passarão a emprestar dinheiro somente a clientes que apresentem sinais óbvios de possibilidade de pagamento dos empréstimos.

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Em outras palavras, apenas terão condições de conseguir empréstimos bancários, para a realização de investimentos privados, aqueles que, de certo modo, não precisem de dinheiro.

E aí jogariam, pelas operações de investimentos internacionais, com obtenção de dinheiro local por meio do diferencial da taxa de câmbio.

A grande maioria da população brasileira – aquela que realmente precisa de dinheiro emprestado – não vai alcançar os níveis de exigência para fazer jus ao empréstimo.

Assim, a medida que viria para proteger a população mais necessitada estaria, na verdade, a prejudicá-la.

É o que ocorre quando se tenta reduzir a liquidez ou a solvência de um sistema estabelecido com determinadas proteções aos devedores; isso determina claramente o aumento. Por quê? Porque os adimplentes acabam pagando as diferenças.

Lembre-se daquele caso recente sobre locações, em que decidimos claramente que o locador acaba tendo de pagar. O Tribunal reconheceu a legitimidade da execução da fiança sobre bens do fiador. Foi muito claro o Tribunal no sentido de que, qualquer tentativa de esvaziamento das garantias, importaria em taxas maiores, até com a cobrança de seguros bancários, ou fianças bancárias.

Visto por outro ângulo, a limitação dos juros, desvinculada da POLÍTICA MONETÁRIA, reduziria os níveis de investimentos de forma drástica.

Isso desaqueceria a economia e limitaria possibilidade de crescimento econômico.

Poderíamos chegar ao patamar de recessão com o encolhimento do nível de atividade econômica.

Outra forma dos BANCOS compensarem as perdas com a limitação da TAXA DE JUROS desvinculada da política monetária, seria por meio do aumento das tarifas bancárias.

Outra vez se percebe que a medida seria extremamente danosa a quem mais precisa dos serviços bancários no seu dia-a-dia.

Finalmente, a última possibilidade equivaleria a um retrocesso em matéria de administração do sistema financeiro.

É que, diante dos prejuízos, os BANCOS somente conseguiriam se manter com a ajuda de recursos públicos.

O subsídio público da atividade bancária praticamente retiraria a autonomia dos BANCOS e tornaria o próprio governo responsável direto por toda a movimentação financeira do país.

Ao invés de regulador e fiscalizador da atividade financeira, o Estado passaria a ser o seu único participante.

Diante das prováveis conseqüências, a aplicação do CDC aos BANCOS em OPERAÇÕES BANCÁRIAS - típicas do sistema financeiro - seria deletério também do ponto de vista econômico e social.”
Lembro aos Colegas que - creio que na metade do governo Sarney, Ministro da Economia, Senhor Mailson da Nóbrega - foi extinta a chamada conta-movimento do Banco do Brasil, que financiava a agricultura. Era uma festa a tal conta movimento. Lembro-me - como advogado de Santa Maria - e percebi muito disso, que o Banco do Brasil sacava, no Tesouro Nacional, os empréstimos da agricultura, a taxa de juros reduzidíssima de estímulo. E, aí, acabou não se tendo mais nenhum controle nessa conta-movimento porque o Banco do Brasil acabava lançando também os custos dos empregados e das agências destinadas ao fomento da agricultura. Acabava o contribuinte pagando todo esse diferencial. E tudo era pago com o diferencial de quê? Com o diferencial de juros que vinham, a conta-movimento extinguiu-se exatamente no governo Sarney para estabilização do Banco do Brasil.

4.7. CONCLUSÃO.

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Fica claro que a TAXA DE JUROS é um instrumento de POLÍTICA MONETÁRIA e como tal deve estar atrelada às políticas das Autoridades Monetárias.

Em realidade, a regulação do mercado se justifica pela sua íntima relação com a POLÍTICA MONETÁRIA e com a própria estabilidade e fortalecimento da moeda.

Nesse sentido, no Brasil, com sua economia ainda em processo de amadurecimento e
fortalecimento, é necessário que as Autoridades Monetárias e Financeiras estejam atentas às variações econômicas e às flutuações internacionais, de forma a dar resposta operacional imediata para a conservação do nível de segurança da economia.

É o que está acontecendo recentemente com a redução, inclusive, do risco país, considerando o aumento da capacidade de pagamento do Brasil através de políticas restritivas que estão sendo feitas pelo governo. Podem ser criticadas, mas essa é uma decisão de governo, ele é legítimo para tomar decisão.

Por isso, para esse tipo de operação financeira, o mercado é regulado por uma política dinâmica formulada pela Autoridade Monetária, com base na legislação do SFN.

A atribuição de competência, no âmbito do SFN, a autoridades não monetárias, inclusive não estatais, conduziria a restrição abrupta do crédito.

Por tudo isso o CDC não tem aplicação às OPERAÇÕES BANCÁRIAS TÍPICAS do SFN, especialmente quando envolvam fixação, limites e cobrança de juros.

5. O CDC E OS BANCOS.

A restrição da aplicação do CDC se limita às OPERAÇÕES TÍPICAS do SFN.

A par disso, pergunta-se:
Existiriam outras operações realizadas pelos BANCOS que deveriam observar os princípios e os dispositivos do CDC?

5.1. OPERAÇÕES BANCÁRIAS E SERVIÇOS BANCÁRIOS. DISTINÇÕES.

O problema diz respeito, diretamente, à interpretação do § 2º do art. 3º do CDC, ao dispor que serviço é:

“... qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as

de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de

caráter trabalhista.”

Pergunto:
É possível a identificação de ATIVIDADES BANCÁRIAS NÃO TÍPICAS do sistema financeiro e, portanto, que equiparariam os BANCOS a prestadores de serviço?

A resposta negativa a essa pergunta somente poderia gerar a declaração de inconstitucionalidade de parte desse dispositivo.

Entretanto, uma gama de serviços prestados pelos BANCOS à CLIENTE e USUÁRIO não se configura como relações financeiras relativas a investimentos e depósitos, que estão sob a guarda e o controle da Autoridade Monetária.

Lembrem-se de que me referi como clientes aos tomadores e aos prestadores, e usuários são aqueles que não são nem uma coisa nem outra, mas se servem do banco para as atividades. Hoje, inclusive, o Brasil, em termos de informatização, é o sistema bancário mais bem informatizado do

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mundo. E, hoje, o uso da moeda-papel reduziu-se imensamente, utilizando-se, basicamente, dos serviços de informatização de bancos, que são serviços.

Há casos em que o BANCO, de fato, presta um serviço autônomo tal como outro prestador qualquer e, por isso, recebe remuneração específica por esse serviço.

Em outras palavras, há serviços que podem ser prestados independentemente da relação monetário-financeira do BANCO com o POUPADOR ou MUTUÁRIO - relações relativas à moeda e ao crédito.

Em muitos casos, o BANCO presta serviços em concorrência com outras entidades que não tem natureza financeira, como o serviço de pagamento ou recebimento de salário.

Lembro aos Senhores a decisão recente do Tribunal - vencido o Ministro Marco Aurélio, se não me engano -, na questão do Banco do Ceará, em que há nitidamente a contratação, por parte do governo do Ceará, da prestação de serviço de um banco, que é remunerada, em relação ao pagamento dos seus funcionários, que não tem nada a ver com a relação moeda e crédito, mas com a prestação de serviço de pagamento de salários, pagamento de fornecedores, etc.

Está em SERGIO CARLOS COVELLO:

“............................

A classificação tradicional e, ao mesmo tempo, mais acolhida na prática bancária é aquela que

divide as operações de Banco, de conformidade com o crédito, em fundamentais e assessórias.

As operações fundamentais, ou típicas, são as que implicam a intermediação do crédito, função precípua dos Bancos, que, como vimos, recolhem dinheiro de uns para concedê-lo a outros.

Dividem-se em passivas (as que têm por objeto a procura e provisão de fundos, sendo assim denominadas por importarem em ônus e obrigações para o Banco, que, na relação jurídica, se torna

devedor) e ativas (as que visam à colocação e ao emprego desses fundos; por meio dessas operações, o Banco se torna credor do cliente).

Constituem operações passivas os depósitos, as contas correntes, os redescontos, enquanto as principais operações ativas são os empréstimos, os financiamentos, as aberturas de crédito, os descontos, os créditos documentários, as antecipações, etc.

As operações acessórias ou neutras (assim chamadas por não implicarem nem a concessão nem o recebimento do crédito) possuem significação menor para os Bancos, que só as realizam com o fito

de atrair clientela.”

Ou seja, essa disputa que há sobre os depósitos a serem feitos no pagamento dos salários via bancos é exatamente uma disputa para aumentar o portfolio dos bancos em relação ao número de contas correntes, porque a tendência é o empregado-funcionário manter, naquele banco, a conta-corrente para evitar o transporte bancário.

“Definem-se como verdadeiras prestações de serviço: custódia de valores, caixa de segurança,

cobrança de títulos e outras.
.............................” (35)

Trata-se da diferença entre OPERAÇÕES BANCÁRIAS e SERVIÇOS BANCÁRIOS. As OPERAÇÕES BANCÁRIAS consistem em transferência de moeda (circulação monetária) ou de crédito, que se sustentam na confiança e na administração de riscos.

As OPERAÇÕES BANCÁRIAS, portanto, são as típicas do SFN e tem importante impacto na POLÍTICA MONETÁRIA e econômica do país.

35 COVELLO, Sergio Carlos. Contratos bancários. 4ª ed. São Paulo: Editora Leud, 2001, pág. 38;

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São tais operações que garantem, em uma dimensão macro, a circulação monetária, a estabilidade do poder aquisitivo da moeda, o nível de investimentos e a própria estabilidade da economia.

É exatamente neste ponto que age o Banco Central para reduzir ou aumentar a circulação de moedas, influenciando e decidindo sobre este tipo de operações.

Já os SERVIÇOS BANCÁRIOS dizem respeito a obrigações de fazer, que são executadas pelos BANCOS sem vinculação com a POLÍTICA MONETÁRIA.

Os SERVIÇOS BANCÁRIOS se prestam a atender diversos interesses dos clientes.

É com base nesses serviços que os BANCOS, geralmente, cobram tarifas já que a prestação não se confunde com o objeto de atividade própria da instituição.

Leio GALENO LACERDA:

“............................

(...) a atividade bancária se desdobra em duas categorias distintas: uma, a principal, consistente

em operações, e outra, secundária, caracterizada pela prestação dos serviços. As operações têm por objeto o dinheiro, ou créditos que se traduzem em dinheiro; os serviços, ao contrário, atendem a interesses acessórios do cliente, como cofres de aluguel, cobrança de títulos etc.

.............................

6. Se o dinheiro não pode ser objeto de consumo porque não se ajusta ao conceito ‘destinatário

final’ que caracteriza o consumidor (art. 2º do CDC), nem por isso certos ‘serviços’ que lidam com

dinheiro deixam de integrar o mercado de consumo. Por isso, no art. 3º, § 2º, o CDC admite ensejem

consumo serviços de natureza bancária, financeira e crédito e securitária. Quais serão essas

atividades? Aquelas que não tenham o dinheiro como destinatário final, por exemplo, a custódia de valores, a emissão e compra e venda de títulos, os negócios de bolsa, as caixas de aluguel, as remessas financeiras, e tantos outros serviços pelos quais o fornecedor cobra do cliente uma taxa remuneratória.

.............................” (36)

Diante da separação conceitual, é fácil perceber que as OPERAÇÕES BANCÁRIAS, por serem operações financeiras, estão submetidas ao controle do BACEN e os CLIENTES BANCÁRIOS, para essas operações, estão submetidos a sistema próprio de proteção.

Dentre as OPERAÇÕES BANCÁRIAS sob a fiscalização da Autoridade Monetária estão, por exemplo:
(a) depósito (dentre os quais a própria poupança, depósitos à vista, obrigatórios, à prazo – CDB/RDB, vinculados, e outros);
(b) empréstimo e financiamentos;
(c) abertura de crédito;
(d) descontos;
(e) cessão de créditos;
(f) operações de câmbio;
(g) crédito documentário, etc.

Já os SERVIÇOS BANCÁRIOS, por serem atividades desatreladas do sistema financeiro - não tendo por objeto dinheiro ou crédito -, estão submetidos à incidência dos dispositivos do CDC e de outras normas pertinentes.

36 LACERDA, Galeno. Direito Comercial, Obrigações e Contratos. Vol. III. Rio de Janeiro: Editora Forense, pág. 14;

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Os CLIENTES BANCÁRIOS dessas atividades são equiparados a CONSUMIDORES e são protegidos também pelos órgãos oficiais de defesa do consumidor e pela atuação do Ministério Público.

Dentre tais SERVIÇOS BANCÁRIOS, alguns são compensados diretamente por meio da cobrança de tais tarifas, por exemplo:
Vejam bem: não há que se levar em conta que só será serviço bancário quando for remunerado por tarifa, porque há determinados serviços bancários em que não há pagamento de tarifa, porque atendem outros interesses do banco.

(a) custódia de valores;

(b) caixa de aluguel;

(c) cobrança de títulos, etc.

Outros não são diretamente compensados com tarifas.

No entanto, se incluem dentre as ATIVIDADES ou SERVIÇOS corriqueiros dos
estabelecimentos bancários, muito embora não envolvam sua atividade fim (operações com crédito e dinheiro).

É o caso, por exemplo:
(a) da política de acesso dos usuários à agência bancária;
(b) da consulta em terminais;
(c) da obrigação dos bancos de apresentar informações claras e objetivas acerca de seus serviços, etc.

Não há aqui nenhuma tarifa cobrada do banco para o cumprimento dessa obrigação, mas é um serviço bancário, claramente.

Assim, verifica-se que a tarifa é importante critério identificador dos SERVIÇOS BANCÁRIOS submetidos ao CDC.Entretanto, não é o único.

Não é o único, porque vai depender de situações concretas.

Isso porque existem outras atividades dos BANCOS que não são compensadas diretamente pela tarifa, mas apenas de maneira indireta já que integram o cálculo geral de custos do BANCO.

De qualquer forma, a remuneração pela tarifa constitui claramente compensação pela prestação de um serviço e caracteriza o CLIENTE ou USUÁRIO como CONSUMIDOR.

Leio em ATHOS GUSMÃO CARNEIRO:

“............................

18. Quando a ‘prestação de serviços’ é realizada a título não oneroso, a relação não será uma

relação de consumo, mas sim uma relação de direito civil ou comercial, não abrindo azo à incidência

das normas do Código de Defesa do Consumidor, as quais foram elaboradas com o propósito

precípuo de proteger o consumidor, normalmente hipossuficiente.

.............................” (37)
Citação que não concordo, porque temos hipóteses em que haja prestação de serviço sujeito ao Código de Defesa, mas que não se pagam tarifas. A tarifa é o elemento definidor a priori, mas não necessariamente.

Ele dizia o contrário, as prestações de serviços realizadas a título não oneroso, sem pagamento de tarifa, seriam tratadas pelo direito comum, e não pelo Código de Defesa.

37CARNEIRO, Athos Gusmão. Depósito bancário em caderneta de poupança. Não incidência do Código de Defesa do

Consumidor. Questão da legitimidade para a propositura de ação coletiva. In: Revista de direito bancário, do mercado de capitais e da arbitragem. Ano 3, janeiro-março de 2000. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, pág. 200;

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Eu não posso aceitar essa hipótese, porque entendo que a tarifa define, mas não é o objeto; é um elemento suficiente para definir a relação de consumo, a relação de prestação de serviço, mas não é o elemento necessário.

Há situações de prestações - inclusive na concorrência bancária, se estabelece a necessidade de vir o cliente depositar - estabelecendo políticas de prestação de serviços não tarifados, exatamente, por isso.

5.2. OS SERVIÇOS E ATIVIDADES BANCÁRIAS.

Diante dessa separação, cabe identificar quais relações são típicos SERVIÇOS BANCÁRIOS a caracterizar RELAÇÃO DE CONSUMO.

Por definição, são todas as relações que não envolvam empréstimos e créditos.

São os SERVIÇOS em que se cobra tarifa, direta ou indiretamente.

Ou indiretamente no sentido de estar incluído em tudo.

Em elenco não exaustivo, são SERVIÇOS com cobrança direta de tarifa:
(a) sustação de cheques;
(b) aluguel de cofres para custódia de valores ou objetos confidenciais;
(c) venda e utilização do cartão magnético, bem como sua substituição nos casos de roubo ou perda;
(d) devolução do cheque por insuficiência de fundos;
(e) inclusão ou exclusão de nome no SPC ou CCF;
(f) fornecimento de talonário de cheque e o valor cobrado por folha por mês;
(g) fornecimento de cópia do extrato bancário;
(h) cobrança de títulos de terceiros, por conta do cliente, quando inexiste garantia;
(i) venda de seguro;
(j) remessa de dinheiro ao exterior;
(k) administração de fundos ou de patrimônio;
(l) negócios em bolsa;
São exemplos de SERVIÇOS ou ATIVIDADES dos BANCOS pelos quais não se cobra tarifa, mas que estão submetidas ao CDC:
(a) atendimento ao cliente e ao usuário por telefone, via internet ou o auto-atendimento; (b) organização do atendimento pelos caixas na agência (tempo de espera na fila, números de funcionários para esse atendimento, etc);
Ou seja, a possibilidade de haver intervenção pelos órgãos de defesa do consumidor, em relação ao número de funcionários que se destinam ao atendimento aos clientes.

Acaba o banco destinando, para uma movimentação “x”, um funcionário que é absolutamente inviável. Isso está sujeito à intervenção do sistema.

(c) fornecimento de informações acerca da conta corrente e de eventuais investimentos; (d) acesso e restrição de acesso às agências bancárias, bem como o respeito ao atendimento prioritário em certas situações;
(e) cumprimento das propagandas anunciadas;
Ou seja, na hipótese de anunciar determinado tipo de serviço, o cumprimento desta nas obrigações, quando da prestação de serviço da propaganda, algo destinado porque é serviço.

(f) consulta em terminais;
Essas atividades são de natureza não-financeira.

Nelas o BANCO é meramente um PRESTADOR DE SERVIÇO.

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Enquadra-se na previsão do art. 3º do CDC.

Por isso, os USUÁRIOS ou CLIENTES envolvidos nesse tipo de SERVIÇO BANCÁRIO estão protegidos pelas garantias do CDC.

6. CONCLUSÃO.

Caminho para conclusão.

Certas atividades desenvolvidas pelos BANCOS - OPERAÇÕES BANCÁRIAS - não estão adstritas ao CDC.

São operações que se enquadram dentro do SFN e que são importantes componentes dos rumos da política econômica, de competência da Autoridade Monetária.

São operações reguladas pelas Autoridades Monetárias - CMN e o BACEN.

Nem por isso, entretanto, são relações desprovidas de proteção.

Os MUTUÁRIOS e POUPADORES estão protegidos por um sistema próprio.

Muito embora seja uma proteção que tenha como norte a própria estabilidade da moeda e a política de crescimento econômico, o aspecto subjetivo e individual também é resguardado.

Exemplo claro dessa proteção própria, exercida pelo BACEN, é a Resolução nº 2.878, de 26 de julho de 2001 (o chamado CÓDIGO DE DEFESA DO CLIENTE BANCÁRIO).

O CDC é uma legislação moderna e sua promulgação representou importante evolução no tratamento das relações de consumo no Brasil. Entretanto, o CDC tem objeto e sujeitos especiais que balizam sua aplicação.

É um erro o entendimento de que o CDC tem uma aplicação universal, como se todas as relações jurídicas estabelecidas tivessem a natureza de relações de consumo.

No início, quando, no Congresso Nacional, votávamos e discutíamos a elaboração do Código de Defesa do Consumidor, lembro-me, claramente, que havia uma corrente que queria uma espécie de formalização e entendia que era uma norma meta ordinária, ela estaria colocada em torno da lei complementar e permearia todas as atividades.

Lembro que o SUPREMO já reconheceu o exagero e a inconstitucionalidade de se ampliar, de forma desproporcional, a incidência do CDC ou a tratá-lo com dimensão de importância equiparável à própria Constituição.

O SUPREMO fez isso, por exemplo, quando fixou que as relações entre Poder Público e contribuinte tinham natureza tributária e não de consumo (38).

Insisto que o CDC é legislação que visa compensar desigualdades materiais fáticas, de maneira a equilibrar, social e economicamente, as partes envolvidas em uma RELAÇÃO DE CONSUMO.

Sua aplicação universal poderia, ao contrário, construir desigualdades inaceitáveis ou estabelecer nichos de privilégios em determinados setores econômicos.

Leio PAULO BROSSARD:

“............................

A lei de defesa do consumidor, como seu nome está a dizer, objetiva a proteção da pessoa que

busca a satisfação direta das suas necessidades, no que diz respeito à alimentação, vestuário,

habitação, transporte, luz, água, telefone, diversão, lazer ... mas não tem aplicação a todos os

38RE 195.056, CARLOS VELLOSO, DJ 30.5.2003;
RE 206.781, MARCO AURÉLIO, DJ 29.6.2001;
RE 248.191, CARLOS VELLOSO, DJ 25.10.2002;
AI 382.298 – Agr, GILMAR MENDES, DJ 28.5.2004.

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ADI 2.591 / DF

possíveis conflitos do convívio humano, nem autoriza uma operação global sobre todas as atividades

sociais, como não transforma o Ministério Público numa espécie de VISITADOR GERAL DO SANTO OFÍCIO.

.............................” (39)
Assim sendo, lembro-me que houve um caso, aqui, no Plenário, os Colegas estão lembrados, da fixação de uma contribuição social para efeito de pavimentação de um determinado Município, em que os membros da comunidade ajustaram com a prefeitura o pagamento dessa contribuição social, para efeito de viabilizar a pavimentação e urbanização da rua.

O Ministério Público do Paraná - se não me engano - fez sustentação oral dizendo da inconstitucionalidade daquela lei, da instituição daquela contribuição, mesmo contra o interesse dos próprios beneficiados. Aquele membro do Ministério Público estava, exatamente, assumindo essa postura, apenada por Brossard, de uma “espécie deVISITADOR GERAL DO SANTO OFÍCIO”.

Assim sendo, no campo do setor bancário, financeiro e securitário, o CDC tem também sua aplicação em SERVIÇOS DE NATUREZA NÃO-FINANCEIRA que exemplificativamente foram listados neste voto.

Acompanho VELLOSO, com referência final mais ampla. No entanto, creio que tal referência está contida no extraordinário voto de VELLOSO, posto que foi pronunciado ainda na vigência da redação original do art. 192, em especial seu então § 3º.

Daí, por que a posição assumida por PERTENCE, quando vencido na preliminar.

Julgo procedente, em parte, a ação.

Concluo com a linguagem de VELLOSO.

“Empresto ... à norma inscrita no § 2º do art. 3º da Lei 8.078/90 – ‘inclusive as de natureza

bancária, financeira, de crédito e securitária’ – interpretação conforme à Constituição, para dela

afastar a exegese que nela inclua” as OPERAÇÕES BANCÁRIAS.”

É importante que o Tribunal tenha uma clara definição disso, por uma razão simples: a lei complementar, a alteração constitucional - e aqui o Ministro Marco Aurélio, digamos, “en passant” do tema -, lembrem-se que o art. 192 atribuía regular “em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre”; e, aí, havia, na redação original, uma série de incisos que davam o norte do conteúdo da Lei do Sistema Financeiro Nacional. Este norte desapareceu, e ficou uma linguagem aberta, porque, de uns tempos para cá, legislamos através de linguagens retóricas, inclusive.

Diz na redação final:

“Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento

equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade,” – normalmente isso poderia estar numa

exposição de motivos, era o lugar próprio – “em todas as partes que o compõem, abrangendo as

cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a

participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.”

Essa regra tem um perigo muito grave, porque se está atribuindo à lei complementar legislar sobre sistema financeiro, o que significaria, em tese, e em princípio poderia significar, e que nós não poderemos aceitar que o legislador complementar possa dispor sobre o universo, um código de operações que pudesse absorver, inclusive, os serviços bancários.

39 BROSSARD, Paulo. Defesa do consumidor – atividade do Ministério Público – Incursão em operações bancárias e quebra de sigilo – Impossibilidade de interferência. In: Revista dos Tribunais, ano 84, agosto de 1995, vol. 718, pág. 89;

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Então, com isso concluo.
*****

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22/02/2006 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO FEDERAL

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Senhor Presidente, apenas para refletir em voz alta.

Antes do ajuizamento da ação, o artigo 192 da Constituição Federal era composto pela cabeça do próprio artigo e incisos. Agora, subsiste somente a cabeça, a revelar que:

Art. 192. O Sistema Financeiro Nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.

Ora, prevalece algum conteúdo quanto à ação ajuizada?

Tenho sustentado que, tanto quanto possível, o Supremo deve
homenagear o macroprocesso, o processo mediante o qual se afastam do cenário jurídico incertezas, dúvidas, e evita-se, com o
pronunciamento a tempo do Supremo, o surgimento de ações, de
conflitos de interesses que abalam - e a jurisdição objetiva
justamente restabelecer esse valor maior – a paz social.

A meu ver, tal como lançado por Vossa Excelência, subsiste matéria a ser apreciada, no âmbito do processo objetivo, presente o controle concentrado de constitucionalidade.

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

Há, de um lado, a óptica segundo a qual apenas a lei complementar mencionada no artigo 192 em questão deve disciplinar tudo que diga respeito ao Sistema Financeiro Nacional, os diversos desmembramentos decorrentes dele próprio; e, de outro, a visão contida em reiterados pronunciamentos do Judiciário sobre a
adequação à espécie, considerados os serviços prestados, do Código do Consumidor.

Diante do quadro, concluo que não está prejudicada a ação direta de inconstitucionalidade.

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V O T O

(SOBRE PRELIMINAR DE PREJUDICIALIDADE)

O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA: Senhor Presidente, a caracterização das operações financeiras também como operações de fornecimento e consumo tinha por fundamento principal os arts. 170 e 192 da Constituição, que demarcavam a matéria relativa à ordem econômica e à ordem financeira.

Na antiga redação, o art. 192 trazia alguns elementos que permitiam reduzir a vagueza do campo de competência para
estruturação do sistema financeiro nacional. Por exemplo, a
disciplina do sistema financeiro nacional incluía a “autorização para o funcionamento das instituições financeiras, assegurado às instituições bancárias oficiais e privadas acesso a todos os
instrumentos do mercado financeiro bancário, sendo vedada a essas instituições a participação em atividades não previstas na
autorização de que trata este inciso” (art. 192, I).

A modificação do art. 192 promovida pela Emenda Constitucional 40/2003 resultou na remoção de elementos que permitiam caracterizar o âmbito das normas do sistema financeiro

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nacional, limitando-se à definição da lei complementar como instrumento para dispor sobre o assunto, “de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem”.

A alteração constitucional aumentou, portanto, o grau de vagueza do campo de competência relativo ao sistema financeiro nacional.

A EC 40/2003, contudo, não aglutinou a competência para instituição de regras de controle e monitoramento das operações financeiras à competência para dispor sobre o próprio sistema

financeiro

nacional.

As

operações

financeiras

continuam

a

representar operações em que há fornecimento oneroso, com intuito lucrativo, de uma prestação. Como operação econômica, a operação financeira também se submete aos mecanismos de defesa do consumidor, sem prejuízo da aplicação de normas específicas relativas ao aspecto financeiro da operação.

Mantida a distinção, não excludente, entre a matéria constitucional própria das relações de consumo e a matéria relativa ao sistema financeiro nacional, dado que uma mesma operação pode

ostentar

ambas

as

características,

permanece

o

parâmetro

constitucional de julgamento, que se resume à inclusão ou não da proteção da relação de consumo em operações financeiras no campo do sistema financeiro nacional.

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

Não há, portanto, perda do interesse processual ou do objeto da presente ação direta de inconstitucionalidade em razão da superveniência da EC 40/2003.

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V O T O

(S/PRELIMINAR DE PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO)

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Senhor Presidente, a mim, ao contrário, o que Vossa Excelência chama de enxugamento do artigo 192 da Constituição, parece-me que a EC 40 alterou substantivamente o parâmetro constitucional desta ação direta.

Basta considerar aqui o voto anterior do eminente Relator, o Ministro Carlos Velloso, quando exclui não, as operações bancárias, em geral, âmbito de proteção do Código do Consumidor:

dela

exclui

a

fixação

de

juros,

com

base

na

previsão

constitucional então vigente do limite de 12% para os juros reais que, na ADI nº 4, se considerou norma de eficácia limitada, a depender de complementação por lei complementar.

Creio que a subtração desta malsinada previsão
constitucional de juros altera substancialmente o parâmetro e não permite a continuidade do julgamento.

Por isso, com as vênias dos eminentes Colegas, dou por prejudicada a ação direta.

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Nc.

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O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Ministro Pertence, a questão dos juros não seria um aspecto envolvido na espécie - e não haveria, na verdade, o confronto, considerada a regência do grande todo, o Sistema Financeiro Nacional, pela lei complementar - ou parte da própria atividade desenvolvida?

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Creio que não.

Parto, mesmo, das acerbas críticas que se dirigiram a este § 3º no sentido de que era uma insanidade prever-se, na estrutura global do Sistema Financeiro, um limite à fixação de juros.

Não era necessariamente, para a maior parte dos comentadores, não deveria ser componente desta regulação geral do Sistema Financeiro Nacional.

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O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Senhor Presidente, tenderia a acompanhar a divergência caso realmente houvesse
vinculação maior à causa de pedir. Mesmo assim, constato que a inicial apresentada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro versa também sobre o que seria o conflito do Código do Consumidor com a própria cabeça do artigo 192 da Constituição Federal. Continuo convencido de que a problemática dos juros era um dos aspectos – podemos dizer assim - envolvidos na espécie.

Por isso, mantenho o voto, admitindo o macroprocesso.

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DEBATE

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – O Ministro Sepúlveda Pertence lembrava, numa das primeiras discussões sobre o tema, que isso seria - numa linguagem bem simples - propaganda enganosa.

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE) – Ou tentativa.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Ou pelo menos tentativa, que não poderia ficar à margem da proteção do Código.

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE) – É lógico, está dentro do critério de proteção.

Isso está fora da atividade do Banco Central, agora, não a exclui. Não quer dizer que o Banco Central não possa concorrentemente, também, operar nessa área. Mas o fato é que não pode a atividade do Banco Central eventualmente existente nesse setor, através de suas resoluções, de ordens de serviço, etc., excluir a intervenção dos órgãos de proteção do consumidor, a atividade seria concorrente, mas não excludente.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Tive ciência da intervenção do Ministro Sepúlveda Pertence, não estava de corpo presente, aqui, não era Ministro da Casa, por intermédio das notas taquigráficas.

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DEBATE

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE) - Vamos admitir que, dentro desse conflito existente, o legislador fixe na lei complementar do sistema financeiro e atribua ao Banco Central as funções de proteção ao consumidor nos serviços bancários. Perguntaria: isso é da competência do sistema financeiro?

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Já se sustentou a sério, neste Tribunal, que exigência de sanitário em agência bancária é “sistema financeiro”.

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE) – É lógico. Ou fazer aquele nosso exemplo clássico não de banco, mas que era extraordinário do Gallotti, quando dizia que as regras de progressão ou de avanço de progressão funcional poderiam levar, aqui, o barbeiro do necrotério a se transformar em médico legista.

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TRIBUNAL PLENO

EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO FEDERAL

RELATOR ORIGINÁRIO : MIN. CARLOS VELLOSO RELATOR PARA O : MIN. EROS GRAU
ACÓRDÃO

REQUERENTE

: CONFEDERAÇÃO

NACIONAL

DO

SISTEMA

FINANCEIRO - CONSIF
ADVOGADOS : IVES GANDRA S. MARTINS E OUTROS REQUERIDO : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
REQUERIDO : CONGRESSO NACIONAL

Decisão : Após o voto do Senhor Ministro Carlos Velloso, Relator, emprestando ao § 2º do artigo 3º da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, interpretação conforme a Carta da República, para excluir da incidência a taxa dos juros reais nas operações bancárias, ou a sua fixação em 12% (doze por cento) ao ano, e do voto do Senhor Ministro Néri da Silveira, julgando improcedente o pedido formulado na inicial, solicitou vista o Senhor Ministro Nelson Jobim. Falaram, pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF, o Professor Ives Gandra da Silva Martins, e, pela Advocacia-Geral da União, o Dr. Walter do Carmo Barletta.

Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Plenário, 17.4.2002.

Decisão: Renovado o pedido de vista do Senhor Ministro Nelson Jobim, justificadamente, nos termos do § 1º do artigo 1º da Resolução nº 278, de 15 de dezembro de 2003.

Presidência

do

Senhor

Ministro

Maurício

Corrêa.

Plenário,

28.04.2004.

Decisão:

Preliminarmente,

o

Tribunal,

por

unanimidade, indeferiu o requerimento do IDEC-Instituto Brasileiro

de

Defesa

do

Consumidor.

Ausente,

justificadamente,

nesta

preliminar, o Senhor Ministro Celso de Mello. O Tribunal, por maioria, entendeu não estar prejudicada a ação, vencidos os Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Eros Grau e Carlos Britto. Após o voto do Senhor Ministro Nelson Jobim (Presidente), que acompanhava o voto do relator pela procedência parcial da ação, para dar interpretação conforme a Constituição, e do voto do Senhor Ministro Néri da

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ADI 2.591 / DF

Silveira, que a julgava improcedente, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Eros Grau. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Plenário, 22.02.2006.

Presidência

do

Senhor

Ministro

Nelson

Jobim.

Presentes à sessão os Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau.

Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza.

Luiz Tomimatsu
Secretário

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04/05/2006 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO FEDERAL

VOTO-VISTA

O SENHOR MINISTROEros Grau: Tentarei ser objetivo.

Quanto à ofensa --- na expressão “inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária”, do § 2º do art. 3º do CDC --- ao “princípio da razoabilidade”, anoto desde logo que ela, tal qual a proporcionalidade, não constitui um princípio. Como observei em outra oportunidade1, uma e outra, razoabilidade e proporcionalidade, são postulados normativos da interpretação/aplicação do direito --- um novo nome dado aos velhos cânones da interpretação, que a nova hermenêutica despreza --- e não princípios.

E assim é ainda que a nossa doutrina e certa
jurisprudência pretendam aplicá-los, como se princípios fossem, a casos concretos, de modo a atribuir ao Poder Judiciário capacidade de "corrigir" o legislador. Isso me parece inteiramente equivocado, mesmo porque importa desataviada afronta ao princípio --- este sim, princípio --- da harmonia e equilíbrio entre os Poderes. De modo que não se sustenta a tentativa, da requerente da ADI, de inovar texto normativo [o Código de Defesa do Consumidor] no âmbito do
Judiciário, pretendendo que este atue usurpando competência
legislativa. O que se admite, unicamente, é a aplicação, pelo
Judiciário, da razoabilidade como instrumento de eqüidade. Mas isso não no momento da produção da norma jurídica, porém no instante da norma de decisão2.

1 Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito, 3ª edição, Malheiros Editores, São Paulo, 2.005, págs. 183 e ss.

2 Vide meu O direito posto e o direito pressuposto, 6ª edição, Malheiros Editores, São Paulo, págs. 280 e ss.

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ADI 2.591 / DF

2. Não há dúvida, de outra parte, quanto à circunstância de a exigência de lei complementar veiculada pelo artigo 192 da Constituição abranger apenas o quanto respeite à regulamentação --- permito-me exorcizar o vocábulo “regulação”, em razão do tanto de ambigüidade que enseja --- regulamentação, dizia, da estrutura do sistema. O sistema haveria de estar a serviço da promoção do desenvolvimento equilibrado do País e dos interesses da coletividade --- diz o preceito --- e, para tanto, a Constituição impõe sua regulamentação por lei complementar. Mas apenas isso. Os encargos e

obrigações

impostos

pelo

Código

de

Defesa

do

Consumidor

às

instituições financeiras, atinentes à prestação de seus serviços a clientes --- isto é, atinentes à exploração das atividades dos agentes econômicos que a integram, todas elas, operações bancárias e serviços bancários, na dicção do Ministro Nelson Jobim --- esses encargos e obrigações poderiam perfeitamente, como o foram, ser definidos por lei ordinária.

Neste ponto permito-me ainda discordar do que se afirmou anteriormente, na observação de que o texto do artigo 192 incorpora expressão que deveria constar da exposição de motivos da lei. A mim parece incompreensível possa alguém negar força normativa a esta autêntica norma-objetivo3 consagrada no texto constitucional, que estabelece os fins a serem perseguidos pelo sistema financeiro nacional, a promoção do desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos interesses da coletividade.

3. Parece-me oportuno, de outra banda, considerarmos argumento desenvolvido em memorial, segundo o qual a lei especial, como tal entendida, no caso, uma resolução do Conselho Monetário

3 Vide meu Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito, cit., págs. 128 e ss.

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ADI 2.591 / DF

Nacional, afastaria a aplicação da lei geral, vale dizer, do Código de Defesa do Consumidor.

O artigo 4º, inciso VIII, da Lei n. 4.595/64 estabelece que compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República (redação da Lei n. 6.045/74), “[r]egular a constituição, funcionamento e fiscalização dos que exercerem atividades subordinadas a esta lei, bem como a aplicação das penalidades previstas”.

O vulgo, quem não é versado nos meandros do direito supõe, equivocadamente, que é o Banco Central quem dispõe sobre esta matéria. Não é assim, contudo. O titular do exercício da chamada capacidade normativa de conjuntura4 é o Conselho Monetário Nacional. O Banco Central limita-se a dar publicidade às deliberações do colegiado.

A questão a considerar respeita à determinação do significado, no contexto do preceito --- isto é, no mencionado artigo 4º, inciso VIII --- do vocábulo funcionamento. É unicamente sobre esta matéria que o Conselho Monetário Nacional está autorizado a dispor texto normativo.

Os que exercem atividades subordinadas à Lei n. 4.595/64 são as instituições financeiras. Logo, é do funcionamento das instituições financeiras que se trata. Podemos, portanto, dizer: desempenho de suas atividades pelas instituições financeiras. O Conselho Monetário Nacional regula o desempenho de suas atividades pelas instituições financeiras. O vocábulo funcionamento é, porém, mais forte, na medida em que expressivo da circunstância de as instituições cumprirem uma função no quadro do sistema financeiro nacional.

4 Vide meu O direito posto e o direito pressuposto, cit., págs. 231-233.

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O vocábulo tem a virtude de tornar bem explícito o fato de a lei ter estabelecido que para funcionar, para desempenhar a atividade de intermediação financeira, a empresa deverá cumprir o que determina o Conselho Monetário Nacional no que concerne a sua adequação a esse desempenho. Vale dizer, quanto ao nível de
capitalização, à solidez patrimonial, aos negócios que poderá
realizar [por exemplo, câmbio, captação de depósitos à vista, etc.], à sua constituição de conformidade com as regras legais [lei das sociedades anônimas, com todas as suas implicações]. Entrando em funcionamento, a instituição financeira, mercê da autorização que para tanto recebeu, pode exercer determinadas atividades, v.g., captar depósitos à vista, pagar benefícios previdenciários, captar poupança, receber tributos. Essas atividades deverão ser, no
entanto, desempenhadas no quadro das determinações dispostas pelo órgão normativo [v.g., tipos de operações permitidas ou vedadas; volumes a serem aplicados nessa ou naquela modalidade de crédito; posições cambiais (níveis) a serem cumpridas e negócios dessa
natureza que podem ou não ser contratados]. Digo mais: esse
exercício há de ser empreendido de modo que a empresa --- isto é, a instituição financeira --- funcione em coerência com certas
diretrizes de políticas públicas, suas prerrogativas sendo exercidas conforme definições, estruturais e conjunturais, que as delimitam [v.g., recolhimentos compulsórios, encaixe obrigatório].

Vê-se bem, destarte, que a função das instituições financeiras é sistêmica, vale dizer, respeita ao seu desempenho no plano do sistema financeiro. Ainda em outros termos, essa função somente pode ser cumprida no plano do sistema financeiro.

Ora, o Conselho Monetário Nacional é competente apenas para regular --- além da sua constituição e da sua fiscalização --- o funcionamento das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano do sistema financeiro. Tudo quanto

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ADI 2.591 / DF

exceda esse desempenho não pode ser objeto de regulação por ato normativo produzido pelo Conselho Monetário Nacional.

Por isso as resoluções que dispõem sobre a proteção do consumidor dos serviços prestados pelas instituições financeiras --- resolução n. 2.878, de 26 de julho, alterada pela de n. 2.892, de 27 de setembro, ambas de 2.001 --- são francamente ilegais. Como essa é matéria que excede o funcionamento das instituições financeiras, é inadmissível afirmar-se que suas disposições obrigam em virtude de lei5, eis que o artigo 4º, inciso VIII, da Lei n. 4.595/64 não autoriza ao Conselho Monetário Nacional o exercício de capacidade normativa de conjuntura em relação a ela. Permitam-me insistir neste ponto: a expedição de atos normativos pelo Banco Central, quando não respeitem ao funcionamento das instituições financeiras, é abusiva, consubstancia afronta desmedida à legalidade.

Francamente ilegais as resoluções, o argumento segundo o qual a resolução n. 2.878 excluiria a aplicação do Código de
Proteção do Consumidor porque a lei especial afasta a geral --- argumento de que se lança mão em memorial, com expressa alusão a um voto meu nos autos do RE n. 351.750 --- francamente ilegais as resoluções, dizia, o argumento perece.

4. Também não resta dúvida no que tange à caracterização do cliente de instituição financeira como consumidor, para os fins do artigo 170 da Constituição do Brasil. A relação entre banco e

cliente

é,

nitidamente,

uma

relação

de

consumo,

protegida

constitucionalmente [arts. 3º, XXXII e 170, V, da CB/88].

Como observei também em outra oportunidade6, o Código define “consumidor”, “fornecedor”, “produto” e “serviço”. Entende-se

5 Vide meus votos nas ADI’s 3.090 e 3.100 e meu O direito posto e o direito pressuposto, cit., págs. 244 e segs.

6 Definição legal de consumidor, in Repertório IOB de jurisprudência, 2ª quinzena de janeiro de 1.991, n. 2/91, pág. 42.

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como “consumidor”, como “fornecedor”, como “produto” e como
“serviço”, para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, o que descrito está no seu art. 2º e no seu art. 3º e §§ 1º e 2º.

Inútil, diante disso, qualquer esforço retórico
desenvolvido com base no senso comum ou em disciplinas científicas para negar os enunciados desses preceitos normativos. Não importa seja possível comprovar, por a + b, que tal ente ou entidade não pode ser entendido, economicamente, como consumidor ou fornecedor. O jurista, o profissional do direito não perde tempo em cogitações como tais. Diante da definição legal, força é acatá-la. Cuide apenas de pesquisar os significados dos vocábulos e expressões que compõem a definição e de apurar da sua coerência com o ordenamento
constitucional.

O art. 2º do Código diz que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. E o § 2º do art. 3º define como serviço
“qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. Assim temos que, para os efeitos do Código do
Consumidor, é “consumidor”, inquestionavelmente, toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade
bancária, financeira e de crédito. Isso não apenas me parece, como efetivamente é, inquestionável. Por certo que as instituições financeiras estão, todas elas, sujeitas ao cumprimento das normas estatuídas pelo Código de Defesa do Consumidor.

5. É certo, no entanto, que o § 2º do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor há de ser interpretado em coerência com a Constituição. Para tanto se impõe sejam excluídas da abrangência por seus efeitos determinação do custo das operações ativas e da

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remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia.

A respeito dessa matéria deve dispor o Poder Executivo, a quem incumbe fiscalizar as operações de natureza financeira, o que envolve a fixação da taxa base de juros praticável no mercado financeiro.

A fixação dessa taxa não pode ser operada senão desde a perspectiva macroeconômica. Basta a menção, por exemplo, ao poder de multiplicação de moeda circulante em moeda escritural, que os bancos exercem de modo a receber a título de juros, pelo mesmo dinheiro materialmente considerado, em certos casos mais de três vezes o valor da taxa praticada. O volume de moeda adicional "criado" pelo banco corresponde a moeda escritural, isto é, a moeda bancária--- moeda que, na dicção de Eugênio Gudin7, "só se concretiza nos livros dos bancos, através de algarismos que passam de um a outro livro ou de uma a outra coluna. Esses algarismos são animados pela vontade das partes mas não saem dos estabelecimentos de crédito, onde
nascem, circulam e desaparecem".

6. Vou me deter um instante neste ponto, procurando
desvendar essa poderosa capacidade de criação de riqueza abstrata de que os bancos desfrutam.

Quando um banco concede empréstimo a alguém, utiliza-se, para tanto, de moeda que recebeu de seus depositantes. Assim, admitindo-se que o banco A tivesse recebido um volume total de depósitos igual a 100, alguém poderia supor que esse banco [o banco A] estivesse capacitado a contratar empréstimos, com B, C e D, no valor total de 100.

7 Princípios de Economia Monetária, 1º vol., 7ª ed., Agir, Rio de Janeiro, 1.970, pág. 51.

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Essa suposição é, todavia, equivocada. E isso porque, a qualquer momento, um ou mais titulares de depósitos à vista no banco A poderão emitir cheques contra o banco depositário. Logo, é
evidente que, se não o valor 100, ao menos uma parcela desse valor haverá de ser mantida em poder do banco A, a fim de que possa ele, tão logo sacados esses cheques, pagá-los. Essa parcela do valor 100, mantida em caixapelo banco A, é chamada deencaixe (encaixe
bancário).

Evidente que, se supusermos que aqueles depositantes que sacam valores de seus próprios depósitos o fazem para manter consigo os valores sacados, a parcela de encaixe do banco A será
extremamente elevada, em termos percentuais. O quanto restaria para ser emprestado a B, C e D seria praticamente irrelevante.

7. Sucede, contudo, em primeiro lugar, que os depositantes no banco A, quando sacam cheques contra o banco depositário, fazem-no, na maioria das vezes, para liquidar obrigações perante
terceiros. E esses terceiros, naturalmente, depositam os cheques que receberam em um banco. Suponha-se somente existisse em determinada localidade o banco A: os credores que receberam cheques sacados contra o banco A irão depositá-los no banco A.

Em segundo lugar, ocorre que B, C e D --- tomadores de crédito junto ao banco A --- lançam mão desse crédito para efetuar pagamentos a terceiros, que, por sua vez, depositam os valores recebidos de B, C e D nesse mesmo banco A.

Assim, é evidente que, ao contrário do que anteriormente se supôs, a parcela de encaixe do banco A, aplicada sobre o volume nominal dos depósitos, não será necessariamente elevada, em termos percentuais.

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Resumindo: encaixe bancário é a parcela de moeda que o banco A mantém em seu poder para atender a eventuais quedas no volume total dos seus depósitos à vista.

8. Isto posto, teremos que, nas circunstâncias acima consideradas, o encaixe do banco A poderá ser igual,
exemplificativamente, a 20% do volume total dos depósitos à vista que tiver recebido.

Naquelas circunstâncias --- supondo-se existisse somente o banco A em determinada localidade e que nenhum dos titulares de depósito à vista nele tivesse sacado valores, contra esses
depósitos, para mantê-los entesourados consigo, debaixo do colchão --- teremos que:

[i] - originariamente foram depositados 100 no banco A; [ii] - o banco A emprestou 80 a B, C e D;
[iii] - os terceiros, que receberam pagamentos de B, C e D, depositaram esses 80 no banco A;
[iv] – o banco A conservou 20% [= encaixe] desses 80,
emprestando 64 a E, F e G;
[v] – os terceiros, que receberam pagamentos de E, F e G, depositaram esses 64 no banco A;
[vi] - o banco A conservou 20% [= encaixe] desses 64,
emprestando, em números redondos, 51 a H, I e J;
[vii] - os terceiros, que receberam pagamentos de H, I e J, depositaram esses 51 no banco A;
[viii] - o banco A conservou 20% [= encaixe] desses 51, emprestando, em números redondos, 40 a K, L e M;
[ix] - os terceiros, que receberam pagamentos de K, L e M, depositaram esses 40 no banco A.

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ADI 2.591 / DF

O banco A, assim, a partir dos 100 recebidos em moeda circulante de seus originários depositantes, terá emprestado 235, multiplicando por mais do que dois aquela quantidade de moeda
circulante; terá 335 em depósito, recebidos de seus originários depositantes e dos terceiros que receberam pagamentos de B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L e M.

Eis como o banco A, a partir dos 100 que recebeu de seus originários depositantes em moeda circulante, pode "criar" um volume de moeda adicional no valor de 235.

9. O fato de, em verdade, não ser o banco A o único existente, ainda que em uma determinada localidade ideal, em nada altera a exposição até esse ponto produzida.

E assim é porque, ainda que alguns dos terceiros que receberam pagamentos de B a M e dos originários titulares de depó-sitos à vista no banco A não sejam clientes do banco A --- mas sim do banco X e do banco Y --- B e todos os demais, até M, e aqueles originários titulares de depósitos à vista no banco A em determinado momento receberão pagamentos em cheques sacados contra os bancos X e Y e os depositarão no banco A. A compensação entre créditos e
débitos recíprocos é então feita nas chamadas câmaras de
compensação.

10. Essa monumental multiplicação de moeda produzida pelos bancos sempre gera efeitos sensíveis, mas extremamente exacerbados, extremamente exacerbados quando a taxa de juros é elevada, como ocorre entre nós. Altas taxas de juros incidindo sobre uma base de depósitos inúmeras vezes multiplicada --- para ficar somente no tema dos juros, sem avançar para o das tarifas --- vale dizer,
multiplicação de moeda a taxas elevadíssimas, isso é que explica o mais do que monumental lucro dos bancos, cujos montantes, por uma

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ADI 2.591 / DF

notável coincidência, foram divulgados pela imprensa no dia seguinte à sessão plenária, desta Corte, na qual votou o Ministro Nelson Jobim, 22 de fevereiro passado. Um deles lucrou cinco bilhões e meio em 2.005.

A circunstância de a taxa de juros ao consumidor ser muito elevada entre nós explica apenas parcialmente esse lucro que causa espanto. No anexo ao voto do Ministro Nelson Jobim lê-se que essa taxa --- “taxa de juros ao consumidor” [repito: “ao
consumidor”!] –-- em 2.005 era de 56,85% ao ano.

Na verdade, porém, o sistema bancário, no seu conjunto, recebe muito mais do que esses 56,85% ao ano pelo crédito que concede, visto que, mercê do expediente da criação de moeda escritural, empresta mais de uma vez o mesmo dinheiro que recebeu de seus depositantes. No exemplo de que há pouco me vali, 100 recebidos em depósito a vista são transformados em 235, o que elevaria os juros percebidos pelo banco A de 56,85% a 133,59% ao ano. E, notem bem, meu exemplo é discreto, eis que em certos casos a quantidade de depósitos chega a ser multiplicada por três, o que elevaria a taxa de juros ao consumidor a mais de 170% ao ano.

11. Ora, essa poderosa capacidade de criação de riqueza abstrata não pode ficar sujeita a administração desde a perspectiva das relações microeconômicas, sob pena de comprometimento dos objetivos que o artigo 192 da Constituição visa a realizar, o desenvolvimento equilibrado do País e a satisfação do interesse da coletividade.

Importa, no entanto, também considerarmos o descompasso existente entre a taxa de juros SELIC e as taxas efetivamente
impostas pelos bancos a seus clientes. Taxa de juros SELIC é a “taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados no Sistema

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ADI 2.591 / DF

Especial de Liquidação e Custódia (SELIC), para títulos federais”8. É denominada básica para o mercado9 por ser aquela que o Estado,
devedor peculiar, paga por seu endividamento e ao mesmo tempo
sinaliza a política monetária implementada pelo Banco Central. Pois bem, a taxa de juros SELIC resulta amplamente ultrapassada nas contratações de créditos concedidos pelos bancos a todos os seus clientes, consumidores ou empresas, pessoas físicas ou jurídicas, precisamente aquelas contratações que operam a multiplicação de moeda e sua transformação em moeda escritural.

Deveras, a mera e simples comparação entre o montante da chamada taxa SELIC --- que, sem nenhuma dúvida, é bastante elevada, se a considerarmos em relação à praticada em outros países --- e a soma da efetivamente cobrada no plano de cada negócio
individualmente considerado celebrado com os tomadores de crédito evidencia ser indispensável o efetivo controle da composição dessa soma. E não apenas nas hipóteses de relação entre banco, fornecedor de crédito, e cliente, pessoa física, senão também quando se trate de pequena ou média empresa. Pois aqui se instala --- e de modo pronunciado --- uma relação de dominação, em cujo pólo ativo
comparecem os bancos, no pólo passivo, suportando-a, o devedor. Em certos casos, autênticas situações de dependência econômica.

O cliente do banco coloca-se sob os efeitos de uma relação de dominação, inclusive a que o abarca quando compelido a depositar em uma instituição financeira suas poupanças. Desejo dizer, com isso, que o Banco Central está vinculado pelo dever-poder

8 Cf. a Circular 2.900/99, do Banco Central.

9 Diz o artigo 13 da Lei n. 9.065/95: “A partir de 1º de abril de 1995, os juros de que tratam a alínea c do parágrafo único do art. 14 da Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994, com a redação dada pelo art. 6º da Lei nº 8.850, de 28 de janeiro de 1994, e pelo art. 90 da Lei nº 8.981, de 1995, o art. 84, inciso I, e o art. 91, parágrafo único, alínea a.2, da Lei nº 8.981, de 1995, serão

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ADI 2.591 / DF

de controlar vigorosamente a definição contratual do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia.

Daí porque tenho como indispensável a coibição de abusos praticados quando instituições financeiras acrescentam à taxa base de juros, a chamada taxa SELIC, taxas adicionais de serviços e outros que tais. Vale dizer: tudo quanto exceda a taxa base de juros, os percentuais que a ela são adicionados e findam por compor o spread bancário, tudo isso pode e deve ser controlado pelo Banco Central e, se o caso, pelo Poder Judiciário. Não incide, contudo, sobre esta matéria --- repito: definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por
instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia --- não incide, dizia eu, o micro sistema do Código de Defesa do Consumidor, mas sim o Código Civil. O fato é que tudo quanto exceda o patamar da taxa SELIC é pura relação contratual. Por óbvio, a abusividade e a onerosidade excessiva na composição
contratual dessa taxa, além de outras distorções, são passíveis de revisão nos termos dos preceitos aplicáveis do Código Civil --- e, repito ainda, não somente em benefício do cliente pessoa física, mas também em especial das pequenas empresas, em relação às quais a dependência econômica pode estar francamente caracterizada. É
necessário não perdermos de vista o poder do oligopólio constituído pelas instituições financeiras, capazes de, na multiplicação de moeda circulante em moeda escritural, produzir bem público. O que acima demonstrei, explicando os mecanismos de criação de moeda escritural e como estão constituídos os lucros das instituições financeiras, é impressionante.

equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente”.

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ADI 2.591 / DF

12. Não acompanho o voto do eminente Ministro Nelson Jobim, que faz distinção entre “operações bancárias” e “serviços
bancários”, para excluir plenamente da incidência da norma veiculada pelo § 2º do artigo 3º da Lei n. 8.078/90 as primeiras, o que, em rigor, equivale a dar-se procedência à ação direta. Com efeito, afastadas as “operações bancárias”, o Código de Defesa do Consumidor incidiria unicamente, na dicção do Ministro Nelson Jobim, sobre serviços autônomos prestados pelo banco, tal como outro prestador qualquer, recebendo remuneração específica por esse serviço
[custódia de valores, caixa de segurança, cobrança de títulos, remessas financeiras, compra e venda de títulos e outras desse estilo]. Por outro lado, afirmar que os clientes bancários das operações bancárias estariam submetidos a sistema próprio de
proteção é dizer que não estão protegidos, visto que as resoluções n. 2.878 e n. 2.892/2001 afrontam escancaradamente o princípio da legalidade. A proteção dos clientes bancários nas operações
bancárias não é matéria atinente ao funcionamento das instituições financeiras. Essas resoluções são despidas de significação
normativa, são --- para lembrar Fernando Pessoa --- são papel
escrito com tinta, onde está indistinta a diferença entre nada e coisa nenhuma.

Sendo assim, julgo parcialmente procedente a ADI, de modo porém diverso do que o fez o Ministro Carlos Velloso, para o fim exclusivo de afastar a exegese que submeta às normas da Lei n. 8.078/90 --- Código de Defesa do Consumidor --- a definição do custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas
praticadas por instituições financeiras no desempenho da
intermediação de dinheiro na economia. Isso sem prejuízo do
controle, pelo Banco Central, e do controle e revisão pelo Poder

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ADI 2.591 / DF

Judiciário, nos termos do disposto no Código Civil, de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual da taxa de juros, no que tange ao quanto exceda a taxa base.

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04/05/2006 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO FEDERAL

À revisão de apartes dos Senhores Ministros SEPÚLVEDA PERTENCE, CARLOS BRITTO, EROS GRAU, MARCO AURÉLIO e CELSO DE MELLO.

V O T O

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Ministro Eros

Grau, gostaria que Vossa Excelência explicasse, com a clareza

didática de que hoje está possuído, a exata diferença entre o seu

voto e a do Ministro Carlos Velloso, para que nós, leigos, possamos

acompanhar.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO – Eu iria fazer essa

pergunta, exatamente.

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU – No voto do Ministro

Carlos Velloso há uma diferença de nuance apenas. No sentido prático

vai dar o mesmo resultado.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Porque ele

limitava o problema à taxa de juros.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO - Deixava do lado de

fora do Código de Defesa do Consumidor a taxa de juros.

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU – Estou fazendo a mesma coisa.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Àquela época era expresso que isso era matéria reservada à lei complementar.

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU – A situação era diferente na época, porque não tinha havido emenda e tudo o mais.

Há duas coisas que pretendi precisar aqui: estou afastando qualquer exegese que submeta ao Código do Consumidor; e referindo-me à definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas. Esse ponto não ficou claro.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Vossa Excelência me permite. O Código, em si, não disciplina a definição dos custos e da remuneração.

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU – É verdade. Por isso estou afastando a exegese. É essa a nuance.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Não pareceria que o Ministro EROS GRAU estaria, no fundo, julgando improcedente a ação direta?

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – No sentido do voto do ministro Néri da Silveira.

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: No sentido do voto do Ministro NÉRI DA SILVEIRA, que a julgou improcedente. O Ministro CARLOS VELLOSO, por sua vez, julgou-a parcialmente procedente, para, sem redução de texto, excluir, do âmbito de incidência normativa do Código de Defesa do Consumidor, apenas a questão pertinente aos juros.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Porque a Constituição remetia a lei complementar.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Porque, naquela época, isso era matéria de reserva explícita à lei complementar; mas o parâmetro mudou. Tudo se resume, hoje, ao que Vossa Excelência, Ministro Eros Grau, chamou de norma-objetivo, do atual artigo 192.

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU – Exatamente, é só a norma-objetivo.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Por isso, tenho a impressão de que os fundamentos do voto do Ministro EROS GRAU só podem conduzir, quanto à parte dispositiva, à improcedência integral da ação.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – A fundamentação deixaria claro, e não se poderia acrescer à legislação ordinária do

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

consumidor o problema de fixação dos custos das operações bancárias. Mas, hoje, não existe essa fixação no CDC.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO – Sem nenhuma

interpretação conforme.

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU – É verdade.

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU – O efeito prático é

exatamente esse.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Porque temos hoje um dado positivo: é o Código de Defesa do Consumidor em vigor; e são aquelas normas positivas postas que constituem o objeto normativo do dispositivo impugnado.

Agora, é claro que a fundamentação do seu voto deixa magnificamente claro que não se pode aditar ao Código de Defesa do Consumidor uma lei de taxas de juros ou de custos de operações bancárias, porque isso é necessariamente envolvido na política macroeconômica.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Então, esperemos que

o legislador venha a atuar em tal sentido, para exercermos a glosa.

Por enquanto não se tem, no Código do Consumidor, qualquer

disciplina.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Quando o artigo diz que inclui o serviço bancário, é para os efeitos das normas existentes no próprio Código.

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU – Estamos deixando bem claro que essa matéria que lá não está, efetivamente lá não deveria estar.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Lá não deveria estar, mas isso está na fundamentação.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – É que, passados quinze anos da vigência do Código, qualquer coisa que se proclame, mitigando esse mesmo Código, somente gerará, a esta altura, dúvidas, principalmente no campo da remuneração, dos empréstimos e dos
serviços.

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU – Essa é uma matéria - continuo a insistir – que quem deve cuidar dela é o Banco Central.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Sim, Ministro.

Então, está pronta, no seu voto, a procedência de uma ação direta, que se viesse a propor contra uma lei ordinária que se intrometesse na fixação dos custos das operações ativas e passivas das instituições financeiras.

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU – Se a Corte toda me acompanha.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – De qualquer forma, o Congresso deve agradecer a assessoria.

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Eu estava, desde o início, pronto a acompanhar o Ministro Carlos Velloso, mas, ali, tinha-se uma base normativa específica. O § 3º do artigo 192 da Constituição incluía o problema dos juros reais como matéria de reserva à lei complementar. Isso desapareceu, porém.

Hoje, nem o Código de Defesa do Consumidor, nem qualquer outra lei ordinária, cuida da fixação dos custos a que Vossa Excelência se refere. Daí, a observação do Ministro Celso de Mello; nós não estamos avalizando nenhuma lei futura.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO – Como disse o Ministro

Celso de Mello, exatamente, é de que o voto do Ministro Eros Grau

vai da linha do voto do Ministro Néri da Silveira que é pela

improcedência total da ADI, sem nenhuma interpretação conforme.

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU – Evoluo no sentido de

acolher, porque chegamos ao mesmo resultado, mas, talvez, de modo

mais efetivo.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Vossa Excelência,

portanto, julga improcedente a presente ação direta...

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU – Julgo improcedente.

Chegamos com isso a um consenso; mais uma vez o Colegiado manifesta

a sua sabedoria e prudência.

Supremo Tribunal Federal

04/05/2006 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO FEDERAL

V O T O

O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA: Senhor Presidente, entendo que o regramento do sistema financeiro e a disciplina do consumo e da defesa do consumidor podem perfeitamente conviver.

Em muitos casos, o operador do direito irá deparar-se com fatos que conclamam a aplicação de normas tanto de uma como de outra área do conhecimento jurídico. Assim ocorre em razão dos diferentes aspectos que uma mesma realidade apresenta, fazendo com que ela possa amoldar-se aos âmbitos normativos de diferentes leis. Um exemplo corriqueiro disso é a aplicabilidade tanto de normas do Código Civil como do Código Penal a um mesmo fato, sem que se possa falar em antinomias ou colisões.

A Emenda Constitucional 40, na medida em que conferiu maior vagueza à disciplina constitucional do sistema financeiro (dando nova redação ao art. 192), tornou ainda maior esse campo que a professora Cláudia Lima Marques denominou “diálogos entre fontes” - no caso, entre a lei ordinária (que disciplina as relações consumeristas) e as leis complementares (que disciplinam o sistema financeiro nacional). Não há, a priori, por que falar em exclusão formal entre essas espécies normativas, mas, sim, em “influências

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

recíprocas”, em “aplicação conjunta das duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja complementarmente, seja subsidiariamente, seja permitindo a opção voluntária das partes sobre a fonte prevalente”1.

Por essas razões, meu voto é no mesmo sentido do proferido pelo ministro Néri da Silveira. É dizer, a técnica da interpretação conforme não me parece aplicável ao caso em exame, pois, numa

análise

em

abstrato,

inexiste

inconstitucionalidade

a

ser

pronunciada no art. 3º, § 2º, do CDC. A Lei 8.078/1990 será sempre aplicável às relações de consumo, como exatamente diz o texto legal:

Art. 3º ..................................

§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária,

salvo

as

decorrentes

das

relações

de

caráter

trabalhistas.

O direito dos consumidores de produtos financeiros e serviços bancários não encontra disciplina na lei que regula o Sistema Financeiro Nacional, porque outro é o objetivo desta. O locus adequado a tal disciplina é o CDC, previsto no art. 48 do ADCT, com apoio no art. 5º, XXXII, da Constituição.

Como

bem

sustentado

pelo

então

procurador-geral

da

República, Dr. Geraldo Brindeiro, “a circunstância isolada de competir ao Banco Central controlar o sistema financeiro nacional

1 MARQUES, Claudia Lima. Três tipos de diálogos entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002: Superação das antinomias pelo “diálogo das fontes”. In: Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002:

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

não pode servir de razão para restringir o direito de ação dos consumidores, a atuação do Ministério Público e de associações

legalmente

constituídas

para

defender

interesses

e

direitos

decorrentes das relações de consumo, para frustrar, enfim, o próprio princípio da proteção judiciária, garantia fundamental consagrada pela Constituição da República”.

É claro que, numa situação concreta, caso se pretenda aplicar as normas do CDC no sentido de reger o sistema financeiro, tal equívoco deve ser combatido pelos instrumentos adequados, como ressaltou o ministro Néri da Silveira. Isso não significa que o § 2º do art. 3º deva ser submetido a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, porque, em verdade, o âmbito normativo do dispositivo atacado está perfeitamente delimitado, não havendo, em princípio, invasão do âmbito reservado à lei complementar. Essa análise, aliás, tornou-se ainda mais casuística após a promulgação da EC 40/2003, que retirou do art. 192 da Lei Maior o parâmetro indicativo da matéria a ser regida por lei complementar.

De todo modo, como bem salientado no parecer do eminente

procurador-geral

da

República

(fls.

1052),

a

Lei

8.078/1990

preconiza apenas que os contratos não contenham cláusulas abusivas, isto é, que seja observada a fundamental proteção contratual do consumidor, conferida pelo diploma legal em questão. As normas ali

Convergências e assimetrias. PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos; PASQUALOTTO, Adalberto [et al.] (Coordenadores). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

contidas são, portanto, plenamente aplicáveis a todas as relações de consumo, inclusive aos serviços (conceito definido no art. 3º, § 2º, CDC) prestados pelas entidades do Sistema Financeiro Nacional. Do exposto, julgo improcedente a ação direta.

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04/05/2006 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO - Senhora Presidente, acompanhei os debates, atentamente. Debates que desaguaram em duas correntes de opinião: a do Ministro Néri da Silveira e a do Ministro Carlos Velloso, Relator.

Penso que o Ministro Néri foi, no particular, mais feliz quando interpretou o artigo 192 de uma perspectiva dicotômica ou dúplice. Ali, há, explicitamente, uma preocupação da Constituição em estruturar o Sistema Financeiro e dispor sobre a edição de uma lei complementar que viesse não só estruturar, como funcionalizar esse Sistema, atuando no campo regulamentar. O que saísse dessa estruturalidade cairia no campo da trivialidade, ou seja, o campo das relações entre os bancos e seus clientes. Tudo que não se
comportasse nesse campo da estruturalidade constitucional
—— sistêmico por definição —— remanesceria para o campo da
trivialidade. Chamemos assim para simplificar as coisas.

Creio que o Ministro Néri da Silveira foi muito feliz, repito, na interpretação do artigo 192 da Constituição e a conclusão de seu voto pela improcedência da ADI, sem nenhuma possibilidade de interpretação conforme, pareceu-me convincente.

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

Aqui, nesta assentada, tivemos esses dois magníficos votos dos Ministros Eros Grau e Joaquim Barbosa. De sorte que fico ainda mais pacificado para cravar o meu voto no sentido da
improcedência total da ADI.

** *** **

Supremo Tribunal Federal

04/05/2006 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO FEDERAL

V O T O

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O

SENHOR

MINISTRO

SEPÚLVEDA

PERTENCE

-

Senhora

Presidente, independente da atenção com que ouvirei, daqui ou fora daqui, o voto do eminente Ministro Cezar Peluso, adianto o meu voto, que é pela improcedência da ação: considero que a norma impugnada, ao caracterizar como relação de consumo aquela entre as instituições financeiras e seus clientes, obviamente está remetendo àquela disciplina positiva contida no Código de Defesa do Consumidor ou na legislação ordinária que, a respeito, esteja em vigor.

A minha única preocupação – por isso a tendência inicial de acompanhar o voto do Ministro Carlos Velloso – era, efetivamente, não afetar o campo normativo do artigo 192, que, à época do início do julgamento, efetivamente, excluía a taxa de juros reais do âmbito da lei ordinária.

Mas os votos aqui proferidos hoje - a excelente demonstração contida no voto do Ministro Eros Grau e, depois, a ênfase posta pelo Ministro Joaquim Barbosa na absoluta inexistência de conflito positivo entre os dois sistemas -, levam-me a evoluir e julgar improcedente a ação, até porque o voto do Ministro Carlos Velloso perdeu a sua base positiva, que era o § 3º do artigo 192, na

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

versão originária, anterior à EC 40, que suprimiu todos os parágrafos do dispositivo.

Por isso, deixo antecipado o meu voto nesse sentido.

Nc.

Supremo Tribunal Federal

TRIBUNAL PLENO

EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO FEDERAL

RELATOR ORIGINÁRIO : MIN. CARLOS VELLOSO RELATOR PARA O : MIN. EROS GRAU
ACÓRDÃO

REQUERENTE

: CONFEDERAÇÃO

NACIONAL

DO

SISTEMA

FINANCEIRO - CONSIF
ADVOGADOS : IVES GANDRA S. MARTINS E OUTROS REQUERIDO : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
REQUERIDO : CONGRESSO NACIONAL

Decisão : Após o voto do Senhor Ministro Carlos Velloso, Relator, emprestando ao § 2º do artigo 3º da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, interpretação conforme a Carta da República, para excluir da incidência a taxa dos juros reais nas operações bancárias, ou a sua fixação em 12% (doze por cento) ao ano, e do voto do Senhor Ministro Néri da Silveira, julgando improcedente o pedido formulado na inicial, solicitou vista o Senhor Ministro Nelson Jobim. Falaram, pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF, o Professor Ives Gandra da Silva Martins, e, pela Advocacia-Geral da União, o Dr. Walter do Carmo Barletta.

Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Plenário, 17.4.2002.

Decisão: Renovado o pedido de vista do Senhor Ministro Nelson Jobim, justificadamente, nos termos do § 1º do artigo 1º da Resolução nº 278, de 15 de dezembro de 2003.

Presidência

do

Senhor

Ministro

Maurício

Corrêa.

Plenário,

28.04.2004.

Decisão:

Preliminarmente,

o

Tribunal,

por

unanimidade, indeferiu o requerimento do IDEC-Instituto Brasileiro

de

Defesa

do

Consumidor.

Ausente,

justificadamente,

nesta

preliminar, o Senhor Ministro Celso de Mello. O Tribunal, por maioria, entendeu não estar prejudicada a ação, vencidos os Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Eros Grau e Carlos Britto. Após o voto do Senhor Ministro Nelson Jobim (Presidente), que acompanhava o voto do relator pela procedência parcial da ação, para dar interpretação conforme a Constituição, e do voto do Senhor Ministro Néri da Silveira, que a julgava improcedente, pediu vista dos autos o Senhor

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

Ministro Eros Grau. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Plenário, 22.02.2006.

Decisão: Após o voto-vista do Senhor Ministro Eros Grau, que julgava improcedente a ação, no que foi acompanhado pelos Senhores Ministros Joaquim Barbosa, Carlos Britto e Sepúlveda Pertence, este último em antecipação, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Cezar Peluso. Não participa do julgamento o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski por suceder ao Senhor Ministro Carlos Velloso que já proferiu voto. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie. Plenário, 04.05.2006.

Presidência

da

Senhora

Ministra

Ellen

Gracie.

Presentes à sessão os Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski.

Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Luiz Tomimatsu
Secretário

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07/06/2006 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO FEDERAL

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

V O T O – V I S T A

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO:1. Serei breve, porque as questões centrais do caso já foram objeto de meticulosas discussões que antecederam este voto-vista.

Pretende a autora ver declarada a inconstitucionalidade da expressão “inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária”, constante do art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11.09.1990), que teria incluído tais atividades no conceito de serviço, submetendo-as, por conseguinte, à incidência das normas tuitivas do consumidor. Argúi, em síntese, a existência de vício formal, radicado na imposição de maiores
encargos, obrigações e responsabilidades às instituições do sistema financeiro por meio de lei ordinária, e de vício material,
decorrente de ofensa aos princípios do devido processo legal
substantivo e da razoabilidade, por inobservância das peculiaridades das atividades financeiras, cujas relações não seriam equiparáveis às de consumo.

2. Estou em que não colhe a afirmação da autora, segundo a qual “a lei ordinária pretendeu alcançar relações próprias do Sistema
Financeiro Nacional, invadindo campo reservado à lei complementar,

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além de violar o art. 5º, LIV, da Constituição Federal, lesionando o princípio do devido processo legal(§ 14 da inicial).

É que as normas em contraste aparente, que são o CDC e a lei organizadora do sistema financeiro (Lei nº 4.595/64) têm âmbitos distintos de aplicação, enquanto se definem estes pelo conjunto dos fatos que correspondem às hipóteses legais (fattispecie abstratas) das normas de dado sistema designadas como aplicáveis, na expressão de BAPTISTA MACHADO1. Trata-se, por assim dizer, de dimensões normativas irredutíveis.

Recordo, a respeito, a velha mas clara lição de NORBERTO BOBBIO2:

“Para que possa ocorrer antinomia, são necessárias duas condições, que, embora óbvias, devem ser explicitadas:
1) As duas normas devem pertencer ao mesmo ordenamento. (...)
2) As duas normas devem ter o mesmo âmbito de validade. Distinguem-se quatro âmbitos de validade de uma norma: temporal, espacial, pessoal e material. ”
Ora, as normas de proteção ao consumidor incidem sobre os aspectos factuais da relação entre instituição do sistema financeiro e cliente, encarada apenas do ponto de vista do consumo. Não
invadem, portanto, nenhuma competência que se possa qualificar reservada a normas regulamentares do sistema financeiro nacional, cujo âmbito de aplicação, ou de validade material, é outro.

As relações intersubjetivas, é evidente, enquanto fatos

1Âmbito de Eficácia e Âmbito de Competência das Leis. Coimbra: Almedina. 1970. p. 252.

2Teoria do Ordenamento Jurídico. 10a ed.. Brasília: Universidade de Brasília. p. 87. Eis a definição de antinomia adotada pelo autor: “situação na qual são colocadas em existência duas normas, das quais uma

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

suscetíveis de qualificação normativa, são dotadas de múltiplos aspectos, que podem guardar relevo simultâneo para mais de um
sistema ou domínio normativo. De modo que não surpreende que
diferentes dimensões de u’a mesma classe de fatos de natureza
bancária, financeira, de crédito e securitária caiam sob a
regulamentação simultânea de sistemas diversos. Nesse sentido, a regulamentação dos serviços daquela classe de fatos, objeto do CDC, limita-se aos aspectos próprios da relação de consumo. Ou, noutras palavras, o CDC não tende a disciplinar as relações entre as
instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional e os
clientes, sob o prisma estritamente financeiro ou político-
monetário, nem estabelecer normas sobre o funcionamento
institucional. Restringindo-se ao âmbito da competência conferida pelos arts. 5º, XXXII, 24, VIII, e 170, V, da Constituição da
República, predispõe-se a governar tais relações unicamente do ponto de vista do consumo.

Esta a distinção que a autora dá por pressuposta, mas para tirar-lhe conseqüência insustentável, ao deduzir na inicial:

“Ora, se, conforme reconhecido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, asmatérias pertinentes ao Sistema Financeiro Nacional, abrangente das atividades bancárias, financeiras, de crédito e de seguros, hão de ser disciplinadas por lei complementar a teor do art. 192 da Constituição da República, e se, de acordo com o entendimento do mesmo Tribunal, a Lei nº 4.595/64 foi recepcionada com esse status, - resta evidente que o § 2º do art. 3º da Lei n.º 8.078/90, ao pretender equiparar todas

obriga e a outra proíbe, ou uma obriga e a outra permite, ou uma proíbe e a outra permite o mesmo comportamento” (p. 86).

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária a relações de consumo para o fim de regulá-las, padece de inconstitucionalidade por invadir área reservada à lei complementar, sendo insusceptível de derrogar a lei recepcionada, que desfruta desse status.” (§ 31 da inicial)

O fator decisivo para a solução da causa está no juízo óbvio de que defesa do consumidor não é, de maneira alguma,“matéria
pertinente ao Sistema Financeiro Nacional”, e, pois, de que tampouco se preordena a norma impugnada a “equiparar todas as atividades de natureza bancária (...) a relações de consumo para o fim de regulá-las”, sob aquele ponto de vista. Não percebê-lo valeria o mesmo que argüir de inválida a lei que dispusesse a incidência de tributo, como o ITBI, por exemplo, sobre relação de compra e venda
imobiliária, sob pretexto de que estaria a reger de matéria de direito civil, de competência exclusiva da União (art 22, I, da CF).

Daí, não se entrever, no caso, derrogação, que, lembra TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR.3, é modalidade revocatória cujo alcance está em “retirar a validade por meio de outra norma”. Ora, não a há, aqui, expressa, nem tácita, até porque esta exigiria “incompatibilidade entre a matéria revogada e as disposições antes vigentes”. Segue-se, pois, que não há como nem por onde sustentar, convincentemente, que o CDC teria derrogado, de forma inconstitucional (por invasão de competência reservada à lei complementar), a Lei nº 4.595/64. E é o

3Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 2a ed.. São Paulo: Atlas. 1996. p. 203.

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

que, aliás, não deixou de ver a doutrina especializada 4:“...

continuam com plena eficácia as normas previstas na legislação anterior que não colidam com o regime do Código, que revoga, pois, somente as regras incompatíveis, dentro da técnica tradicional (art. 119)”.

Observada a distinção fundamental entre os âmbitos de aplicação dos sistemas normativos de que se cuida, não se encontra inconstitucionalidade alguma, assim do ângulo material, como do formal, à medida que a norma questionada foi introduzida no ordenamento por veículo legislativo adequado ao assunto que versou.

4. Do exposto, acompanhando, com a devida vênia, os Ministros NÉRI DA SILVEIRA, EROS GRAU, JOAQUIM BARBOSA, CARLOS BRITTO e SEPÚLVEDA PERTENCE, julgo improcedente a ação.

4BITTAR, CARLOS ALBERTO. Direitos do Consumidor: código de defesa do consumidor. 6a ed., atualização de Eduardo C. B. Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2003. p. 24.

Supremo Tribunal Federal

07/06/2006 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO FEDERAL

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Senhora Presidente, temos, na Constituição Federal, inúmeros dispositivos que versam sobre a proteção ao consumidor e notamos que a Carta de 1988 deu – e o fez de forma, a meu ver, no campo didático - uma ênfase maior à dignidade da pessoa humana. O que se articula nesta ação? O conflito do Código do Consumidor, vigente desde 1990, passados os cento e oitenta dias da vacatio legis,com a própria Lei Fundamental. O código é explícito ao revelar que se tem como alcançados serviços em qualquer atividade, no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive aqueles serviços de natureza bancária, financeira, de crédito e, também, os decorrentes da atuação securitária, salvo o que disser respeito às relações trabalhistas.

O Código do Consumidor, a meu ver, tal como o Código Nacional de Trânsito, implicou avanço no campo social e não cabe empolgar o artigo 192 da Constituição Federal, no que preceitua:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares ...

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

Para afirmar que teria havido invasão, sob o ângulo formal, à reserva, à lei complementar, da matéria prevista nesse artigo 192.

Vale ressaltar, além desses aspectos, que o código está em vigor há tanto tempo e jamais se cogitou de as normas de proteção ao consumidor colocarem em risco o sistema financeiro. Não se tem, nesse diploma, a criação de encargos e obrigações. Existe, sim, sistema que obstaculiza posições que acabem por alcançar, como disse no início do voto, a própria dignidade do homem. Não acredito que, com a edição da lei complementar prevista no artigo 192, venha a ser consagrado – e as instituições financeiras não precisam disso - o código de proteção às instituições financeiras,
considerada a agressividade do consumidor - algo inexistente.

Conforme contido no artigo 192, a lei complementar disporá sobre a estrutura do sistema financeiro, sem chegar a representar o que apontei, porque desnecessário mesmo, a proteção, frente ao
consumidor, do próprio sistema financeiro. Não creio que se possa vislumbrar risco quanto ao sistema ou cogitar de aplicação, nesse longo período em que esteve em vigor o Código do Consumidor, de forma contrária ao fim visado pelo citado artigo. Basta que
consideremos a crescente, sempre crescente, lucratividade dos
estabelecimentos bancários para assentar, de início, que o código não repercutiu, de forma danosa, na atividade desenvolvida. Não há nele, repito, qualquer preceito que verse especificamente, em termos

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

de fixação, sobre taxas e sobre juros devidos, tendo em conta o capital. Estamos a nos pronunciar em processo objetivo, no qual não cabe extravasar o que necessário à definição da harmonia, ou não, da lei atacada, do ato normativo abstrato impugnado, com a Constituição Federal.

Não se pode transformar o Supremo em órgão consultivo, ainda que para prevenir dúvidas a serem suscitadas mediante o processo próprio, o subjetivo.

Por isso, acompanho o ministro Néri da Silveira, no que prolatou o primeiro voto no sentido da improcedência do pedido formulado. O relator votou pela procedência parcial.

Supremo Tribunal Federal

07/06/2006 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO FEDERAL

V O T O

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO:A proteção ao consumidor ea defesa da integridade de seus direitos representam compromissos inderrogáveis que o Estado brasileiro conscientemente assumiu no plano de nosso ordenamento constitucional.

O relevo indiscutível desse compromisso estatal - consideradaa irrecusável importância jurídica, econômica, política e social de que se revestem os direitos do consumidor - tanto mais se acentua, quando se tem presente que a Assembléia Nacional Constituinte, em caráter absolutamente inovador, elevoua defesa do consumidor à posição eminente de direito fundamental (CF, art. 5º, XXXII), atribuindo-lhe, ainda, a condição de princípio estruturador e conformador da própria ordem econômica (CF, art. 170, V).

É por essa razão que o eminente Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA (“Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 261/262, item n. 27, 20ª ed., 2002, Malheiros), ao analisar a obrigação, constitucionalmente imposta ao Estado, de prover, na forma da lei, a proteção do consumidor, põe em destaque a inserçãodessa cláusula de

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

tutela “entre os direitos fundamentais, com o que se erigem os consumidores à categoria de titulares de direitos constitucionais fundamentais”, conjugando-se, a isso, a previsão constante do art. 170, V, que eleva a defesa do consumidor à condição de princípio da ordem econômica”, com o relevante propósitode legitimar todas as medidas de intervenção estatal necessárias a assegurar a proteção prevista”.

Na realidade, a proteção estatal ao consumidor - quer seja esta qualificada como um direito fundamental positivado no próprio texto da Constituição da República, quer seja compreendida como diretriz conformadora da formulação e execução de políticas públicas, bem assim do exercício das atividades econômicas em geral - assume, em última análise, na perspectiva do sistema jurídico consagrado em nossa Carta Política, acondição de meio instrumental destinado, enquanto expressão de um “princípio constitucional impositivo” (EROS ROBERTO GRAU, “A Ordem Econômica na Constituição de 1988”, p. 272, item n. 115, 6ª ed., 2001, Malheiros), a neutralizar o abuso do poder econômico praticadoem detrimento das pessoas e de seu direito ao desenvolvimento e a uma existência digna e justa.

Com o claro objetivo de dar concreção e significado a tais proclamações constitucionais, a Carta Política fez instaurar um

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

estado de comunhão solidária entre as diversas esferas políticas que

compõem

a

estrutura

institucional

da

Federação

brasileira,

congregando-as em torno de finalidade comum, impregnada do mais elevado sentido social.

Vale referir, bem por isso, a primazia que a Carta Política conferiu tanto à defesa do consumidor quanto à preservação da integridade das prerrogativas jurídicas, que, em seu favor, foram reconhecidas pelo ordenamento positivo, podendo-seafirmar, a partir de tal asserção, que os direitos do consumidor, embora desvestidos de caráter absoluto, qualificam-se, no entanto, como valores essenciais e condicionantes de qualquer processo decisório que vise a compor situações de antagonismo resultantes das relações de consumo que se processam, no âmbito da vida social, de modo tão estruturalmente desigual, marcadas, muitas vezes, pela nota de indisfarçável conflituosidade, a opor fornecedores e produtores, de um lado, a consumidores, de outro.

Com esse propósito, Senhora Presidente, e para não

degradar

o

compromisso

de

defesa

do

consumidor

à

condição

inaceitável de uma promessa irresponsavelmente vã, ou de uma proclamação constitucional meramente retórica, ou, ainda, de um discurso politicamente inconseqüente, a Lei Fundamental, visando a promover o bem de todos, veio a instituir verdadeiro condomínio

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legislativo, partilhando, entre a União, os Estados-membros e o Distrito Federal (CF, art. 24, VIII), sem falar nos Municípios, a competência para legislar, em caráter concorrente, sobre medidas e políticas públicas destinadas a viabilizar a proteção - que se quer efetiva, plena e real -, a ser conferida ao consumidor.

Daí justificar-se, plenamente, o reconhecimento de que a proteção ao consumidor - que traduz prerrogativa fundamental do cidadão - qualifica-se como valorconstitucional inerente à própria conceptualização do Estado Democrático e Social de Direito, razão pela qual incumbe, a toda a coletividade- e ao Poder Judiciário, em particular - extrair, dos direitos assegurados ao consumidor, a sua máxima eficácia.

Cumpre reiterar, bem por isso, a afirmação de que a função tutelar resultante da cláusula constitucional de proteção aos direitos do consumidor projeta-se, também, na esfera relativa à ordem econômica e financeira, na medida em que essa diretriz básica apresenta-se como um insuprimível princípio conformador da atividade econômica (CF, art. 170, V).

Impende destacar, por oportuno, que todas as atividades econômicas estão sujeitas à ação fiscalizadora do Poder Público. O ordenamento constitucional outorgou, ao Estado, o poder de intervir

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

no domínio econômico, assistindo-lhe, nesse especial contexto das funções estatais, competência para proceder como agente normativo e regulador da atividade negocial (art. 174).

A liberdade de atuação e de prática negocial, contudo, não se reveste de caráter absoluto, pois o seu exercício sofre, necessariamente, os condicionamentos normativos impostos pela Lei Fundamental da República.

Desse modo, cabe enfatizar que a esfera de proteção constitucionalmente garantida aos direitos do consumidor desempenha

clara

função

inibitória,

apta

a

desqualificar

o

exercício

eventualmente abusivo, prejudicial e nocivo decorrente de práticas negociais ilícitas ou irregulares.

Dentro dessa perspectiva, a edição do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) - consideradosos valores básicos concernentes à proteção da vida, da saúde e da segurança, e relativos à liberdade de escolha, à igualdade nas contratações, ao direito à informação e à proteção contra publicidade enganosa, dentre outros - representou a materialização e a efetivação dos compromissos assumidos, em tema de relações de consumo, pelo Estado brasileiro.

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

É por tal razão que ANTÔNIO CARLOS EFING (“Contratos e

Procedimentos Bancários à Luz do Código de Defesa do Consumidor”,

p. 23/25, item n. 1.1 e 1.3, 1999, RT), ao ressaltar a importância

do advento da Lei nº 8.078/90, por tudo o que significou na

concretização do compromisso constitucional de proteção aos direitos

do consumidor, registrou as sensíveis transformações por que passou,

em nosso sistema jurídico, o tratamento normativo dispensado às

relações de consumo:

Todavia, não resta dúvida que a proteção do consumidor somente adquiriu aspecto relevante com a promulgação da Carta Magna de 1988, assumindo, neste momento, estado de garantia constitucional e princípio norteador da atividade econômica.

Com a edição do CDC e a entrada em vigor de suas

normas,

restaram

esclarecidos

e

consolidados

os

direitos dos consumidores, através da criação do microssistema das relações de consumo, com a inserção de novas normas e princípios jurídicos para a tutela dos consumidores.

Assim, conclui-se que, com o passar do tempo, as relações de consumo foram sofrendo tratamento inovador e protetivo da parte mais frágil na relação, qual seja o consumidor, restando, as relações de consumo, agora, amplamente tuteladas pelo CDC.

Não só a legislação brasileira, mas também a

doutrina

internacional,

estão

voltadas

para

a

regulamentação das relações de consumo, especialmente no que diz respeito ao crédito do consumidor.

Conforme se verá mais adiante, seja quanto à

proteção

contratual,

seja

quanto

ao

acesso

do

consumidor à tutela jurisdicional, o CDC representa o maior avanço da disciplina das relações de consumo.

...................................................

Atribuir plena eficácia às normas contidas no CDC significa conferir ao Código a sua total aplicação, representapossibilitar ao consumidor a garantia da sua proteção e defesa, bem como estabelecer ao fornecedor

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

parâmetros para sua conduta dentro deste regulamento, visando, assim, ao equilíbrio nas relações de consumo.” (grifei)

Impende indagar, desse modo, em que medida a norma inscrita no art. 192 da Carta Política - que estabelece reserva constitucional de lei complementar em tema de estruturação e funcionamento do sistema financeiro nacional - revela-se apta a

obstar

a

aplicabilidade

do

Código

de

Defesa

do

Consumidor,

impedindo-ode incidir nas relações de consumo que se estabelecem entre as instituições financeiras, de um lado, e os cidadãos em geral, de outro.

Na realidade, Senhora Presidente, e considerado o âmbito de abrangência material inscrito no art. 192 da Constituição Federal, entendoque temas concernentes, por exemplo, ao dever de restituição em dobro, em caso de cobrança indevida (CDC, art. 42), ouà responsabilidade civil sem culpa, por danos causados ao cliente (CDC, art. 14), ou à nulidade de cláusulas contratuais abusivas (CDC, art. 51), ouà inversão, em favor do consumidor, do ônus da prova (CDC, art. 6º, VIII), ouà imposição de multa de mora, em valor superior a 2% do “quantum” da prestação, quando decorrente do inadimplemento de obrigações no seu termo (CDC, art. 52, § 1º), ou à possibilidade de o Ministério Público promover ação civil pública que tenha por objeto a declaração de nulidade de cláusula contratual

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

que ofenda o Código de Defesa do Consumidor ou que não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes (CDC, art. 51, § 4º), ou, ainda, à impossibilidade de manutenção, em cadastro, por período superior a 5 (cinco) anos, de informações negativas referentes a clientes inadimplentes (CDC, art. 43, § 1º - Súmula 323/STJ), constituemmatérias, que, por sua essência mesma, não se identificam com a organização e a estruturação do sistema financeiro nacional, podendo, em conseqüência, ser disciplinadas mediante lei ordinária, como o Código de Defesa do Consumidor, mesmo que versem relacionamentos jurídicos entre instituições financeiras e os usuários de seus serviços.

É que – insista-se – o sistema financeiro nacional

sujeita-se,

tanto

quanto

os

agentes

econômicos

em

geral,

à

necessária observância do postulado da defesa do consumidor, como direta conseqüência de expressa determinação emanada da própria Constituição da República, cujo art. 170, inciso V, proclama que a ordem econômica e financeira rege-se, obrigatoriamente, dentre

outros

elementos

condicionantes,

por

esse

importante

vetor

axiológico a que todos devem submeter-se, mesmoque se cuide de

instituições

que

exerçam

atividades

de

natureza

bancária,

financeira, securitária e de crédito.

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

Reconheço, por isso mesmo, que o sistema financeiro nacional sujeita-se ao princípio constitucional da defesa do consumidor. Concordo, ainda, Senhora Presidente, com a observação do eminente Relator, no ponto em que acentua que “o Código de Defesa do Consumidor não interfere com o Sistema Financeiro Nacional, art. 192 da Constituição, em termos institucionais, já que o Código limita-se a proteger e defender o consumidor, o que não implica (...)

interferência

o

no

Sistema

Financeiro

Nacional.

Protegendo

e

defendendo

consumidor,

realiza

o

Código

o

princípio

constitucional (...)”.

Revela-se inquestionável, de outro lado, a asserção – também constante do voto proferido pelo eminente Ministro CARLOS VELLOSO – de queO Código de Defesa do Consumidor aplica-se às atividades bancárias, da mesma forma que a essas atividades são aplicáveis, sempre que couber, o Código Civil, o Código Comercial, o Código Tributário Nacional, a Consolidação das Leis Trabalhistas e tantas outras leis” (grifei).

Daí a correta observação do eminente Ministro EROS GRAU, em artigo publicado em janeiro de 1991, no qual versou a questão ora em exame, expendendoimportantes considerações que vale reproduzir:

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

Gazeta Mercantil do dia 13 de dezembro transcreve opinião do coordenador das Promotorias de Justiça de Proteção ao Consumidor do Estado de São Paulo, no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.087/90) ‘irá atingir também os contratos de empréstimo bancário’. Isso é inteiramente correto.

O Código do Consumidor, como afirma o art. 1º da Lei n° 8.078/90, estabelece normas de proteção e defesa do consumidor. Daí porque se impõe a conceituação de ‘consumidor’. Sem que ‘consumidor’ seja conceituado não se tornará possível a sua aplicação.

...................................................

Nosso

esforço

no

sentido

de

conceituar

consumidor', corresponderia à busca da determinação de uma suma de idéias - conceito - no que lograríamos superar a ambigüidade e imprecisão do termo que a expressa, justamente o vocábulo ‘consumidor’.

Essa superação, contudo, jamais se opera de modo integral, de sorte que sempre restam sombras e

múltiplos

sentidos

informando

(desinformando)

o

intérprete e o aplicador do texto normativo no bojo do qual o vocábulo ou a expressão que é termo de um certo conceito comparece.

(...) Daí porque averbei, em outra oportunidade: inúmeras vezes a norma jurídica opera a enunciação estipulativa do conceito, ou seja, define o termo do

conceito.

O

que

se

tem

referido

por

‘conceito

estipulativo’ corresponde em regra a uma definição, que

a

norma

jurídica

contempla

visando

superar

a

ambigüidade ou imprecisão do termo do conceito.

Assim procede o Código do Consumidor, definindo ‘consumidor’, ‘fornecedor’, ‘produto’ e ‘serviço’. Entende-se como ‘consumidor’, como ‘fornecedor’, como ‘produto’ e como ‘serviço’, para os efeitos do Código do Consumidor, o que descrito está no seu art. 2º e no seu art. 3º e parágrafos 1º e 2º.

...................................................

Diz o seu art. 2° que ‘consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final’. E o parágrafo 2º do art. 3° define serviço: ‘qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista’.

Assim,

na

leitura

conjunta

dos

preceitos

transcritos, a evidência de que, para os efeitos do

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

Código

do

Consumidor,

é

consumidor’,

inquestionavelmente, toda pessoa física ou jurídica que

utiliza, como destinatário final, atividade bancária,

financeira e de crédito.

...................................................

Por certo que as instituições financeiras estão,

todas elas, sujeitas ao cumprimento das normas

estatuídas pelo Código do Consumidor. Parece-me

incompreensível que algumas delas isso não percebam,

não cuidando, seriamente, de desde logo se adaptarem

àquelas normas (...).” (grifei)

Entendo, por isso mesmo,Senhora Presidente, que não

há razão para excluir, do âmbito de incidência do Código de Defesa

do Consumidor, dentre outros temas, a questão dos juros, seja em

face do que enuncia a Súmula 648/STF (“A norma do § 3º do art. 192

da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que

limitava

a

taxa

de

juros

reais

a

12%

ao

ano,

tinha

sua

aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar” - grifei),

seja, ainda, em decorrência do ulterior advento da EC nº 40/2003,

que derrogou todos os incisos e parágrafos que compunham a estrutura

normativa do art. 192 da Constituição.

Isso significa, portanto, que o Código de Defesa do

Consumidor, porque lei ordinária, não pode dispor, unicamente,

considerada a reserva constitucional de lei complementar, sobre o

núcleo temático previsto no art. 192 da Constituição (estruturação e

funcionamento do sistema financeiro nacional), hoje substancialmente

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

reduzido em sua abrangência normativa, por efeito da superveniente promulgação da EC nº 40/2003.

Como precedentemente referido, cumpre enfatizar que o Código de Defesa do Consumidor não incidiu sobre matéria que o art. 192 da Carta Política submeteu ao domínio normativo da lei complementar.

Em conseqüência, não se pode imputar, ao Código de Defesa do Consumidor, qualquer transgressão à cláusula de reserva constitucional de lei complementar instituída pelo mencionado art. 192 da Lei Fundamental, eis que – insista-se – o Código de Defesa do Consumidor não veicula qualquer regramento pertinente à estrutura e ao funcionamento das instituições financeiras.

Daí a corretíssima observação constante do douto voto proferido, na presente causa, pelo eminente Ministro EROS GRAU:

Os

que

exercem

atividades

subordinadas

à

Lei n. 4.595/64 são as instituições financeiras.

Logo,

é

do

funcionamento

das

instituições

financeiras de que se trata. Podemos, portanto, dizer: desempenho de suas atividades pelas instituições financeiras. O Conselho Monetário Nacional regula o desempenho de suas atividades

pelas

instituições

financeiras.

O

vocábulo

funcionamento’ é, porém, mais forte, na medida em que expressivo da circunstância de as instituições

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

cumprirem

uma

‘função’

no

quadro

do

sistema

financeiro nacional.

O vocábulo tem a virtude de tornar bem explícito o fato de a lei ter estabelecido que para funcionar, para desempenhar a atividade de intermediação financeira, a empresa deverá cumprir o que determina o Conselho Monetário Nacional no que concerne a sua adequação a esse desempenho. Vale dizer, quanto ao nível de capitalização, à solidez patrimonial, aos negócios que poderá realizar [por exemplo, câmbio, captação de depósitos à vista, etc.], à sua constituição de conformidade com as regras legais [lei das sociedades anônimas, com todas as suas implicações]. Entrando em funcionamento, a instituição financeira, mercê da autorização que para tanto recebeu, pode exercer determinadas atividades, v.g., captar depósitos à

vista,

pagar

benefícios

previdenciários,

captar

poupança, receber tributos. Essas atividades deverão

ser,

no

entanto,

desempenhadas

no

quadro

das

determinações dispostas pelo órgão normativo [v.g., tipos de operações permitidas ou vedadas; volumes a serem aplicados nessa ou naquela modalidade de crédito; posições cambiais (níveis) a serem cumpridas e negócios dessa natureza que podem ou não ser contratados]. Digo mais: esse exercício há de ser empreendido de modo que a empresa - isto é, a instituição financeira - funcione

em

coerência

com

certas

diretrizes

de

políticas

públicas, suas prerrogativas sendo exercidas conforme

definições,

estruturais

e

conjunturais,

que

as

delimitam [v.g., recolhimentos compulsórios, encaixe obrigatório]. Vê-se bem, destarte, que a função das instituições financeiras é sistêmica, vale dizer, respeita ao seu desempenho no plano do sistema financeiro. Ainda em outros termos, essa função somente pode ser cumprida no plano do sistema financeiro.

Ora, o Conselho Monetário Nacional é competente apenas para regular - além da sua constituição e da sua fiscalização - o funcionamento’ das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano do sistema financeiro. Tudo quanto exceda esse desempenho não pode ser objeto de regulação por ato normativo produzido pelo Conselho Monetário Nacional.” (grifei)

Supremo Tribunal Federal

ADI 2.591 / DF

Não custa relembrar, neste ponto, a propósitode temas

estranhosà estruturação do sistema financeiro nacional (reguláveis,

portanto, por simples lei ordinária), que o Supremo Tribunal

Federal,

em

sucessivas

decisões

monocráticas

e

colegiadas

(RTJ 189/1150, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - AI 347.717-AgR/RS, Rel.

Min. CELSO DE MELLO - AI 347.739/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM -

AI 506.487-AgR/PR, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - RE 208.383/SP, Rel.

Min. NÉRI DA SILVEIRA - RE 246.319/RS, Rel. Min. EROS GRAU -

RE 312.050-AgR/MS, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RE 385.398-AgR/MG, Rel.

Min. CELSO DE MELLO - RE 432.789/SC, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.) -, vem

reconhecendo a plena validade constitucional de leis municipais, que,

fundadas

no

art.

30,

I,

da

Constituição,

dispõem

sobre

a

obrigatoriedadede as instituições financeiras instalarem, em suas

agências, equipamentos destinados a proporcionar segurança e conforto

aos usuários dos serviços bancários:

ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS. COMPETÊNCIA DO
MUNICÍPIO PARA, MEDIANTE LEI, OBRIGAR AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS A INSTALAR, EM SUAS AGÊNCIAS, BEBEDOUROS E SANITÁRIOS DESTINADOS AOS USUÁRIOS DOS SERVIÇOS
BANCÁRIOS (CLIENTES OU NÃO). MATÉRIA DE INTERESSE
TIPICAMENTE LOCAL (CF, ART. 30, I). CONSEQÜENTE
INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.

- O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é
inerente (CF, art. 30, I), com objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem, em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinados a
proporcionar-lhes segurança (tais como portas

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de instalações
sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou colocação de bebedouros, ou, ainda, prestação de atendimento em prazo razoável, com a fixação de tempo máximo de permanência dos usuários em fila de espera.

Precedentes.
(RE 251.542/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Assinale-se, portanto, que o Código de Defesa do Consumidor apenasnão pode dispor, nem incidir, sobre matérias concernentes à estruturação e ao funcionamento do sistema financeiro

nacional

(temas

que

não

são

regulados

por

referido

diploma

legislativo), eis que tais matérias – considerado o que agora dispõe o art. 192 da Constituição, na redação dada pela EC nº 40/2003 – são próprias de disciplinação mediante lei complementar.

Entendo, por isso mesmo, que o Código de Defesa do Consumidor não revela nem padece da eiva de inconstitucionalidade sustentada pela CONSIF, autora da presente ação direta.

Ao contrário, e sob tal aspecto, o Código de Defesa do Consumidor reveste-se de plena validade constitucional, especialmente se se considerarem os princípios que regem, condicionam e informam a própria formulação e execução da política nacional das relações de

consumo,

cujo

precípuo

objetivo

-

reconhecida

a

situação

de

vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumoconsiste em viabilizar o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito

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à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem assim a transparência e harmonia das relações de consumo.

Nesse contexto, a atuação normativa do Poder Público, como aquela consubstanciada na legislação de defesa do consumidor, vocacionada a coibir, com fundamento na prevalência do interesse social, situações e práticas abusivas que possam comprometer a eficácia do postulado constitucional de proteção e amparo ao consumidor (que representa importante vetor interpretativo na ponderação e superação das relações de antagonismo que se registram no mercado de consumo), justifica-se ante a necessidade – que se impõe ao Estado – de impedir que as empresas e os agentes econômicos em geral, qualquer que seja o domínio em que exerçam as suas atividades, afetem e agravem a situação de vulnerabilidade a que se acham expostos os consumidores.

Os agentes econômicos não têm, nos princípios da liberdade de iniciativa e da livre concorrência, instrumentos de proteção incondicional. Esses postulados constitucionais – que não ostentam valor absoluto – não criam, em torno dos organismos

empresariais,

inclusive

das

instituições

financeiras,

qualquer

círculo de imunidade que os exonere dos gravíssimos encargos cuja

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imposição, fundada na supremacia do bem comum e do interesse social, deriva do texto da própria Carta da República.

Concluo o meu voto, Senhora Presidente. E, ao fazê-lo, apóio as minhas conclusões em dois pontos que me parecem essenciais à resolução do presente litígio constitucional: (a) as relações que se estabelecem entre instituições financeiras, de um lado, e os seus clientes, de outro, qualificam-se como típicas relações de consumo; e (b) os juízes e Tribunais, em tema de relações de consumo, hão de resolver os litígios com apoio em uma dimensão valorativa cujo elemento essencial repousa no necessário respeito à proteção dos consumidores, que titularizam direito fundamental a eles reconhecido pela própria Constituição da República (CF, art. 5º, XXXII; art. 150, § 5º; art. 170, V; art. 37, § 3º; art. 175, parágrafo único, II).

Sendo

assim,

Senhora

Presidente,

considerados

os

fundamentos que venho de expor, e acolhendo, ainda, as razões constantes dos doutos votos proferidos pelos eminentes Ministros NÉRI DA SILVEIRA, JOAQUIM BARBOSA e EROS GRAU, peço vênia para declarar inteiramente improcedente a ação direta ora em julgamento,

precisamente

por

não

vislumbrar

qualquer

eiva

de

inconstitucionalidade nas expressões, ora impugnadas, constantes do § 2º do art. 3º da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).

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É o meu voto.

Supremo Tribunal Federal

07/06/2006 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO FEDERAL

CONFIRMAÇÃO DE VOTO

O

SENHOR

MINISTRO

SEPÚLVEDA

PERTENCE

-

Senhora

Presidente, os votos hoje proferidos confortam a convicção que expressei, rebus sic stantibus, na última assentada.

Recebi dos ilustres advogados da requerente memorial complementar, no qual postulavam uma explicitação, verdadeira interpretação conforme a Constituição, do dispositivo questionado. A interpretação conforme tem por pressuposto que a norma questionada seja equívoca.

Não creio necessário explicitar que, ao dizer o § 2º do art. 3º, do Código de Defesa do Consumidor, que se incluem entre os serviços de que cuida os de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, assim os compreendeu para a regulação que no Código se encontra.

E, como já haviam demonstrado votos anteriores, a partir dos Ministros Néri da Silveira e Eros Grau, nada há no Código de Defesa do Consumidor que estivesse compreendido na disciplina reservada à lei complementar pelo art. 192 da Constituição.

Reafirmo o meu voto e julgo improcedente a ação.

Supremo Tribunal Federal ADI 2.591 / DF

Nc.

Supremo Tribunal Federal

TRIBUNAL PLENO

EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.591-1 DISTRITO FEDERAL

RELATOR ORIGINÁRIO : MIN. CARLOS VELLOSO RELATOR PARA O : MIN. EROS GRAU
ACÓRDÃO

REQUERENTE

: CONFEDERAÇÃO

NACIONAL

DO

SISTEMA

FINANCEIRO - CONSIF
ADVOGADOS : IVES GANDRA S. MARTINS E OUTROS REQUERIDO : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
REQUERIDO : CONGRESSO NACIONAL

Decisão : Após o voto do Senhor Ministro Carlos Velloso, Relator, emprestando ao § 2º do artigo 3º da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, interpretação conforme a Carta da República, para excluir da incidência a taxa dos juros reais nas operações bancárias, ou a sua fixação em 12% (doze por cento) ao ano, e do voto do Senhor Ministro Néri da Silveira, julgando improcedente o pedido formulado na inicial, solicitou vista o Senhor Ministro Nelson Jobim. Falaram, pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF, o Professor Ives Gandra da Silva Martins, e, pela Advocacia-Geral da União, o Dr. Walter do Carmo Barletta.

Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Plenário, 17.4.2002.

Decisão: Renovado o pedido de vista do Senhor Ministro Nelson Jobim, justificadamente, nos termos do § 1º do artigo 1º da Resolução nº 278, de 15 de dezembro de 2003.

Presidência

do

Senhor

Ministro

Maurício

Corrêa.

Plenário,

28.04.2004.

Decisão:

Preliminarmente,

o

Tribunal,

por

unanimidade, indeferiu o requerimento do IDEC-Instituto Brasileiro

de

Defesa

do

Consumidor.

Ausente,

justificadamente,

nesta

preliminar, o Senhor Ministro Celso de Mello. O Tribunal, por maioria, entendeu não estar prejudicada a ação, vencidos os Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Eros Grau e Carlos Britto. Após o voto do Senhor Ministro Nelson Jobim (Presidente), que acompanhava o voto do relator pela procedência parcial da ação, para dar interpretação conforme a Constituição, e do voto do Senhor Ministro Néri da Silveira, que a julgava improcedente, pediu vista dos autos o Senhor

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Ministro Eros Grau. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Plenário, 22.02.2006.

Decisão: Após o voto-vista do Senhor Ministro Eros Grau, que julgava improcedente a ação, no que foi acompanhado pelos Senhores Ministros Joaquim Barbosa, Carlos Britto e Sepúlveda Pertence, este último em antecipação, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Cezar Peluso. Não participa do julgamento o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski por suceder ao Senhor Ministro Carlos Velloso que já proferiu voto. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie. Plenário, 04.05.2006.

Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação direta, vencido parcialmente o Senhor Ministro Carlos Velloso (Relator), no que foi acompanhado pelo Senhor Ministro Nelson Jobim. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Redigirá o acórdão o Senhor Ministro Eros Grau. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Não participou da votação o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski por suceder ao Senhor Ministro Carlos Velloso, Relator do presente feito. Plenário, 07.06.2006.

Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski.

Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza.

Luiz Tomimatsu
Secretário