ACRIM65
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO – 3ª TURMA
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.02.01.06320006-3
APELANTE: SILVIO BUFONI
APELADO: JUSTIÇA PÚBLICA
RELATOR: DES. FEDERAL FRANCISCO PIZZOLANTE
Egrégia Turma
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofereceu denúncia em 17.11.0004 contra SÍLVIO BUFONI e ANDRÉ LUIZ BUFONI como incursos nas penas dos arts. 168 do Código Penal e 0005, ‘d’, da Lei nº 8.212/0001.
Os denunciados eram responsáveis pela gerência e administração da empresa RIOFORTE CURSOS DE FORMAÇÃO E ESPECIALIZAÇÃO DE VIGILANTES LTDA nos períodos em que se constatou o não recolhimento de parcelas das contribuições sociais descontadas dos salários dos seus empregados (10.88 a 02.0004).
Às fls. 34 a denúncia foi recebida tão-somente em relação a SÍLVIO BUFONI.
A sentença de fls. 208/214 condenou o réu apenas pelas condutas posteriores à entrada em vigor do art. 0005, ‘d’, da Lei 8212/0001, impondo-lhe pena de quatro anos, três meses e três dias de reclusão e sessenta e dois dias-multa.
Irresignado, o réu interpôs recurso de apelação às fls. 21000/233, a argumentar que
a) a sentença é nula, pois há litispendência entre o presente processo e aquele de nº 0004.000000004-6, distribuído em momento anterior à 8ª Vara Criminal (antiga 25ª), no qual se discute o não-recolhimento de contribuições no período de 10.88 a 08.0003;
b) o simples não-recolhimento das contribuições não caracteriza o elemento subjetivo do tipo, como reconhecido em sentença absolutória da 7ª Vara Criminal, hoje transitada em julgado, referente à mesma infração, cometida pelo mesmo réu, em período distinto;
c) o valor não-recolhido pelo réu, 16.00028,42 UFIR, está a justificar a incidência do princípio da bagatela;
d) em sendo o réu maior de 60 anos, ex-empresário falido e sem antecedentes criminais, sua pena não poderia ser fixada além do limite mínimo.
Às fls. 238/241, contra-razões do Ministério Público Federal.
É o relatório.
A Lei nº 8.212, de 24.07.0001, que trata da organização da Seguridade Social, dispõe, na letra ‘d’ do art. 0005 que “constitui crime” ... “deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância devida à Seguridade Social e arrecadada aos segurados ou do público”.
Trata-se de crime omissivo próprio, que se consuma com a abstenção da atividade inserida no tipo penal, ou seja, que se aperfeiçoa quando o agente deixa de realizar determinado ato descrito na norma. Para sua configuração é suficiente, portanto, a simples omissão no recolhimento do tributo ou da contribuição social, nas épocas próprias, de valores descontados ou cobrados do sujeito passivo.
“A inércia, o non facere quando pela lei estava obrigado, atingindo o decurso do prazo estabelecido, leva justamente a incidir na conduta descrita no tipo, independentemente do resultado finalista ou do elemento subjetivo do injusto”.[1]
Não se confunde com o delito de apropriação indébita, previsto no art. 168 do Código Penal (“Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção”). Este é crime comissivo, que consiste na prática de um ato que a lei penal proíbe – “apropriar-se” –, demonstrando a necessidade de dolo específico no sentido de mudar o título da posse ou da detenção, comportando-se o agente como se fosse dono da coisa. Segundo JÚLIO MIRABETE,[2]
“O dolo do delito é a vontade de apropriar-se da coisa alheia móvel. A ausência do animus rem sibi habendi exclui, subjetivamente, a apropriação indébita, que requer o elemento subjetivo do tipo (dolo específico), ou seja, a vontade de ter, como proprietário, a coisa para si ou para outrem”.
As Notificações Fiscais de Lançamento de Débito comprovam que a RIOFORTE CURSOS DE FORMAÇÃO E ESPECIALIZAÇÃO DE VIGILANTES LTDA não repassava as contribuições previdenciárias.
Ora, não há, no caso específico, cogitar de inexigibilidade de conduta diversa, que apenas se configura quando ao agente não se apresente qualquer opção. O fato de a empresa ficar seis anos sem recolher de forma adequada a contribuição previdenciária descontada de seus funcionários caracteriza, na espécie, a opção consciente de tentar preservar sua integridade operacional, em detrimento da integridade corporal dos empregados.
A excludente de culpabilidade não pode ser banalizada, sob pena de implicar verdadeira revogação do art. 0005, §1º, ‘d’, da Lei 8212/0001 pelos Tribunais. Sua incidência deve ser restrita às excepcionais hipóteses em que o período total de não recolhimento das contribuições seja bem delimitado e coincidente com o momento de dificuldade crônica da empresa.
A alegação de litispendência, a seu turno, não implica a nulidade da sentença, por motivos já indicados pelo emintente órgão do Ministério Público Federal que oficiou em 1º grau (fls. 23000):
“... se limitou o alegante a formulá-la, sem contudo demonstrar a mesma, além, é claro, de não a alegar pela via própria, qual seja, a exceção de litispendência.
Com efeito, a litispendência se verifica a partir do recebimento da denúncia... No caso, as cópias de fls. 43/58, juntadas pelo apelante, apenas contém a denúncia e outros documentos, não constando o despacho de seu recebimento, pelo que nada se pode inferir acerca de qual das duas demandas se iniciou primeiro (...)”
Além disso, ainda quando presentes e demonstradas se encontrassem as circunstâncias caracterizadoras da litispendência, não haveria mais como declará-la nestes autos, na medida em que, já prolatada a sentença objeto do presente recurso, a ação a que se refere o processo 0004.000000004-6 ainda aguarda julgamento (cf. consulta de 21.12.00 ao site www.jfrj.gov.br)
Isto não obstante, convém que se oficie, com a necessária urgência, ao juízo da 8ª Vara Criminal, para que fique cinete da existência da presente ação penal e do teor da sentença de fls. 208/214.
Do exposto, o parecer é no sentido do não provimento do recurso.
Rio de Janeiro, 3 de janeiro de 2001.
JOSÉ HOMERO DE ANDRADE
Procurador Regional da República
Acrim65 – isdaf